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domingo, setembro 14, 2003

Às Portas do Fim
Por Vladimiro Jorge Silva
(texto da crónica homónima lida nas "Crónicas da Rádio" da Rádio Voz da Ria, no dia 24 de Abril de 2003)


Os novos desenvolvimentos do caso Moderna vieram trazer de novo a público um dos mais interessantes e até inesperados fenómenos da política portuguesa dos últimos anos. Estou a falar, concretamente, do lento, mas progressivo processo de anexação do CDS/PP pelo PSD. Tudo começou com uma absolutamente extraordinária série de erros políticos que Paulo Portas acumulou, aos quais miraculosamente foi conseguindo escapar, muitas vezes sem se perceber muito bem como. Curiosamente, este processo iniciou-se com a vinda a público das primeiras revelações sobre o tão falado caso da Universidade Moderna, corria ainda o ano de 2000. Logo nesse tempo, foi bem evidente o grau de cumplicidade passiva, na melhor das hipóteses, ou de participação activa, mas dissimulada, nas visões mais extremistas, que associavam o então promissor líder do PP, Paulo Portas, à complexa rede de crimes diversos e de tráfico de influências que está actualmente a ser julgada pelo tribunal de Monsanto. O comportamento de Portas em todo este processo foi uma enorme surpresa para todos os que então seguiam a cena política portuguesa com alguma atenção. De facto, Paulo Portas surgira na política com uma imagem de honestidade e integridade de princípios que era reconhecida por todos, da direita à esquerda, independentemente de concordarem ou não com as convicções políticas do actual Ministro de Estado e da Defesa, pelo que o seu envolvimento numa situação tão misteriosa e até lamacenta constituiu, de facto, uma novidade inesperada. No entanto, um pouco atabalhoadamente, e porque na época os sucessivos deslizes do governo Guterres e a inoperância de uma oposição errante supostamente liderada por Durão Barroso se encarregaram de fornecer novas matérias para entreter a opinião pública, a verdade é que o assunto esmoreceu, e Portas acabou por escapar mais ou menos incólume a todas estas suspeitas. Seguiram-se, depois, as eleições presidenciais de Janeiro de 2001, em que o CDS/PP cometeu um duplo erro: por um lado, promoveu uma candidatura de Basílio Horta que acabou por nunca sair do papel, dando uma imagem de inconsequência que em política é extremamente perigosa e por outro lado, não apoiou explicitamente o candidato da direita, Ferreira do Amaral, tendo-se chegado ao ponto de haver figuras destacadas do partido entre os apoiantes declarados de Jorge Sampaio. Para quem argumentava que a união da direita era a única forma de se chegar ao poder, tratava-se sem dúvida de um mau começo... Contudo, e para mal dos militantes populares, a sequência de erros de Portas estava ainda no início, pois 2001 era ano de eleições autárquicas e aí Paulo Portas teve talvez o momento mais baixo da sua carreira política: ao concorrer ele próprio à Câmara de Lisboa, dividiu a direita e quase garantia a vitória da coligação PS/PCP, depois de recusar os sistemáticos pedidos de Santana Lopes para uma candidatura conjunta. Ao vencer as eleições da capital sozinho, o PSD ficou com a sensação de que não precisava do PP para concorrer às eleições legislativas, pois a vitória de Santana Lopes em Lisboa havia sido uma prova de força notável. Por outro lado, nessas mesmas eleições, em todo o país, os resultados do PP foram desastrosos, com a perda de várias das poucas Câmaras que ainda possuía, e a passagem para um papel de simples muleta eleitoral do PSD em várias outras, como é o caso de Estarreja. Portas estava de rastos e logo surgiu Manuel Monteiro a reclamar a sua vez de concorrer às legislativas. No entanto, e num último fôlego, o partido decidiu manter a confiança em Portas, mais pela proximidade das eleições do que por confiança no rumo que a orientação política do partido estava a tomar. Por fim, em Março de 2002, qual Fénix renascida das cinzas, Portas consegue, à justa, os deputados suficientes para obrigar o PSD a engolir um sapo gigantesco e ver-se obrigado a convidar o CDS/PP para formar governo. Tudo parecia correr bem para Paulo Portas, de quem se dizia poder até vir a ser uma espécie de primeiro-ministro na sombra, pois o fraco carisma de Durão Barroso parecia então insuficiente para conter o fogoso e mediático espírito do líder do PP. Porém, começou o julgamento do caso Moderna, e a oposição e a imprensa massacraram autenticamente a credibilidade do Ministro da Defesa, que apenas ficou no governo porque Durão Barroso, talvez na mais inteligente jogada política da sua vida, não o deixou cair e manteve sempre a confiança política em Paulo Portas. Assim, hoje temos uma situação caricata: em vez de ser Portas que tem Durão na mão, é precisamente o contrário: se o líder do PP ainda está no governo, deve-o apenas ao primeiro-ministro, que desta forma conquistou também a gratidão de grande parte do eleitorado PP. Por outro lado, Portas perdeu todo o espaço político para actuar unilateralmente, o que era o principal receio do PSD. Assim, a Portas não resta, neste momento, outra alternativa, senão assumir uma postura low-profile e de segundo plano em relação ao PSD e a Durão Barroso, com a angústia adicional de que se o caso Moderna se complicar, então Portas terá mesmo que se demitir, e Durão nunca poderá ser culpabilizado por isso. Se essa situação provocar também a queda do governo, não é difícil de prever que irá certamente acontecer uma transferência de votos do PP para o PSD, como sinal de agradecimento e respeito pela forma como Durão Barroso aguentou Portas até onde foi possível. Paralelamente, há ainda o perigo Manuel Monteiro, que deixou o CDS/PP e criou o partido “Nova Democracia”, para o qual certamente vai convergir uma importante parte do eleitorado conservador, que se começa a fartar dos sucessivos deslizes de Paulo Portas. Em Estarreja, curiosamente, a situação do CDS/PP é bem diferente: a expressão eleitoral deste partido no nosso concelho foi sempre bastante superior à sua importância a nível nacional, e os dirigentes locais do CDS de Estarreja tiveram sempre uma postura mais de estado e de governo do que o terrorismo intelectual que Paulo Portas mostrava a nível nacional. Ao longo dos anos, várias vezes o CDS teve, em Estarreja, votações bastante significativas, que quase lhe deram o poder na Câmara. No entanto, à partida para estas últimas eleições, surgiu um dilema: ou se tentava a aliança ao PSD, que dividia as opiniões dos militantes e era um enorme sapo que muita gente não queria engolir, ou então corria-se o risco do PS renovar o mandato em Estarreja. O CDS optou pela primeira hipótese e o resultado está à vista: o partido dividiu-se, e houve mesmo importantes personalidades locais que preferiram apoiar o PS a estar ao lado de uma lista conjunta com o PSD; para além disso, o CDS nunca voltou a recuperar a presidência de qualquer uma das 7 Juntas de Freguesia; por último, o CDS ficou reduzido ao papel de calço eleitoral do PSD, a quem a população e a generalidade da comunicação social atribui quase exclusivamente o mérito da conquista do poder na CME. Assistimos, assim, a uma progressiva absorção do CDS pelo PSD, também aqui em Estarreja. No entanto, há um interessante fenómeno de resistência a este processo: na Assembleia Municipal, as constantes ausências do Dr. Carlos Tavares fizeram com que o Dr. Alcides Sá Esteves acabasse por assumir, quase em pleno, as funções de Presidente daquele órgão. A forma imparcial e credível como o Dr. Alcides tem exercido as suas funções tem certamente causado algum incómodo em alguns sectores do PSD, que vêm assim crescer no seu espaço político uma personalidade consensual e com um perfil que lhe permite ambicionar um papel bastante mais activo do que o que actualmente tem. Quanto tempo aguentará o Dr. Alcides Sá Esteves, que é a principal figura do CDS/PP, sob o jugo do PSD? Será que o CDS/PP estará disposto a abdicar de um bom candidato à CME para continuar a apoiar o Dr. José Eduardo Matos? Por outro lado, será que o PSD vai ser capaz de tolerar o protagonismo crescente de alguém que não pertence aos seus quadros? É uma questão interessante, que certamente iremos ver respondida nos próximos 2 ou 3 anos...

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