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sábado, agosto 27, 2011

O post anterior foi escrito antes de saber que o Tribunal de Contas tinha publicado este lamentável documento. O que fazer quando as instituições com responsabilidades chegam a este nível de iliteracia? Nem sempre é bom ter razão...

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Embora neste momento "O Efervescente" esteja reduzido a uma caricatura (em marca de água) do que já foi, não posso deixar de analisar dois títulos que saíram recentemente no "i" (Farmácias em colapso. 20% sem dinheiro para repor stocks e Farmácias hospitalares em falência).
De facto, aqueles que me liam no tempo em que as opiniões profundas e devidamente fundamentadas não tinham ainda sido substituídas por esparsos pedacinhos de diarreia mental a cheirar a cocó de bebé sabem que em devido tempo (desde 2005, essencialmente) alertei para a inevitabilidade do cenário que agora se vive. Contudo, neste momento a capitalização das minhas qualidades zandinguísticas e o espancamento do ceguinho são menos importantes que as explicações que se seguem, algumas as quais cortadas e coladas de missas que já venho rezando desde 2007:

  1. Tudo isto acontece porque o modelo farmacêutico português não tem viabilidade intrínseca: ao contrário das ideias que alguns tentaram fazer passar (com "estudos" científicos não escrutinados academicamente), a sociedade não reconhece ao papel do farmacêutico uma importância que valha cerca de 25% do PVP (sem IVA) dos medicamentos. E portanto quando é necessário cortar em algum lado, nada como iniciar essa tarefa pelas gorduras menos apetecíveis, deixando as greves de médicos e enfermeiros para segundas núpcias;
  2. Esta é uma questão que não se resolve com facilidade e que tem raízes muito mais profundas do que à primeira vista se possa pensar. Em primeiro lugar, a questão da necessidade: será que os farmacêuticos servem mesmo para alguma coisa? É que neste momento, pelo menos na dispensa de medicamentos sujeitos a receita médica, o seu papel pouco excede o de máquinas de vending de bata branca. A resposta é sim, claro que sim. É fundamental e verdadeiramente urgente a intervenção farmacêutica em áreas como a monitorização fármacoterapêutica dos doentes, verificação de interacções medicamentosas (no mesmo acto de prescrição, após consultas com médicos diferentes ou após a aquisição de medicamentos de venda livre), farmacovigilância, aconselhamento, participação em programas de saúde preventiva, promoção de terapêuticas medicamentosas custo-efectivas, lançamento de programas de cuidados farmacêuticos (como os que já existem para a asma e diabetes, por exemplo) e interligação com outros profissionais de saúde em termos de prestação de informação técnica especializada, acompanhamento de doentes (garantindo aspectos tão básicos e essenciais como a concordância e adesão à terapêutica através da disponibilização em permanência de ajuda especializada), gestão do risco clínico, renovação de receituário e revisão de medicação. Estas são, todas elas, áreas complexas e que actualmente estão a ser descuradas pelas farmácias e pelos farmacêuticos, não por falta de profissionalismo ou desconhecimento da realidade, mas simplesmente porque a pressão económica sobre as farmácias e a própria arquitectura do SNS não o permitem;
  3. Acresce referir que estão por contabilizar os custos associados às ineficiências causadas pela inexistência das medidas acima referidas e que seguramente ultrapassarão (em internamentos hospitalares, consumo de MCDTs e... novas aquisições de medicamentos!) largamente eventuais poupanças conseguidas pelo subfinanciamento de serviços farmacêuticos;
  4. As farmácias não são consideradas parte da rede de cuidados de saúde primários. Os farmacêuticos e médicos dos centros de saúde não se falam e desenvolveram relações de rivalidade e em certos casos mesmo completa aversão. Falta ao SNS uma cultura de colaboração conjunta e interligação entre os vários profissionais de saúde. As dificuldades de comunicação existentes limitam os benefícios de algumas iniciativas e são altamente prejudiciais aos doentes, quer em termos de saúde, quer sob o ponto de vista económico. Actualmente as equipas clínicas que actuam no SNS acabam por funcionar numa lógica de acumulação sequencial de actos individuais e não num contexto de decisão integrada e multidisciplinar. A falta de comunicação entre profissionais conduziu a uma segmentação do conhecimento e da respectiva intervenção, que em nada beneficia o doente, não contribui para optimizar recursos e até é susceptível de originar erros de medicação;
  5. As farmácias evoluíram num sentido perigoso e que em nada contribui para resolver este problema, antes pelo contrário. Os novos mini-mercados de saúde onde se faz um PSA, arranjam-se as unhas, experimentam-se sombras para os olhos, compram-se brinquedos de criança, sapatos ortopédicos e pulseiras electromagnéticas anti-stress servem para descredibilizar as instituições, consomem tempo a profissionais altamente qualificados e contribuem para que a percepção geral seja de que "se as farmácias já ganham dinheiro com tanta coisa, para quê continuar a existir uma margem na venda de medicamentos?";
  6. Por último, as faculdades de farmácia e a Ordem dos Farmacêuticos têm tido um papel absolutamente lamentável em todo este processo, negligenciando a criação de massa crítica e a inovação de novos modelos para a prestação de serviços farmacêuticos e aparecendo na praça pública apenas a defender interesses corporativistas e pouco aceitáveis aos olhos do resto da sociedade.
Os farmacêuticos são hoje uma profissão em vias de extinção. Se nada se fizer, no dia 27 de Agosto de 2021 estarei aqui mais uma vez a dizer "eu não disse?". 
A solução para inverter este caminho passa pela completa refundação do modelo farmacêutico português e pela demonstração ao governo das enormíssimas potencialidades económicas das alternativas. Os farmacêuticos devem ser pagos ao acto e não em função da margem de lucro. Devem existir prémios indexados a quotas orçamentais de poupança e monitorização efectiva de todo o processo. Imaginem o que seria a rede nacional de cuidados de saúde primários se lhe acrescentássemos 3000 entidades cuja função essencial fosse lutar pela adopção de medidas mais custo-efectivas!
As farmácias e os farmacêuticos são neste momento o maior desperdício do SNS, que financia todo um sector cujas capacidades seguidamente ignora.

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