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terça-feira, setembro 23, 2003

Fez no passado domingo 1 ano desde que a Assembleia Municipal de Estarreja analisou os resultados de uma muito discutível Auditoria Funcional aos serviços da CME. Subjacente a todos os assuntos em debate estava o facto do referido relatório estar a ser utilizado pelo Dr. José Eduardo de Matos como arma de arremesso político contra a gestão socialista da CME. No próprio dia da Assembleia, o Jornal da Tarde da RTP1 passava em rodapé a frase "Estarreja: auditoria funcional traça quadro negro dos serviços da Câmara Municipal". Ou seja, antes do documento ser apresentado à AM, já o Dr. José Eduardo andava a fazer uma festa em torno das suas conclusões. A propósito deste lamentável episódio, eis a intervenção que preparei para a referida sessão da AM, que não pude ler na totalidade devido a sucessivas interrupções (havia quem não gostasse do que estava a ser dito) e à falta de tempo:

Gostaria de começar por dizer que eu tinha expectativas elevadas em relação ao resultado da “auditoria funcional” que o actual executivo camarário havia anunciado. De facto, parecia-me que a referida auditoria poderia ser uma ferramenta bastante útil quer para dar uma imagem sobre a organização da câmara, quer para fornecer ideias e sugestões novas para optimizar o funcionamento dos serviços camarários. No entanto, após a análise do documento apresentado pela empresa Deloitte & Touche fiquei bastante desiludido, dada a pobreza de algumas das análises, a inadequação de várias das sugestões e o modo tão violento e insultuoso como os trabalhadores da CME são tratados.

Numa primeira abordagem notam-se várias deficiências no documento que nos foi enviado:
- O facto de ter sido enviada uma apresentação de power point colorida a cada grupo parlamentar e uma versão a preto e branco, obscura e amputada a cada um dos deputados municipais é, por si só, bastante negativo. É que o relatório de uma auditoria deste tipo não deve ser uma simples apresentação de power point por tópicos, mas sim um documento bem estruturado e organizado. Se esse documento existe e está na posse do executivo camarário, sinceramente não vejo qualquer motivo para não ter sido tornado público. Penso que os deputados municipais têm direito a ter acesso à versão completa do relatório da auditoria, se é que ela existe. Se não existe, fica aqui registado o meu lamento pela forma tão primária como se exibem os resultados de um procedimento tão caro para os cofres da autarquia. Se realmente existe, deixo desde já o meu apelo à mesa da Assembleia Municipal para que estabeleça as necessárias diligências junto do executivo camarário, para que este documento seja fornecido à Assembleia, tão rápido quanto possível;
Passando à análise concreta do documento que nos foi fornecido, podemos verificar que:
- Não há definição dos objectivos da auditoria – os objectivos, que são definidos pela organização que pede a auditoria, devem estar claramente expressos no relatório de auditoria. É importante que se saiba, por exemplo, se esta Auditoria foi pedida para ser uma fiscalização da gestão da CME em anos anteriores, ou se foi apenas um levantamento de oportunidades de melhoria dos serviços camarários. Ou seja, é fundamental saber se estamos perante um documento político, que sinceramente é o que me parece, ou se se trata de uma auditoria com objectivos técnico;
- Não se definem os conceitos utilizados (por exemplo, quando se fala de “Níveis de Absentismo” são incluídos os dias de férias a que os trabalhadores legalmente têm direito, o que na minha opinião pessoal só serve para viciar os dados, pois não se devem tratar do mesmo modo acontecimentos previsíveis, como as férias, e acontecimentos impossíveis de prever, como as baixas por doença ou o luto). No entanto, admito que os auditores possam ter uma opinião diferente da minha. Lamento, contudo, que não tenham clarificado esta questão, pois a partir do momento em que não se sabe bem a que é que a equipa de auditores se refere quando aborda um determinado tema, tudo é possível e qualquer dado vem sempre associado a um certo grau de desconfiança;



- Não foi identificada a equipa de auditores: não sabemos quem foi o auditor-coordenador, nem quem foram os auditores-técnicos, se é que estes existiram. Também não sabemos quantos destes auditores anónimos é que estiveram envolvidos neste processo, nem quais as suas habilitações para o efeito. De igual modo, não nos é fornecido nenhum dado sobre a experiência dos auditores em causa na avaliação do funcionamento de Câmaras Municipais, nem a quantas Câmaras é que este tipo de auditorias foi feito. Este aspecto é especialmente relevante no caso dos auditores técnicos, cuja presença assume especial importância. Aliás, acredito que esta auditoria foi realizada sem a presença de qualquer auditor-técnico, dado o carácter completamente absurdo de algumas das críticas apresentadas, que a serem aplicadas fariam com que a CME fosse alvo dos mais variados processos judiciais: por exemplo, na página 53 critica-se o facto de na função pública existir um enquadramento legal rígido e na pg 56 sugere-se que se “optimize a gestão e afectação dos recursos humanos, através da realocação e contratação de pessoas com as competências adequadas ao conteúdo da função a exercer”. Ora, este tipo de alterações, embora seja perfeitamente banal numa empresa privada, é ilegal na função pública, que tem regras laborais muito pouco flexíveis. Para além disso, não faz qualquer sentido a abordagem destes problemas numa auditoria ao funcionamento de uma Câmara Municipal. Se os auditores pretendiam apresentar queixas contra a legislação laboral portuguesa, deviam dirigir-se ao ministro Bagão Félix e não à Câmara ou à Assembleia Municipal de Estarreja. É que nenhum destes órgãos tem poderes para alterar leis nacionais. Apesar do prestígio que o nome da “Deloitte & Touche” tem no mercado, e da reconhecida competência metodológica que este tipo de empresas de auditoria possui, a verdade é que a falta de transparência em questões como a identificação dos auditores afecta claramente a credibilidade desta auditoria. Se não sabemos se as pessoas que fizeram um determinado estudo estão devidamente habilitadas para o efeito, qual é a confiança que podemos ter na qualidade do seu trabalho? Numa fase em que o prestígio das empresas de auditoria anda pelas ruas da amargura, depois dos escândalos da Enron e da Worldcom, que tipo certezas é que um trabalho com tantas deficiências formais nos dá? É que o nome das empresas de auditoria já não é suficiente por si só para garantir a fiabilidade dos resultados que apresentam. Uma auditoria tem que estar bem documentada. Uma apresentação de power point pode ser muito satisfatória para o umbigo dos auditores, mas não chega para as exigências de rigor que uma instituição como a CME naturalmente exige.
- Para além de tudo isto, a informação sobre as fontes e o modo de recolha de dados para esta auditoria são também claramente deficientes:
o Tirando o caso dos dados provenientes das Contas de Gerência ou de Facturas fornecidas pelos serviços camarários, não se sabe se as informações obtidas resultam apenas de documentos escritos, ou se se trata de elementos recolhidos através de conversas ou entrevistas com os responsáveis pelos vários sectores da Câmara Municipal, ou se resultam simplesmente de conversas de corredor;
o Por outro lado, sabemos que os anteriores responsáveis pela Gestão de Topo da Organização CME até ao ano de 2001, ou seja, o ex-presidente da Câmara e os Srs Vereadores a tempo inteiro, não foram ouvidos nem achados para a elaboração deste documento. Também não sabemos se os membros do actual executivo foram ou não consultados pelo grupo de auditores, nem quais os pontos em que a sua opinião foi relevante para o resultado final da auditoria;
- Também em termos temporais a informação que nos é fornecida é bastante pobre. De facto, a auditoria vem com a data de “Setembro de 2002”, mas não existe qualquer referência ao espaço de tempo durante o qual se fez a recolha de dados. Por outro lado, apenas na parte 4 deste documento, que diz respeito à análise de processos e métricas é que são referidos os períodos em análise, sendo que a parte que trata da “Aquisição de Bens e Serviços (Ajuste Directo)” se refere à gestão do executivo actual, pois é analisado o período de Janeiro a Março de 2002, enquanto que os restantes itens desta secção dizem respeito ao ano de 2001. Qual o critério para esta diferença de análises? Não é explicado. Estamos, pois, perante uma óbvia manipulação de informação. É que se o que se pretendia era analisar o modo de funcionamento dos serviços camarários em 2001, então não existiam razões para também se analisar o referido período de 2002. Se o objectivo era estudar a gestão do actual executivo, então não se percebe qual a necessidade de analisar o período de 2001. É que estamos perante processos que foram realizados quer pelo executivo anterior, quer pelo actual. Qual é então o critério para numas situações se analisar um ano e em outros casos analisar-se o outro?
- Outra das deficiências que salta à vista na análise a esta auditoria é o pouco rigor e a falta de exactidão como alguns dados são exibidos. Um dos mais divertidos exemplos disto pode ver-se no capítulo da “Análise dos Processos e Métricas” (pg 49 na plebeia versão a p/b e pg 84 na versão colorida), em que se atribui um prazo de 27 dias úteis entre a aprovação pelo vice-presidente e o despacho pelo Presidente da Câmara para a aprovação de obras particulares. É que, durante os 8 anos de gestão do executivo anterior, os poderes para o despacho deste tipo de processos estavam delegados no vice-presidente da Câmara, o sr. Vereador Teixeira da Silva. Ou seja, os processos nunca eram despachados pelo presidente da Câmara, mas sim pelo vereador responsável, excepto no caso dos projectos do gabinete Gapro, do qual o Eng. Teixeira da Silva é proprietário. Apenas nestas situações é que, por uma questão de independência e transparência, e também por imperativos legais, os projectos eram despachados pelo Presidente da Câmara, e sempre em poucos dias. Portanto, não se percebe de onde é que vem a descabida referência aos 27 dias úteis. Outro exemplo da falta de rigor na informação que este relatório nos dá vem na página 7. Então alguém acredita que a CME nos anos de 1999 e 2000 não pagava subsídios de refeição aos seus funcionários? E esta informação era fácil de obter: bastava perguntar a qualquer funcionário com pelo menos 2 anos de antiguidade na Câmara... Como este, há outros exemplos de erros grosseiros, que seria exaustivo estar aqui a enumerar, mas que o nosso grupo parlamentar compilou e está disponível para fornecer a quem estiver interessado e que, mais uma vez, retiram toda a credibilidade a um documento que parece no mínimo bastante nebuloso.

Mas vamos a factos concretos, analisando o conteúdo concreto da auditoria. Assim, vemos que foram abordados vários aspectos:
- No primeiro ponto temos a Análise Financeira e de Investimentos, em que, com base nas contas de gestão dos anos anteriores, se faz uma escalpelização das despesas do município ao longo dos últimos 3 anos, apenas se fazendo uma leve e pontual alusão às receitas. Das 14 páginas ocupadas com este primeiro ponto, apenas se gastou meia página para falar das receitas da CME no referido período, o que faz com que este ponto não seja uma análise financeira, mas sim um mero tratamento informático de dados relativos às despesas. Gostaria, no entanto, de deixar aqui mais uma vez o meu voto de satisfação pela qualidade com que quer os elementos do anterior executivo, quer os técnicos da Câmara Municipal de Estarreja elaboraram os documentos relativos à Conta de Gerência, que pela sua clareza certamente tornaram fácil e óbvia a recolha de dados pelos auditores da Deloitte & Touche. Como se pode ver, a CME não é nem o Benfica nem a Universidade Moderna: as contas estão todas bem organizadas e são perfeitamente claras. Todas as entradas e saídas de dinheiro estão devidamente documentadas e estão disponíveis para quem as quiser contactar.
- Por outro lado, penso que é importante frisar que todas as contas de gerência que serviram de base a este documento foram discutidas quer em reunião de câmara, quer aqui na Assembleia Municipal, e em análise estiveram os documentos que serviram de base a esta auditoria, que constituíam fontes de informação bastante mais completas e exaustivas. Ou seja, quer na reunião de câmara, quer na Assembleia Municipal, já foram analisadas as despesas respeitantes aos anos em causa, pelo que o que temos aqui hoje em discussão não é nada de novo. Trata-se apenas de uma remistura gráfica de dados que há muito são conhecidos, uma espécie de fast food financeira para consumo rápido e fácil;
- Nos pontos seguintes temos várias considerações, mais ou menos subjectivas, sobre a estrutura orgânica, o sistema de informação, os processos e a análise de actividades. É, aliás, nestes pontos que, surpreendentemente, temos um completamente descabido chorrilho de críticas ao modo como a lei exige que se organize a função pública, bem como juízos de valor sobre a gestão anterior completamente distituidos de fundamento. Por exemplo, cabe na cabeça de alguém que num relatório de uma auditoria aos serviços de uma Câmara Municipal se escrevam frases como “o orçamento não é encarado como um instrumento de gestão” ou “a filosofia de gestão não é orientada por critérios de racionalidade económica”, sem sequer se ter perguntado ao anterior executivo quais eram os seus instrumentos ou qual era a sua filosofia de gestão? Como se pode dizer que os órgãos autárquicos não têm nem actividades de valor estratégico, nem actividades de baixo, nem de médio, nem de alto valor? Tudo isto é de facto pouco rigoroso e muito pouco sério.


Em relação às sugestões e ao desenvolvimento de soluções apresentados, para além de vagas ideias avulsas e de banalidades tiradas dos manuais de economia e gestão, bem como de conselhos abstractos para privatizar serviços camarários, temos apenas uma ou duas propostas concretas, como é o caso do Gabinete de Apoio ao Munícipe.
Sinceramente, tudo isto é muito pouco. Esperava-se que esta auditoria fosse um valioso auxiliar para a gestão da Câmara, mas afinal de valioso apenas tem o dinheiro que os estarrejenses pagaram por ela.
A Deloitte & Touche será certamente extremamente competente na análise e aconselhamento de empresas privadas, mas parece ter uma noção muito reduzida das regras de funcionamento das empresas públicas e, mais concretamente, das Câmaras Municipais.
Para além disso, não me parece correcto nem justo ofender desta maneira a dignidade profissional dos trabalhadores da Câmara Municipal de Estarreja, para já não falar dos membros do anterior executivo, que também são fortemente atacados num documento que no mínimo tem pés de barro. (exemplos: pgs 30/31/32...)
O Sr. Presidente da Câmara tem dito à comunicação social que esta auditoria traça um quadro negro dos serviços da autarquia, mas o que se vê após uma análise ligeiramente mais detalhada é que, utilizando os critérios definidos pelos próprios auditores da Deloitte & Touche, Estarreja até é um dos concelhos com rácios mais favoráveis, pelo menos em comparação com os municípios considerados similares. Por outro lado, entre as sugestões de melhoria estão medidas que são o exacto oposto das iniciativas do actual executivo. Por exemplo, temos o caso da deficiente comunicação com o exterior, que naturalmente existe porque o cargo de assessor de imprensa que tão brilhantemente era desempenhado pelo Sr. Altino Pires foi extinto pelos actuais dirigentes camarários.
Estamos, pois, perante um documento claramente político, que aparece sob a capa de auditoria independente.
Penso que a CME deveria queixar-se aos administradores da Deloitte & Touche pela baixíssima qualidade do trabalho apresentado e deveria exigir a realização de uma nova auditoria, a custo zero, mas com os níveis de rigor e seriedade que um órgão com o prestígio, a dignidade e a importância da Câmara Municipal de Estarreja certamente exige.

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