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quarta-feira, outubro 27, 2004

Rocco Buttiglione

Como não sou nem homossexual, nem mulher, penso que reúno as condições de distanciamento indispensáveis para fazer uma análise crítica a este problema, que na minha opinião pode ser visto sob várias perspectivas:

1. As declarações de Rocco

Não há qualquer tipo de desculpa. A União Europeia está-se a tentar construir precisamente sobre os valores de tolerância e modernidade que Rocco ataca. Dizer que a homossexualidade é um pecado é uma manifestação de intolerância. E por muitas voltas que se dêem, este facto existe: a frase foi dita e está gravada e filmada. Dizer que o lugar das mulheres é em casa e que a família existe para que os maridos as protejam é outra barbaridade, pois é passar automaticamente aos homens um atestado de superioridade e maior competência que nós infelizmente não temos. Foram dois ataques gratuitos e completamente despropositados. Teria sido perfeitamente possível a Buttiglione ficar calado ou refugiar-se num "não comento essas matérias". Mas não. Ele quis brilhar e chocar as audiências. E, há que dizê-lo, conseguiu-o.
O primeiro argumento dos defensores do italiano é dizer que ele foi "obrigado" pelos jornalistas a dizer aquelas bojardas, pois nenhum dos outros comissários foi bombardeado com este tipo de perguntas. Ora, este argumento é falso, pois basta olhar para Rocco para perceber que ele não nasceu ontem e já anda nisto há muitos anos. Ou seja, Rocco tem todo um percurso pessoal e político de radicalismo e intolerância (vejam o post anterior e respectivos links). E foi precisamente por isso que os jornalistas o escolheram para o interrogatório.
Outro dos argumentos pró-Rocco é o de que esta é uma questão de convicções religiosas e portanto estritamente pessoal. Este argumento rebate-se em duas partes: em primeiro lugar, a própria igreja católica não passa a vida a agitar aos quatro ventos as bandeiras da homofobia e do machismo, sendo que esta é uma questão que se pode considerar perfeitamente ultrapassada na actualidade, mesmo nos países mais católicos como Itália, Espanha ou Polónia. Em relação ao facto de se tratar de algo do foro íntimo e que não afecta o desempenho político do ex-futuro comissário, o argumento é ainda mais frágil: todos sabemos que não existem seres humanos assépticos e que um pelouro como a justiça está intimamente relacionado com as convicções pessoais dos que nele actuam. Ou seja, Rocco estava indicado precisamente para o local onde poderia causar mais problemas!

2. A actuação de José Manuel Barroso

Escrevo José Manuel Barroso de propósito, pois o Durão Barroso que nos dois últimos anos segurou um governo em que também participava o PP e que se viu forçado a tomar medidas corajosas e impopulares (independentemente de estarem ou não correctas) ao lado de ministros como Celeste Cardona ou Luís Filipe Pereira, nunca seria tão pouco hábil a gerir este processo. De facto, Barroso por momentos pensou que ainda estava em Portugal e que o Parlamento Europeu poderia aceitar um "nim" a Buttiglione (mudá-lo de pasta, limitar a sua acção, criar uma comissão de acompanhamento, etc.). Essa seria uma resposta que até poderia colar no contexto da realidade política nacional. Mas na Europa um acto desses é considerado o mesmo que nada. E perante Buttiglione, fazer "nada" é inaceitável.
No entanto, penso que devemos ser justos: Barroso não escolheu Rocco - foi Berlusconi quem o indicou. O erro de Barroso foi confiar no segundo chefe de estado mais ridículo da UE!

Ainda bem que não houve votação, pois Durão (eu acredito que este é o seu verdadeiro nome) iria sair deste processo ainda mais fragilizado.
No entanto, utilizando o enormíssimo poder de influencia que o Estarreja Efervescente actualmente possui (já há quem diga que é o herdeiro natural dos comentários do Prof. Marcelo), aqui fica a minha maldição: se Rocco não sair, espero bem que o PE chumbe a lista de comissários! Porque eu não quero ser governado pelo representante terrestre de S. Josemaria Escrivá de Balaguer!

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