domingo, novembro 24, 2013
Gostei de sentir cada um dos três graus que me esperavam à porta de casa e especialmente do facto destes estarem sozinhos. Há qualquer coisa de civilizado em viver num país frio.
segunda-feira, novembro 04, 2013
Quim Anão
Na verdade já nem sei se algum dia existiu um "Quim Anão" ou se este é apenas um personagem da minha mitologia pessoal. De qualquer modo, creio que no final deste texto já ninguém se lembrará do respectivo título, cuja explicação remeterei para o final da minha próxima sessão de psicanálise.
Assim sendo, e porque dos fracos não reza a história, cá fica a crónica que escrevi no dia 30 de Setembro de 2013 e que, por razões que vão desde a afonia à falta de tempo, só veio a ser emitido pela Rádio Voz da Ria há cerca de 10 dias. A pedido de várias famílias (na verdade, a pedido de 3 pessoas), cá fica também a versão escrita daquilo que a minha doce voz gravou no iPhone e que os meus ágeis polegares trataram de remeter para a RVR com quase um mês de atraso:
Dizer que em Estarreja o PSD coligado com o CDS ganharia qualquer eleição, nem que o candidato fosse o Emplastro é uma forma muito intuitiva, bastante prática e razoavelmente errada de colocar o problema. Eu próprio recorri algumas vezes a este tipo de formulações, que no entanto pecam por não se focarem no essencial e sobretudo por subalternizarem factores estruturais que podem explicar o enorme sucesso eleitoral de quem quer que se apresente às urnas vestido simultaneamente de cor-de-laranja, azul e amarelo.
Mas comecemos pelo princípio. E o princípio para mim é dizer que fui e sou um fervoroso adepto da candidatura de Fernando Mendonça, cuja qualidade das propostas e projecto político são absolutamente fantásticas, para além de se tratar de uma das pessoas individualmente mais geniais que conheci até hoje.
Dito isto, importa perceber porque é que o PS em Estarreja é uma quase nulidade eleitoral, que sem as circunstâncias irrepetíveis de 1993 nunca teria ganho uma única eleição.
A verdade é que tudo começou há muitos anos, ainda nos tempos do antigo regime e com a forma como se fez a transição para a democracia em Portugal em geral e em Estarreja em particular. Com a chegada da liberdade, a sociedade portuguesa dividiu-se politicamente pelos partidos que então começavam a dar os primeiros passos. A oposição ao regime filiou-se no PCP, UDP, MRPP e outros que tais, enquanto que os moderados (não fascistas e não comunistas) encontraram abrigo essencialmente no PS e PSD. O CDS ficou com a herança do antigo regime e com os defensores do liberalismo económico que consideravam que PS e PSD eram, apesar de tudo, demasiado esquerdistas.
Em Estarreja as coisas foram ligeiramente diferentes, pois nessa altura o PS não existia. E como tal a população não excessivamente politizada (isto é, a esmagadora maioria) acabou por encontrar abrigo político no único partido que de facto existia e no qual se inscreveram várias das pessoas socialmente mais activas e influentes da sociedade da época. Ser do PSD passou, por isso, a ser parte do DNA dos estarrejenses, sendo esta uma característica que se transmite de pais para filhos, numa tradição familiar dificilmente combatível.
Entretanto os anos passaram e o PS acabou por surgir em Estarreja, não com o mesmo estatuto de força política herdeira do socialismo democrático de inspiração francesa e escandinava que se verificava no resto do país, mas essencialmente como porto de abrigo e ponto de encontro de ex-comunistas e PSDs desiludidos. Ou seja, em Estarreja o PS não existe, nem nunca existiu, enquanto partido verdadeiramente estruturado na sociedade e que funcionasse como reflexo do pensamento e modo de vida populares.
Em 1993 houve um parêntesis neste processo, pois por uma enorme casualidade criaram-se circunstâncias únicas: Lurdes Breu arrastava-se penosamente após 17 anos de má gestão autárquica, as obras da Praça Francisco Barbosa eram um desastre arquitectónico e, 7 anos após a entrada do país na CEE, o progresso parecia chegar a todo o lado menos a Estarreja. Além disso, Cavaco Silva e o PSD a nível nacional estavam na fase descendente da sua influência política e em Estarreja CDS e PSD eram ambos muito fortes e estavam profundamente divididos. Foi perante esta nesga de oportunidade que o PS ganhou a Câmara e que a manteve tangencialmente 4 anos mais tarde, sendo que, mesmo assim, em ambas as ocasiões a soma dos votos de PSD e CDS teria permitido a estes partidos ganharem confortavelmente as eleições. Isto é, se a coligação existisse desde 93, o PS nunca teria ganho a Câmara de Estarreja.
Chegados a 2013 o PS apresentou Fernando Mendonça, um candidato de enormíssimo valor intelectual e com um projecto político consistente e de elevada qualidade. No entanto, faltava-lhe o resto: o PS enquanto partido não tem implantação popular, para além de que a candidatura de Mendonça foi facilmente rotulada de urbano-elitista. De facto, ao apresentar como candidato o Director de uma Galeria de Arte que é também escritor, a liderar uma candidatura que apostava nas novas tecnologias e que entre os seus principais protagonistas tinha jovens altamente criativos e que aplicavam conceitos modernos de comunicação e marketing político era algo de tão inadequado à natureza rural e operária da maior parte do eleitorado que, em boa verdade, o resultado até acabou por ser surpreendente pela positiva. Foi aliás esta dissociação das raízes populares que fez surgir uma candidatura como a de José Artur Pinho, que apostando numa ligação mais directa ao terreno acabou por contabilizar um número de votos apesar de tudo bastante assinalável. Pelo contrário, foi graças à enorme implementação popular e ligação ao terreno de um candidato como Manuel Almeida que foi possível ao PS ganhar a aparentemente inacessível Junta de Freguesia de Salreu.
Fernando Mendonça sai derrotado destas eleições, mas deixa várias heranças de grande valor e que seguramente serão capitalizadas pelo PS dentro de 10 a 15 anos: é que hoje os tempos são diferentes e as raízes populares já não se criam nas conversas à saída da missa, do posto de leite ou nos concertos da banda da aldeia, mas no Facebook e nos bares de praia da Torreira. E por isso há uma geração de estarrejenses que neste momento tem menos de 35 anos e se está nas tintas para as eleições, mas que tem sensibilidade para aspectos como a qualidade da mensagem, a criatividade, o design gráfico e das fotografias dos cartazes de campanha e que prefere esta forma de fazer política à tradicional mensagem de raiz familiar e profundamente implantada no terreno que o PSD tão bem tem gerido. Além disso, ao arriscar colocar jovens em lugares de destaque nas suas listas, Fernando Mendonça sabia que não estava a seguir a via mais fácil - mas seguramente que acabou por escolher a forma mais sustentada de implantar localmente um partido político. É um trabalho de fundo, que não vai dar frutos a curto prazo, mas que seguramente que terá resultados no futuro. É aliás curioso que um desses jovens, Gonçalo Costa, tenha tido mais votos que o próprio candidato à Câmara (o que se poderá explicar também com a bipolarização proporcionada pela inexistência da lista independente nas eleições para a AM).
No entanto, e independentemente da análise destas subtilezas eleitorais, o que interessa avaliar é que até hoje o PS, iludido com os circunstancialismos únicos e irrepetíveis de 93 e 97, não tinha ainda percebido que de facto não existia em Estarreja. Mendonça perdeu e provavelmente acabou a sua vida política local. No entanto, deixa o trabalho feito - e quando daqui a 8 ou 12 anos finalmente alguém do PS ganhar a Câmara de Estarreja por motivos virtuosos e não como consequência de divisões ou erros da coligação, estará a beneficiar do que agora se iniciou.
Para terminar, uma palavra para Diamantino Sabina, que está de parabéns e tem pelo menos o benefício da dúvida. Aguarda-se com expectativa a apresentação de uma verdadeira estratégia de desenvolvimento para o concelho e sobretudo vai ser importante perceber que tipo de autonomia conseguirá Sabina manter relativamente à figura tutelar de José Eduardo de Matos. É que com o futuro Presidente da AM a ser também o político eleitoralmente mais bem sucedido da história da política local estarrejense, a vida de Sabina não será fácil e as dificuldades em impor a sua personalidade e liderança serão seguramente enormes. Vai ser muito interessante ver quem cede quando as opiniões dos dois deixarem de ser coincidentes… e sobretudo vai ser curioso ver quem vai exercer de facto a presidência política da CME.
Assim sendo, e porque dos fracos não reza a história, cá fica a crónica que escrevi no dia 30 de Setembro de 2013 e que, por razões que vão desde a afonia à falta de tempo, só veio a ser emitido pela Rádio Voz da Ria há cerca de 10 dias. A pedido de várias famílias (na verdade, a pedido de 3 pessoas), cá fica também a versão escrita daquilo que a minha doce voz gravou no iPhone e que os meus ágeis polegares trataram de remeter para a RVR com quase um mês de atraso:
Dizer que em Estarreja o PSD coligado com o CDS ganharia qualquer eleição, nem que o candidato fosse o Emplastro é uma forma muito intuitiva, bastante prática e razoavelmente errada de colocar o problema. Eu próprio recorri algumas vezes a este tipo de formulações, que no entanto pecam por não se focarem no essencial e sobretudo por subalternizarem factores estruturais que podem explicar o enorme sucesso eleitoral de quem quer que se apresente às urnas vestido simultaneamente de cor-de-laranja, azul e amarelo.
Mas comecemos pelo princípio. E o princípio para mim é dizer que fui e sou um fervoroso adepto da candidatura de Fernando Mendonça, cuja qualidade das propostas e projecto político são absolutamente fantásticas, para além de se tratar de uma das pessoas individualmente mais geniais que conheci até hoje.
Dito isto, importa perceber porque é que o PS em Estarreja é uma quase nulidade eleitoral, que sem as circunstâncias irrepetíveis de 1993 nunca teria ganho uma única eleição.
A verdade é que tudo começou há muitos anos, ainda nos tempos do antigo regime e com a forma como se fez a transição para a democracia em Portugal em geral e em Estarreja em particular. Com a chegada da liberdade, a sociedade portuguesa dividiu-se politicamente pelos partidos que então começavam a dar os primeiros passos. A oposição ao regime filiou-se no PCP, UDP, MRPP e outros que tais, enquanto que os moderados (não fascistas e não comunistas) encontraram abrigo essencialmente no PS e PSD. O CDS ficou com a herança do antigo regime e com os defensores do liberalismo económico que consideravam que PS e PSD eram, apesar de tudo, demasiado esquerdistas.
Em Estarreja as coisas foram ligeiramente diferentes, pois nessa altura o PS não existia. E como tal a população não excessivamente politizada (isto é, a esmagadora maioria) acabou por encontrar abrigo político no único partido que de facto existia e no qual se inscreveram várias das pessoas socialmente mais activas e influentes da sociedade da época. Ser do PSD passou, por isso, a ser parte do DNA dos estarrejenses, sendo esta uma característica que se transmite de pais para filhos, numa tradição familiar dificilmente combatível.
Entretanto os anos passaram e o PS acabou por surgir em Estarreja, não com o mesmo estatuto de força política herdeira do socialismo democrático de inspiração francesa e escandinava que se verificava no resto do país, mas essencialmente como porto de abrigo e ponto de encontro de ex-comunistas e PSDs desiludidos. Ou seja, em Estarreja o PS não existe, nem nunca existiu, enquanto partido verdadeiramente estruturado na sociedade e que funcionasse como reflexo do pensamento e modo de vida populares.
Em 1993 houve um parêntesis neste processo, pois por uma enorme casualidade criaram-se circunstâncias únicas: Lurdes Breu arrastava-se penosamente após 17 anos de má gestão autárquica, as obras da Praça Francisco Barbosa eram um desastre arquitectónico e, 7 anos após a entrada do país na CEE, o progresso parecia chegar a todo o lado menos a Estarreja. Além disso, Cavaco Silva e o PSD a nível nacional estavam na fase descendente da sua influência política e em Estarreja CDS e PSD eram ambos muito fortes e estavam profundamente divididos. Foi perante esta nesga de oportunidade que o PS ganhou a Câmara e que a manteve tangencialmente 4 anos mais tarde, sendo que, mesmo assim, em ambas as ocasiões a soma dos votos de PSD e CDS teria permitido a estes partidos ganharem confortavelmente as eleições. Isto é, se a coligação existisse desde 93, o PS nunca teria ganho a Câmara de Estarreja.
Chegados a 2013 o PS apresentou Fernando Mendonça, um candidato de enormíssimo valor intelectual e com um projecto político consistente e de elevada qualidade. No entanto, faltava-lhe o resto: o PS enquanto partido não tem implantação popular, para além de que a candidatura de Mendonça foi facilmente rotulada de urbano-elitista. De facto, ao apresentar como candidato o Director de uma Galeria de Arte que é também escritor, a liderar uma candidatura que apostava nas novas tecnologias e que entre os seus principais protagonistas tinha jovens altamente criativos e que aplicavam conceitos modernos de comunicação e marketing político era algo de tão inadequado à natureza rural e operária da maior parte do eleitorado que, em boa verdade, o resultado até acabou por ser surpreendente pela positiva. Foi aliás esta dissociação das raízes populares que fez surgir uma candidatura como a de José Artur Pinho, que apostando numa ligação mais directa ao terreno acabou por contabilizar um número de votos apesar de tudo bastante assinalável. Pelo contrário, foi graças à enorme implementação popular e ligação ao terreno de um candidato como Manuel Almeida que foi possível ao PS ganhar a aparentemente inacessível Junta de Freguesia de Salreu.
Fernando Mendonça sai derrotado destas eleições, mas deixa várias heranças de grande valor e que seguramente serão capitalizadas pelo PS dentro de 10 a 15 anos: é que hoje os tempos são diferentes e as raízes populares já não se criam nas conversas à saída da missa, do posto de leite ou nos concertos da banda da aldeia, mas no Facebook e nos bares de praia da Torreira. E por isso há uma geração de estarrejenses que neste momento tem menos de 35 anos e se está nas tintas para as eleições, mas que tem sensibilidade para aspectos como a qualidade da mensagem, a criatividade, o design gráfico e das fotografias dos cartazes de campanha e que prefere esta forma de fazer política à tradicional mensagem de raiz familiar e profundamente implantada no terreno que o PSD tão bem tem gerido. Além disso, ao arriscar colocar jovens em lugares de destaque nas suas listas, Fernando Mendonça sabia que não estava a seguir a via mais fácil - mas seguramente que acabou por escolher a forma mais sustentada de implantar localmente um partido político. É um trabalho de fundo, que não vai dar frutos a curto prazo, mas que seguramente que terá resultados no futuro. É aliás curioso que um desses jovens, Gonçalo Costa, tenha tido mais votos que o próprio candidato à Câmara (o que se poderá explicar também com a bipolarização proporcionada pela inexistência da lista independente nas eleições para a AM).
No entanto, e independentemente da análise destas subtilezas eleitorais, o que interessa avaliar é que até hoje o PS, iludido com os circunstancialismos únicos e irrepetíveis de 93 e 97, não tinha ainda percebido que de facto não existia em Estarreja. Mendonça perdeu e provavelmente acabou a sua vida política local. No entanto, deixa o trabalho feito - e quando daqui a 8 ou 12 anos finalmente alguém do PS ganhar a Câmara de Estarreja por motivos virtuosos e não como consequência de divisões ou erros da coligação, estará a beneficiar do que agora se iniciou.
Para terminar, uma palavra para Diamantino Sabina, que está de parabéns e tem pelo menos o benefício da dúvida. Aguarda-se com expectativa a apresentação de uma verdadeira estratégia de desenvolvimento para o concelho e sobretudo vai ser importante perceber que tipo de autonomia conseguirá Sabina manter relativamente à figura tutelar de José Eduardo de Matos. É que com o futuro Presidente da AM a ser também o político eleitoralmente mais bem sucedido da história da política local estarrejense, a vida de Sabina não será fácil e as dificuldades em impor a sua personalidade e liderança serão seguramente enormes. Vai ser muito interessante ver quem cede quando as opiniões dos dois deixarem de ser coincidentes… e sobretudo vai ser curioso ver quem vai exercer de facto a presidência política da CME.