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sexta-feira, janeiro 21, 2005

Finalmente tenho algum tempo para continuar o penúltimo post.

O Pior de Sempre – Parte II

A política do medicamento é outro dos símbolos do fracasso de Luís Filipe Pereira enquanto ministro da saúde, por vários motivos:
- A lei dos genéricos, que já existia nos mesmos termos há alguns anos, passou finalmente a ser aplicada na prática. No entanto, LFP conseguiu transformar aquilo que aparentemente seria uma boa notícia em mais um autêntico case-study: Portugal passou de uma situação em que a quota de mercado dos genéricos era inferior a 1% para o momento actual, em que o valor parece tender para estabilizar entre os 8 e 9%. Embora se ainda esteja longe dos quase 50% da Alemanha e de alguns países nórdicos, estamos já bastante afastados dos 3% da Grécia ou Itália. No entanto, enquanto em todo o mundo o crescimento do mercado de genéricos é sinónimo de poupança para o sistema de saúde, em Portugal LFP conseguiu a quadratura do círculo: as despesas com medicamentos subiram cerca de 11% de 2003 para 2004, um dos maiores aumentos de sempre!!! O aumento da despesa com medicamentos, que todos os anos era de 3 a 4%, passou a ser de 11% com a entrada dos genéricos no mercado!!! Razões para isto? Todos os que actuam neste sector as conhecem... mas terá que ser o ministério a explicá-las! Uma pista: os laboratórios farmacêuticos são uma indústria muito mais poderosa, organizada e inteligente que qualquer ministro da saúde... e naturalmente souberam preparar-se contra as adversidades que poderiam surgir, embora desta vez tenham tido algum excesso de zelo ou falta de confiança nas suas próprias capacidades...
- Ainda sobre os genéricos, Portugal e o ministro LFP passaram a ser conhecidos pela originalíssima invenção dos "genéricos de marca". Para quem não está habituado a esta terminologia, dizer "genérico de marca" é mais ou menos o mesmo que falar em negros de pele branca ou em café descafeinado com cafeína, ou seja, é uma completa contradição! Um medicamento só pode ter o estatuto de "genérico" depois de se sujeitar a uma série de testes realizados pelo infarmed (instituto tutelado pelo ministério da saúde), segundo critérios internacionalmente definidos, em que os candidatos a genérico são comparados com os medicamentos originais cuja patente já expirou. Ou seja, depois de se provar a sua equivalência segundo os tais critérios, o ministério da saúde certifica que todos os medicamentos nestas condições são considerados terapeuticamente iguais. O que automaticamente tem por consequência que não há diferenças consideradas significativas entre os medicamentos produzidos pelos diversos laboratórios farmacêuticos. Ou seja, é absurdo que medicamentos genéricos sejam distinguidos em função do laboratório que os fabrica. No entanto, em Portugal assiste-se por vezes ao absurdo das farmácias serem obrigadas a ter em stock mais de 15 apresentações diferentes para o mesmo princípio activo, na mesma dose! E se por acaso uma dessas apresentações estiver esgotada porque o seu fabricante entrou em rotura de stocks (o que acontece quase diariamente com vários medicamentos...), se os médicos não autorizarem que se dispense o mesmo medicamento fabricado por outro laboratório, as farmácias não podem dispensar qualquer medicamento aos doentes, que desse modo serão obrigados a voltar ao hospital, centro de saúde ou consultório, onde já haviam passado algumas horas... mesmo que nas prateleiras da farmácia existam mais de 50 caixas de medicamentos que o ministério da saúde diz serem bioequivalentes ao prescrito!!! Esta originalidade de LFP é ainda mais grave se nos lembrarmos que nem todos os medicamentos genéricos têm preços iguais, mesmo que tenham o mesmo princípio activo, na mesma dose e número de comprimidos...
- Outra das graves consequências da desastrosa política do medicamento do actual governo é a forma como foi implementado o sistema de preços de referência. Embora teoricamente este seja um processo justo, a verdade é que a sua aplicação prática teve por consequência um enormíssimo aumento das despesas dos cidadãos com medicamentos, sendo esse acréscimo bastante inferior ao que o estado poupou nos mesmos grupos terapêuticos... para quem ficou a diferença? Tentem adivinhar! Para além disso, com o actual sistema há vários casos de medicamentos que chegam a ter que ser vendidos a 3 preços diferentes num espaço de 10 dias, o que provoca situações de completo caos nas farmácias e na própria contabilidade das famílias!
- Para terminar a parte do medicamento, há que falar no actual descalabro das contas do SNS. Nos dois últimos anos, LFP tem recorrido a fundos do Tesouro para pagar as dívidas às farmácias, sendo que depois tem que ir à banca para pagar o empréstimo ao Tesouro, num processo de bola de neve em que o acumular de juros e de maquilhagens orçamentais para Bruxelas ver faz com que dívida total seja cada vez maior e cresça a um ritmo absolutamente assustador e assumidamente insustentável!

Por tudo isto, resta apenas dizer que felizmente que LFP vai deixar brevemente de ser ministro da saúde. Há ainda vários outros temas que poderiam ser abordados (como por exemplo o caso das parcerias público-privado para a construção dos novos hospitais), mas os sinais da catástrofe no sector são por demais evidentes. O SNS está de rastos e vão ser necessários alguns anos para recuperar os estragos deixados pela actual legislatura. Só a muito custo será possível manter o modelo de Beveridge, com um sistema de saúde universal e tendencialmente gratuito. Começa a existir na população um sentimento crescente de vontade de mudança, que advém principalmente da degradação a que os enormes fracassos dos últimos ministros da saúde (exceptuando Correia de Campos, que não teve tempo nem para o mal, nem para o bem) conduziram o país. Estão definitivamente abertas as portas aos privados e o sistema de saúde português é claramente um sector-alvo para os grandes grupos económicos, que aliás não perderam tempo e estão a investir fortemente.
Será que LFP afinal não falhou em nada do que fez e todas estas políticas foram deliberadas?
Independentemente de tudo isto, um título ninguém lhe tira: Luís Filipe Pereira vai ficar para a história como o pior ministro da saúde de sempre. Pelo menos na óptica dos doentes...

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