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terça-feira, junho 01, 2004

Mais um post com alguns dias de atraso, mas que apesar de tudo acaba por ter alguma actualidade:

Mourinho

Como os mais atentos leitores deste blogue certamente já perceberam, eu nunca fui um adepto de José Mourinho. Aliás, antes pelo contrário. No entanto, aqui estou para me render à evidência. Por muito que isso me custe admitir, José Mourinho é o melhor treinador português da actualidade e provavelmente das últimas dezenas de anos. Pronto. Custou a sair, mas lá consegui escrever. Agora já está.
Poderão os meus críticos dizer que eu só escrevo estas linhas porque o FCP é campeão da Europa e que este texto é apenas um acéfalo produto de seguidismo de tudo o que na última semana se disse e escreveu sobre esta matéria, ao que eu respondo "eh, pá... isso não é inteiramente mentira, mas também não é completamente verdade". Passo a explicar:
Existe uma grande diferença entre o vencedor e o segundo classificado, entre o finalista vencedor e o finalista vencido. Hoje todos nos lembramos de que Eddy Merckx ou Jacques Anquetil como dois dos maiores ciclistas de todos os tempos, mas quase ninguém se lembra de Raymond Poulidor, também ele senhor de um palmarés impressionante, mas que ficou conhecido como o "eterno segundo", pois nunca venceu nenhum Tour de France, embora por diversas vezes tenha estado perto de o conseguir. Para se ser um vencedor é necessária uma mentalidade especial, uma certa arrogância e sobretudo uma enorme coragem e auto-confiança. E foi isso que o FCP deste ano teve em toda a sua carreira e em todas as provas (a final da Taça de Portugal com o Benfica foi um caso de grande azar e uma disparatada atitude de Jorge Costa). E é justo dizer-se que todo esse trabalho mental, que acabou por ser o que fez a diferença na final, com um índice de aproveitamento de oportunidades elevadíssimo (4 remates, 3 golos, salvo erro), se deve principalmente ao trabalho de José Mourinho. E esse mérito ninguém lho pode tirar. Trata-se de uma forma de estar na vida tão implacável, ambiciosa e vencedora, que nos deixou a todos perplexos. Não é vulgar ver gente assim em Portugal.
Tecnicamente, Mourinho é um bom treinador, embora não seja brilhante. A sua principal virtude acaba por ser a rapidez de detecção e emenda dos seus próprios erros. Aliás, isso foi bem evidente ao longo do percurso do FCP na Liga dos Campeões: contra o Manchester United Paulo Ferreira esteve sozinho contra dois adversários (Ryan Giggs e o defesa-esquerdo, cujo nome já não me recordo) até ao momento do golo de Scholes. Nessa altura Mourinho emendou a mão, o jogo equilibrou-se e bastou uma oportunidade para Costinha resolver tudo. Contra o Lyon, o erro foi o mesmo: Alenichev não defendia e o FCP passou meia hora de grande sufoco, com constantes idas à linha de fundo e cruzamentos perigosíssimos, que só a entrada de Pedro Emanuel resolveu, ao compensar no centro uma deslocação para ajuda aos flancos dos centrais Jorge Costa e Ricardo Carvalho. A própria forma como a final se resolveu foi interessante: com Deco e Maniche bem marcados e impedidos de lançar o ataque da equipa e o jogo num perigoso impasse, o lançamento de Alenichev em campo foi o factor decisivo, pois o FCP passou a ter um factor de desequilíbrio no meio-campo sem perder força defensiva.
Até nos seus primeiros tempos no Porto Mourinho soube emendar a mão: quem é que ainda se recorda que o guarda-redes em que Mourinho apostava inicialmente era Nuno e não Baía? Só que quando Baía começou a mover as suas habituais influências (as mesmas que agora fazem a vida negra a Ricardo e a Quim...) e o balneário começou a escapar ao seu controlo, o actual treinador do Chelsea não hesitou. E as coisas acalmaram. É que Baía é o único guarda-redes português com autorização para dar frangos sem ser criticado pela imprensa (veja-se a diferença entre as reacções aos monumentais perús de Baía contra o Gil Vicente e aos dois erros de Ricardo contra o Boavista...) e isso é um bem inestimável para qualquer equipa. Quando Baía regressou à titularidade, Mourinho ganhou o balneário.
Para concluir, resta assinalar o facto desta vitória ser um feito muito mais notável que o de 1987, fundamentalmente por dois motivos: porque em 87 a Taça dos Campeões era uma prova de eliminatórias em duas mãos e logo mais vulnerável ao factor sorte e porque a equipa de 87 tinha jogadores muito melhores que a de 2004. Se olharmos para o plantel de 87, verificamos que nele só 2 ou 4 jogadores da actualidade é que teriam lugar, para além do facto de actualmente o FCP não ter jogadores com a excepcional classe de Futre, Madjer ou Fernando Gomes.

Por tudo isto, e porque em Portugal não é habitual ver-se este tipo de mentalidade, o mérito desta vitória é principalmente de Mourinho. Dele e de mais ninguém. Por muito que isso custe a admitir a muita gente. Incluindo a mim próprio.

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