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quinta-feira, novembro 04, 2004

As quatro razões dos americanos

Como é fácil de perceber pela leitura de alguns dos posts mais antigos do Estarreja Efervescente (como por exemplo o anterior...), fiquei bastante desiludido com o resultado das eleições americanas. Aliás, não sou o único europeu a reagir desta forma. Antes pelo contrário. No entanto, penso que neste momento há que tentar perceber o que aconteceu. E na minha opinião há quatro razões fundamentais que justificam esta aparentemente tão irracional votação:
1 - O medo do terrorismo. A estratégia republicana de apresentar Bush como o candidato mais forte e credível para enfrentar a ameça terrorista resultou em pleno. A campanha de Bush manipulou o medo com uma mestria notável e estou sinceramente convencido que este foi o factor decisivo. Sem o medo, Bush nunca teria ganho;
2 - O orgulho americano. Nos últimos tempos os EUA foram duplamente atacados: pelos terroristas, no 11 de Setembro, e pela comunidade internacional, com a condenação quase unânime da invasão do Iraque. E quando um país é atacado, independentemente de se achar que os motivos até poderão ser válidos (como no caso das mentiras em torno da invasão do Iraque), a tendência do povo desse país é defender-se. E quando alguém se defende, usa as suas melhores armas. E entre o florzinha Kerry e o bruto Bush, a escolha foi natural para os americanos. Para além disso, a América também pretendeu dizer ao mundo que "aqui mandamos nós" e num momento em que todo a comunidade internacional exigia a substituição de Bush, a maior parte dos americanos não quis dar o braço a torcer, porque isso seria um sinal de fraqueza. E a maior potência mundial não pode dar sinais de debilidade;
3 - A repulsa pela intelectualidade representada por Kerry. Não é por acaso que a maioria dos votos de Bush são provenientes de zonas rurais, em que as mentalidades continuam a ter muito a ver com a imagem do americano que tem as suas próprias armas para defender as terras e a família. Para além disso, os EUA serem uma terra em que o espírito de conquista está ainda muito presente (apesar da falta de índios, ou "native americans", como agora lhes chamam...). E entre o cowboy do Texas que fala a linguagem simples das classes mais baixas e o intelectual de Boston que despeja dezenas de medidas em série, todas justificadas com complexos raciocínios e dissertações ideológicas, a América mais simples e menos culta escolheu, naturalmente, o primeiro. A América das universidades, das artes e dos espectáculos foi vencida pela América mais crua, que vive afastada do glamour dos grandes centros urbanos, o que até era previsível, pois em termos populacionais estes são em muito maior número que aqueles;
4 - A falta de força de Kerry. Por muito que o tentasse disfarçar (e tentou-o várias vezes), Kerry é um pacifista. No mais profundo sentido da palavra. E este facto, juntamente com a já referida divisão entre os intelectuais e os mais simples, fragilizou a imagem de Kerry, que na parte final da campanha ainda teve uma tentativa vã de criar artificialmente chavões que pudessem tornar a sua mensagem mais "light". No entanto, estas inversões contra-natura apenas lhe trouxeram uma imagem de incoerência e muito poucos votos da parte do eleitorado que lhe escapava.

Depois de feita esta análise, a derrota de Kerry até parece natural. E nem sequer percebo porque é que tive esperanças. Ou melhor, até percebo: é que se o preço a pagar para ganhar umas eleições é ter que ser igual a Bush, então mais vale perdê-las e ser como Kerry. Há ideais que não têm preço e na política não pode valer tudo. E mais vale perder a lutar pelo que está certo do que ganhar à custa duma postura como a de Bush.
De qualquer modo, penso que estas eleições foram um importante avanço para a América, que na verdade nunca deixou de ter esta divisão. Pela primeira vez estes dois lados da sociedade americana extremaram as respectivas posições e enfrentaram-se. E, muito sinceramente, eu até acho que nestas condições Kerry perdeu por poucos. Talvez o próximo já possa ganhar...

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