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segunda-feira, agosto 02, 2004

A Constituição Europeia

Esta é uma questão sobre a qual, confesso, sei mesmo muito pouco. Em Portugal não houve qualquer debate sobre esta matéria e pelos vistos também não haverá referendo. O nosso parlamento prepara-se para aprovar (ou será que já o fez?) pela calada um documento em que o nosso país abdica de pelo menos uma parte da sua soberania. Assim. Sem dizer nada a ninguém.
Nem sequer tenho opinião formada sobre esta matéria, embora me pareça que o processo que levou à redacção da Constituição Europeia seja bastante dicutível, sobretudo porque os parlamentos nacionais foram postos perante a escolha entre o texto proposto pela Comissão Europeia (?) e Jacques Delors ou o deserto. Ou seja, a velha teoria de "ou nós, ou o caos". Tudo isto me parece altamente questionável. Tão duvidoso que fere automaticamente de morte qualquer legitimidade que o voto dos deputados na Assembleia da República eventualmente pudesse trazer para este processo.
Na internet circulam várias petições sobre esta matéria. Aqui fica o texto da última que recebi:


>Petição para a fiscalização da constitucionalidade da última revisão
>constitucional
>
>
>
>
>1. É sabido que aquela que esteve para ser a mais minimalista e
>discreta
>revisão da nossa Constituição acabou por ser uma das mais significativas e,
>seguramente, a mais problemática de todas as que até agora se realizaram,
>quer no plano simbólico, quer no plano substancial.
>
> Referimo-nos, obviamente, às novas disposições aprovadas que
>autorizam a
>subordinação política da nossa ordem constitucional ao quadro jurídico da
>União Europeia, ressalvados os princípios fundamentais do Estado de Direito
>democrático.
>
> De forma simplificada mas efectiva, referimo-nos, pois, ao espantoso
>processo que veio permitir que, conquanto a União Europeia seja fiel aos
>princípios democráticos, as suas normas se imponham no nosso país apesar
>de, ou mesmo contra, a Constituição Portuguesa.
>
>Entendem os signatários deste documento que tal revisão constitucional,
>a
>aguardar ainda promulgação por parte do Senhor Presidente da República,
>constitui um acto de desvitalização política e de esterilização
>constitucional, que é politicamente incompreensível e juridicamente
>inconstitucional.
>
>2. É politicamente incompreensível por inúmeras razões.
>
>Desde logo pela forma como decorreu todo o processo. Não se discute a
>competência da Assembleia da República para empreender a revisão
>constitucional, mesmo quando se trate de uma revisão que, no limite, seja
>amputadora da soberania como esta foi. Porém, a própria Assembleia da
>República está constitucionalmente sujeita a regras para poder rever a
>Constituição, sendo nosso entendimento que tais regras não foram
>respeitadas.
>
>Também o facto de estar investida de poderes constitucionais não
>desobriga
>a Assembleia da necessidade de produzir um amplo debate político, sobretudo
>quando se trate, como é o caso, de matéria da maior relevância. Ora, é
>patente que esta revisão constitucional foi empreendida com cuidadoso
>silêncio e com preocupante ocultação de argumentos políticos, resultando
>num processo meio obscuro que consubstancia, apesar de tudo, um golpe
>violento na natureza do Estado.
>
>Deste modo, o processo de revisão não foi apenas incompreensível, foi
>também criticável do ponto de vista da ética e da transparência políticas.
>
>É também politicamente incompreensível porque se tratou de um acto
>totalmente imprudente. Ao admitir a secundarização do texto fundamental em
>face das normas comunitárias, o Estado português desarmou-se
>constitucionalmente perante o processo de integração europeia. Ora, até
>aqui, o processo de integração tem sido comumente entendido como de
>progressiva cooperação e, sobretudo mais recentemente, de gradual partilha
>de soberanias entre Estados, procurando obedecer a um princípio de
>equilíbrio e a um vector de intergovernamentalidade.
>
> Naturalmente, tal processo não tem sido indiscutível nem isento de
>espinhos. Porém, qualquer que seja o posicionamento que se tenha nesta
>matéria da construção europeia, e qualquer que seja o grau de identificação
>com o processo em curso, facilmente se concordará em que apenas se negoceia
>a partilha de soberanias quando existe de facto alguma reserva de
>soberania. O que aconteceu, no entanto, foi que, com esta revisão, tal
>reserva de soberania constitucional foi sacudida e baldeada como estorvo e
>inconveniente.
>
>O resultado, perverso, é que sem tal reserva de soberania não teremos,
>realmente, meio de prosseguir no processo de integração europeia com um
>mínimo de autonomia constitucional.
>
>Por outro lado, abdicar de qualquer salvaguarda política e jurídica da
>soberania nacional em face do processo de construção europeia é imprudente
>e intolerável, mesmo para aqueles que sustentam o projecto pleno de uma
>Europa federal. É que até estes têm defendido que a susceptibilidade de
>recuo é a arma das "soberanias" federadas, pelo que também eles foram
>traídos com a revisão operada.
>
>Vieram alguns explicar, a posteriori, querendo minimizar e
>desdramatizar o
>significado da revisão, que já hoje o acervo comunitário se impõe ao
>direito interno, pelo que as alterações constitucionais não trariam grande
>novidade. Mas, claro, a ser assim a revisão seria plenamente dispensável
>por inócua, o que não foi o caso. Além de que sempre sobra uma abissal
>diferença entre a supremacia do direito comunitário no domínio dos
>compromissos validamente assumidos no passado, à luz da Constituição
>Portuguesa, e a supremacia incondicionada do direito comunitário no domínio
>de todos os compromissos futuros - mesmo daqueles que Portugal não queira
>assumir.
>
>No entanto, o argumento que mais se insinuou, também apenas a
>posteriori,
>foi o de que haveria necessidade de garantir antecipadamente a
>constitucionalidade de uma futura e eventual constituição europeia, sob
>pena de exclusão do nosso país desse passo importante que se estaria
>novamente a desenhar apesar das expectativas frustradas da Convenção
>europeia. Mas, a ser assim, apenas se percebe melhor que não é possível,
>nem teórica nem pragmaticamente, fazer coexistir dois legados
>constitucionais autênticos no mesmo espaço e no mesmo tempo.
>
> Aqueles que cederam a tal preocupação foram vítimas de um excesso de
>zelo
>e mais não fizeram que inverter a hierarquia natural de prioridades,
>prometendo trocar, antecipada e voluntariamente, a actual Constituição
>Portuguesa por uma vaga promessa de constituição europeia.
>
>Os signatários deste documento discordam abertamente desta perspectiva,
>alertando para que ela assinala um marco novo no caminho da construção
>europeia, consumado na perspectiva de admitir o princípio de que a União
>pode, se for caso disso, fazer-se não com mas contra os Estados europeus.
>
>Reconhecendo, embora, como legítima a posição de todos quantos
>abertamente
>perfilham a ideia de criação de um tal Estado europeu, os signatários
>apresentam-se nos antípodas de tal posição política, não confundindo as
>patentes mudanças e transformações ao nível do paradigma dos Estados nação
>com a sua precipitada declaração de óbito, nem muito menos com uma qualquer
>declaração de guerra contra os actuais Estados.
>
>3. Por outro lado, e independentemente da questão política de fundo, é
>nossa convicção que a revisão da Constituição foi também juridicamente
>inconstitucional.
>
>A Constituição da República Portuguesa constitui a máxima expressão
>normativa da soberania do Estado Português. Isto significa que não existe
>nenhuma norma jurídica nacional ou internacional que seja superior aos seus
>princípios e regras fundamentais, já que, se tal viesse a suceder, a
>Constituição portuguesa deixaria de ser o título jurídico do poder político
>de um Estado independente, para passar a ser o estatuto de uma entidade
>meramente autónoma.
>
>O artigo 288º da Constituição impõe que qualquer lei de revisão
>constitucional deva respeitar, sob pena de inconstitucionalidade material,
>um conjunto de princípios e regras fundamentais que integram a identidade
>constitucional.
>
>E, à cabeça desses princípios intangíveis surgem, na alínea a) do
>referido
>artigo, os princípios da "independência nacional " e da "unidade do
>Estado", encontrando-se o primeiro consagrado explicitamente no artigo 1º
>da Constituição quando enuncia que "Portugal é uma República soberana
>(...)" e no nº 1 do artigo 3º , o qual reza que "A soberania, una e
>indivisível, reside no povo (...)".
>
>Deve ainda considerar-se:
>
>Que a Lei que aprovou a sexta revisão constitucional introduziu um novo
>nº
>4 no artigo 8º da Constituição, o qual passou a prever que os tratados que
>regem a União Europeia, bem como as normas comunitárias derivadas, se
>aplicam na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União,
>devendo apenas respeitar os "princípios fundamentais do Estado de direito
>democrático";
>
>Que o referido nº 4 do artigo 8º permite a interpretação segundo a qual
>uma
>directiva ou um simples regulamento da União podem prevalecer sobre
>qualquer norma da Constituição Portuguesa, com excepção das que consagram
>os sobreditos "princípios fundamentais do Estado de direito democrático";
>
>Que a expressão "princípios fundamentais do Estado de direito
>democrático"
>não é textualmente equivalente à de "princípios básicos e estruturantes do
>Estado" que diversos Tribunais Constitucionais, como o alemão e o italiano,
>têm avançado como limites constitucionais soberanos, inderrogáveis pelo
>direito comunitário;
>
>Que a noção de "princípios fundamentais do Estado de direito
>democrático"
>não abrange, necessariamente, o princípio da independência nacional na
>organização do poder político, dado que o seu objecto é composto pelos
>princípios do respeito pelos direitos liberdades e garantias dos cidadãos,
>sufrágio universal, separação e interdependência de poderes, independência
>dos tribunais e segurança jurídica, valores que nunca poderiam ser
>desrespeitados pelas normas da União Europeia;
>
>Que a ser esse o significado dado à expressão "Estado de direito
>democrático", semelhante limite aos tratados e às normas comunitárias
>constituiria uma fórmula inútil, senão redundante, permitindo que qualquer
>norma do direito comunitário se superiorizasse sobre as disposições da
>nossa Constituição que enunciam e protegem o núcleo da soberania interna e
>externa do Estado português;
>
>Que o nº 6 do artigo 7º, introduzido pela mesma revisão, concede ao
>poder
>político português um "cheque em branco" para transferir para a União
>Europeia componentes fundamentais da unidade e indivisibilidade da
>soberania, que se encontram consagradas no nº 1 do artigo 3º da
>Constituição, permitindo que o núcleo dessa mesma soberania composta pela
>política externa, de segurança e de defesa, possa transitar, sem qualquer
>limite, para a União Europeia;
>
>Que o nº 6 do artigo 7º e o nº 4 do artigo 8º, introduzidos na sexta
>revisão da Constituição, violam o limite material expresso na alínea a) do
>artigo 288º da Constituição, dado que permitem que o princípio da
>independência nacional ou da soberania do Estado venha a ser violado e
>esvaziado por normas não constitucionais, como as de direito comunitário,
>de forma a transformar uma República soberana num estado federado ou numa
>região autónoma;
>
>Que os referidos preceitos são normas "constitucionais
>inconstitucionais",
>porque violam a primeira disposição dos limites materiais à revisão
>constitucional expressos na alínea a) do artigo 288º - já que pressupõem
>que uma lei de revisão constitucional possa impor um "duplo processo de
>revisão", alterando a identidade fundamental e soberana da Constituição, o
>que é proibido pela Lei Fundamental - e também porque instituem um processo
>ad libitum de revisão constitucional supranacional, sem intervenção da
>Assembleia da República, e em total desrespeito pelos limites temporais, de
>iniciativa, de aprovação e de promulgação estabelecidos no Título II da
>Parte IV da Constituição;
>
>Que a Lei de revisão constitucional de 2004, procurando fragmentar e
>esvaziar o princípio da soberania da República Portuguesa no seu núcleo
>fundamental, através de normas não constitucionais, nem sequer procura
>previamente eliminar a alínea a) do artigo 288º da Constituição, podendo
>incorrer em "fraude à Constituição", já que procura simuladamente, alterar
>a identidade da Lei Fundamental à margem dos limites que a mesma impõe;
>
>Que a Lei que aprova a sexta revisão constitucional, na parte que se
>refere
>aos artigos 7º e 8º, não é uma genuína Lei de revisão, mas um expediente
>normativo criador de uma transição constitucional que, depreciando a
>identidade fundamental da Constituição de 1976, altera a natureza soberana
>do Estado português e abre caminho a que o mesmo perca os seus atributos
>mínimos de independência, sem que sequer o povo, titular da soberania, o
>autorize.
>
>Por todo o exposto, vêm os signatários requerer que o Presidente da
>República, o Procurador Geral da República e o Provedor de Justiça suscitem
>respectivamente, ao abrigo das alíneas a), d) e e) do nº 2 do artigo 281º
>da Constituição, a fiscalização abstracta sucessiva do nº 6 do art.º 7º e
>do nº 4 do art.º 8º da Lei de Revisão Constitucional aprovada em 2004.

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