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quinta-feira, novembro 27, 2003

Texto da minha crónica de hoje no Jornal da Ria:

O Ano do Dragão e o Perigo do Populismo

"A nossa terra está mais limpa, iluminada e bonita"

É com esta frase que o Sr. Presidente da Câmara de Estarreja termina a sua mensagem à população publicada no último boletim municipal. Numa frase tão simples e aparentemente tão inócua estão ironicamente reunidos quase todos os defeitos do actual executivo camarário: o paternalismo sobranceiro, o populismo estéril, a intoxicação intelectual repetitiva da população e a monocultura da estética. Poderá parecer que uma análise tão exaustiva e peremptória a uma frase tão curta é um exagero da minha parte, mas acredito que depois das linhas que se seguem a opinião dos leitores poderá ser outra, ou pelo menos haverá certamente quem compreenda a natureza do raciocínio que me fez chegar a tão infeliz conclusão. De facto, os tempos em que os políticos se dirigiam ao povo utilizando uma linguagem artificialmente simplista, reduzindo os problemas do país ou do concelho a meras preocupações estéticas há muito que passaram. Hoje em dia o acesso à cultura já foi democratizado e todos percebem perfeitamente as mensagens políticas, por muito blindadas que estas estejam em conceitos filosóficos e ideológicos complexos. Por outras palavras, as pessoas não são burras e dispensam perfeitamente os paternalismos dos seus líderes políticos, mesmo quando estes estão a divulgar notícias que são do seu agrado, como é o caso. Neste modo de falar às populações acaba também por estar dissimulada alguma arrogância, como se o poder político tivesse uma superioridade intelectual de tal modo evidente, que o paternalismo e as palavrinhas mansas aparecem como algo de perfeitamente natural. Este tipo de linguagem acaba por ser uma espécie de versão política do "bilú bilú" enternecido com que normalmente falamos aos bebés!
Há relativamente pouco tempo, o principal adversário daqueles que se consideravam "de esquerda" eram os políticos e as políticas "de direita" e vice-versa. Hoje em dia as coisas já não são bem assim, e a principal batalha que se trava na política nacional e internacional (mais na Europa que nos EUA) é entre os políticos sérios e os populistas. De facto, o populismo é um fenómeno que não tem cor política, pois tanto ataca à esquerda (caso, por exemplo, de Francisco Louçã), como à direita (Paulo Portas, Manuel Monteiro). A táctica é simples: junta-se um pequeno conjunto de assuntos-chave, sobre os quais se concentra todo o esforço, quer ao nível das medidas tomadas, quer em termos de intoxicação mediática. Não se dá um passo sem o publicitar nos jornais e é preferível adiar as decisões se delas não se puder tirar os devidos dividendos políticos. À esquerda o populismo faz-se com questões como o aborto, liberalização das drogas leves, casamento homossexual e protestos anti-americanos. À direita, todos nos lembramos das promessas aos reformados e antigos combatentes, do choque fiscal, ou do combate à imigração e à construção europeia. Depois do show publicitário de ambas as partes, resta muito pouco. Em Estarreja passa-se o mesmo: para além da deficiente gestão a conta-gotas das obras e decisões herdadas do executivo anterior (parque industrial, privatização da recolha de lixos, cinema, biblioteca, quartel dos bombeiros, ERASE, praça do município, etc.), a Câmara Municipal limita-se a gerir a sua imagem, criando novos símbolos, fazendo protocolos para tudo e mais alguma coisa, iluminando igrejas, palmeiras, postes, etc., tudo em nome de uma eventual reeleição no final do corrente mandato, como se os problemas do nosso concelho se resolvessem neste curioso baile entre o Dr. José Eduardo, os membros do governo que cá vêm participar na festa e o povo de Estarreja, que involuntariamente é obrigado a dançar esta inesperada valsa. O enorme volume de notícias e material de propaganda produzido com estas medidas avulsas (recordo a publicidade que se deu à instalação do multibanco na Câmara ou à alteração do nome da estação de serviço de Antuã para Antuã-Estarreja...) vai inevitavelmente desviando as atenções dos enormes e graves falhanços do mandato do Dr. José Eduardo, como por exemplo são os casos do atraso das obras e perda de financiamento do Parque Industrial ou do traçado do IC1.
O actual mandato da coligação PSD/CDS faz lembrar as comemorações do ano novo chinês: o presidente da Câmara vai dentro da cabeça de um dragão gigantesco, a dançar e pular de alegria, olhando apenas numa direcção, pela abertura da boca do dragão, que lhe dá um ângulo de visão estreito e muito reduzido. Enquanto isso, o seu séquito de admiradores e colaboradores vai ocupando as partes de trás do boneco, apenas com as pernas de fora e dançando descoordenadamente atrás do seu líder, pois é-lhes impossível ver, uma vez que estão com a pele do dragão enfiada na cabeça. No entanto, todos dançam e pulam de alegria, acreditando que o estrito campo visual do seu líder é suficiente para os conduzir a bom porto...



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