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quarta-feira, fevereiro 07, 2007

Desonestidade Intelectual

Como seria de esperar, a desonestidade intelectual continua a dar cartas no referendo do aborto. Felizmente desta vez foi ao lado do Não que fugiu o pé para o chinelo.
Jerónima Teixeira, médica e investigadora há anos radicada em Inglaterra, jogou baixo no último Prós e Contras, ao afirmar, preto no branco, que existiam "evidências científicas" de que os fetos de 10 semanas sentiam dor.
A mentira é especialmente grave quando vem disfarçada de ciência.
Aqui fica o texto da notícia do Público sobre esta questão:

"Não" repete estudo em embriões de 16 a 34 semanas para dizer que feto até às dez semanas também sofre
Sofia Branco
O feto e a dor voltaram a ser o tema escolhido pela Plataforma Não Obrigada! para mais uma conferência do Fórum Ciência e Futuro. "Na sociedade actual, provocar dor é totalmente inaceitável", afirmou o médico e professor Jorge Tavares. A médica e investigadora Jerónima Teixeira, cujo estudo sobre o feto e a dor tem sido usado e reutilizado pelos movimentos do "não" em conferências e debates televisivos, diria depois que "o feto humano responde a estímulos dolorosos".

Jorge Tavares dissertou cerca de meia hora sobre o "fenómeno muito complexo" que é a dor, "tão difícil de descrever como explicar as cores a um cego de nascença". E, à medida que o tempo ia passando, os organizadores da campanha do "não" presentes iam ficando fastidiados e nervosos, olhando ostensivamente para os relógios e fazendo sinais ao moderador para que passasse a palavra a Jerónima Teixeira.
Imperturbável, Jorge Tavares ainda discorreu sobre a subjectividade da dor, realçando que o problema está em que o feto não pode verbalizar essa mesma dor. No exterior, mais nervosismo. Enquanto pensava sobre o que dizer para um spot de 30 segundos - "Se calhar vou pegar no caso da Alemanha, que está a apostar na maternidade" -, a deputada Matilde Sousa Franco discutia o último Prós e Contras com uma das organizadoras da campanha da Plataforma, visivelmente irritada com as "mentiras", os "disparates" e o "discurso esquizofrénico" dos apoiantes da despenalização do aborto.
Passada a palavra a Jerónima Teixeira, especialista em obstetrícia e ginecologia no britânico Imperial College, esta voltou a apresentar o seu estudo publicado na revista Lancet, feito ao longo de sete anos em fetos entre as 16 e as 34 semanas. Foi deste estudo que concluiu que o feto reage à dor e foi a partir deste estudo que considerou haver "evidência" para dizer que os fetos até às dez semanas também reagem à dor. Questionada sobre a utilização da palavra "evidência", que, em qualquer dicionário, significa certeza e prova, Jerónima Teixeira emendou para "possibilidade" e adiantou que a sua experiência "sugere" que assim seja.
Questionada também sobre se existe um movimento de cientistas que, no Reino Unido - onde o aborto é legal até às 24 semanas -, tenha proposto a revogação da lei em vigor há 40 anos, a médica referiu que existe um grupo, "de cinco a sete" cientistas, que já entregou um documento no Parlamento britânico, que não pede a revogação da lei, porque os cientistas não são legisladores nem políticos, mas que reflecte aquela "evidência".

...e, já agora, também os resumos de alguns artigos publicados em revistas científicas de referência.

No Journal of the American Medical Association:
Fetal Pain

A Systematic Multidisciplinary Review of the Evidence

Susan J. Lee, JD; Henry J. Peter Ralston, MD; Eleanor A. Drey, MD, EdM; John Colin Partridge, MD, MPH; Mark A. Rosen, MD

JAMA. 2005;294:947-954.

Context Proposed federal legislation would require physicians to inform women seeking abortions at 20 or more weeks after fertilization that the fetus feels pain and to offer anesthesia administered directly to the fetus. This article examines whether a fetus feels pain and if so, whether safe and effective techniques exist for providing direct fetal anesthesia or analgesia in the context of therapeutic procedures or abortion.

Evidence Acquisition Systematic search of PubMed for English-language articles focusing on human studies related to fetal pain, anesthesia, and analgesia. Included articles studied fetuses of less than 30 weeks’ gestational age or specifically addressed fetal pain perception or nociception. Articles were reviewed for additional references. The search was performed without date limitations and was current as of June 6, 2005.

Evidence Synthesis Pain perception requires conscious recognition or awareness of a noxious stimulus. Neither withdrawal reflexes nor hormonal stress responses to invasive procedures prove the existence of fetal pain, because they can be elicited by nonpainful stimuli and occur without conscious cortical processing. Fetal awareness of noxious stimuli requires functional thalamocortical connections. Thalamocortical fibers begin appearing between 23 to 30 weeks’ gestational age, while electroencephalography suggests the capacity for functional pain perception in preterm neonates probably does not exist before 29 or 30 weeks. For fetal surgery, women may receive general anesthesia and/or analgesics intended for placental transfer, and parenteral opioids may be administered to the fetus under direct or sonographic visualization. In these circumstances, administration of anesthesia and analgesia serves purposes unrelated to reduction of fetal pain, including inhibition of fetal movement, prevention of fetal hormonal stress responses, and induction of uterine atony.

Conclusions Evidence regarding the capacity for fetal pain is limited but indicates that fetal perception of pain is unlikely before the third trimester. Little or no evidence addresses the effectiveness of direct fetal anesthetic or analgesic techniques. Similarly, limited or no data exist on the safety of such techniques for pregnant women in the context of abortion. Anesthetic techniques currently used during fetal surgery are not directly applicable to abortion procedures.

... e também no British Medical Journal (abstract não disponível online), neste artigo de Stuart Derbyshire, cujo pequeno extracto obtive a partir do Médicos Pela Escolha:

Nevertheless, proposals to inform women seeking abortions of the potential for pain in fetuses are not supported by evidence. Legal or clinical mandates for interventions to prevent such pain are scientifically unsound and may expose women to inappropriate interventions, risks, and distress. Avoiding a discussion of fetal pain with women requesting abortions is not misguided paternalism but a sound policy based on good evidence that fetuses cannot experience pain.
(
BMJ 2006;332:909-912 (15 April), doi:10.1136/bmj.332.7546.909)

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Comments:
Ilustre Colega, apenas para perguntar porque marca as questões relaconadas com o aborto como "Política Nacional".
Não me parece deslocado ou errado, apenas desfocado. Não seria preferível adoptar um marcador mais específico?
 
Meu caro: tenho a certeza de que a discussão do aborto é "política nacional". Aliás, não é rigorosamente mais nada que não seja "política nacional"... ;)
 
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