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segunda-feira, novembro 22, 2004

Texto da minha crónica pentasemanal (será que é esta a palavra para "de 5 em 5 semanas"?) na RVR:

Os Dias do Fim

Se compararmos as dificuldades com que o governo foi defrontado nesta última semana com as verificadas em períodos anteriores, até poderemos pensar que as coisas nem correram mal de todo, sobretudo tendo em conta de quem é que estamos a falar. De facto, ao contrário dos tempos em que broncas como a do "barco do aborto", a dança de Secretários de Estado entre ministérios completamente diferentes ou a demissão de Marcelo se arrastavam penosamente no tempo e nos telejornais, a verdade é que os últimos sete dias até foram relativamente pacíficos. No entanto, na minha opinião estes dias foram injustamente calmos. Aliás, penso que neste momento estamos a assistir a dois fenómenos curiosos, que decorrem mais ou menos em simultâneo:
- Por um lado a imprensa está com a sensação que se corre o risco de vitimizar Santana, transformando-o num combatente contra fortes adversidades, sozinho a lutar contra o monstro que é a comunicação social, uma espécie de Dom Quixote com objectivos, um rebelde com causa. Depois da vitória de Bush nos EUA, cuja campanha foi inteligentemente manipulada pelo aparelho republicano de modo a apresentar o presidente como um combatente idealista disposto a enfrentar o resto do mundo só para defender o seu povo da ameaça terrorista, a campainha soou nas redacções nacionais e os jornalistas passaram a ter necessidade de poupar artificialmente Santana e os seus pares. Não que a cadência de disparates tenha diminuído, mas apenas porque há o risco das críticas de tornarem contraproducentes, como no caso americano;
- Por outro lado, e paralelamente a esta complacência dos media, está-se a observar algo do mesmo género na oposição: Sócrates parece mais ocupado com questões de organização interna e apenas surge a espaços no combate político - é nítido o empenho em não deixar desgastar a sua imagem, embora este propósito seja conseguido à custa duma abertura de espaço para o governo que se poderá revelar fatal se não for adequadamente enfrentada. Parece haver no PS a convicção de que o governo se enterra sozinho e portanto mais vale guardar energias para mais perto das eleições. Por seu turno, o PCP está novamente a atravessar uma crise interna e neste momento as suas preocupações têm mais a ver com a necessidade de calar os renovadores do que propriamente de fazer oposição de forma eficaz. E o Bloco de Esquerda está a viver as previsíveis consequências da sua estratégia política habitual: a sobre-exposição mediática dos seus elementos, o radicalismo das intervenções e a focalização política em assuntos marginais e mediáticos fizeram com que a credibilidade dos seus representantes fosse irremediavelmente abalada. Hoje em dia já ninguém liga ao que diz Louçã, por muito bem feita que seja a sua intervenção.
Neste cenário de aparente oportunidade de recuperação, o PSD acabou estranhamente por se afundar ainda mais, transformando a semana passada na primeira semana do fim do mandato de Santana, no partido e no poder.
De facto, tudo começou com um congresso do PSD ao qual quase todas as figuras mais importantes do partido faltaram, com a notável excepção de Marques Mendes, que mais uma vez teve coragem suficiente para se sacrificar pelo partido e assumir frontalmente as suas discordâncias. Neste vazio de poder e peso institucional, foi nítida a confirmação daquilo que há muito se percebia pela actuação do governo: a ascensão de Nuno Morais Sarmento, e o seu posicionamento estratégico para suceder a Santana Lopes, que provavelmente quando perceber que vai deixar de ser primeiro-ministro, fará o que sempre fez ao longo da sua vida pública: desistirá a meio do seu mandato, desta vez do cargo de presidente do PSD.
Morais Sarmento, promovido a figura de proa do PSD, é tudo menos alguém com perfil para ser líder daquele que dentro de 2 anos será o maior partido da oposição: para além dos irritantes defeitos de dicção, o mais preocupante em Sarmento é a sua visão absolutamente instrumentalizadora do aparelho de estado. De facto, Sarmento foi o político que propôs de uma forma desabrida a manipulação dos serviços públicos de comunicação social por parte do governo como algo de perfeitamente legítimo, que defende sistematicamente as inaceitáveis pressões que o governo tem exercido em tudo quanto é jornal, televisão ou rádio e por fim, Sarmento era o rosto visível da recém abortada central de comunicação do governo, um dos projectos mais ilegítimos, totalitaristas e manipuladores da história democrática de Portugal. Jorge Sampaio vetou ontem a proposta de criação de uma central de marketing privativa do governo, que teria um orçamento de 400 mil contos anuais pagos com o dinheiro dos nossos impostos e cuja função seria apenas a de intoxicar o país com propaganda pró-governamental, para além de dar emprego a mais 30 assessores. Esta proposta recorda tudo o que os regimes totalitaristas fizeram de pior e iria criar uma assimetria de intervenção pública entre o governo e a oposição favorável ao primeiro e conseguida à custa do financiamento dos contribuintes. Era intolerável que Jorge Sampaio não a vetasse e é incompreensível a aparente indiferença da oposição neste caso.Para terminar, a Alta Autoridade para a Comunicação Social considerou esta semana que o governo pressionou a TVI de forma ilegítima. O ministro envolvido, o anónimo Gomes da Silva, decidiu anonimamente que não se demitia... e Morais Sarmento, no seu melhor, isto é, no seu pior, disse que a Alta Autoridade não tem qualquer credibilidade e iria ser substituída por outra entidade a criar ainda neste mandato... nada mau para uma semana que até nem foi das piores para o governo... e nem sequer precisei de falar do orçamento fantoche que foi aprovado há dois ou três dias!

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