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terça-feira, julho 26, 2005

Mais um artigo de Paulo Mendo (Médico, ex-Ministro da Saúde PSD) no Primeiro de Janeiro (o original pode ser lido aqui) sobre a luta de Correia de Campos contra as farmácias:

Medicamentos mais uma vez
Paulo Mendo*

Confesso que me custa a perceber o interesse prioritário que o Ministro da Saúde põe na reformulação dos regulamentos sobre farmácias e medicamentos.Em relação às farmácias já em várias ocasiões tive oportunidade de dizer que não me parece boa estratégia a modificação de um sistema que funciona bem, com qualidade e satisfação geral do consumidor. Ainda por cima quando esta estranha prioridade se baseia em algumas premissas que são falsas e nada mais são do que mitos ideológicos.Uma delas, talvez a mais badalada e de aceitação quase universal, é a da necessidade de acabar com o monopólio dos farmacêuticos na propriedade das farmácias.Ainda há pouco, na secção Opinião da revista da Ordem dos Médicos ( nº 58 de Junho de 2005), o Dr. Martins do Vale referia que a propriedade das farmácias constitui um monopólio corporativo e que “nada justifica cientificamente a posse exclusiva das farmácias pelos farmacêuticos”.O que é verdade.È realmente um monopólio como o é o exercício da Medicina, ou a construção de pontes E, realmente, nada justifica cientificamente tal facto, porque não estamos numa disciplina científica.Mas, não é o ser monopólio, ou não ter justificação científica, que destrói a bondade da propriedade de uma farmácia por um farmacêutico.Vejamos o assunto á luz do seu interesse social.Temos actualmente cerca de duas mil farmácias , pertencentes a outros tantos profissionais, o que equivale a dizer que as farmácias constituem um universo de duas mil pequenas empresas de índole familiar em que a responsabilidade técnica e empresarial pertence à mesma pessoa.Liberalizemos a propriedade e, seguramente, teremos dentro em pouco, em Portugal, o mesmo panorama que existe actualmente nos países onde a liberalização foi incrementada: redes de farmácias pertencentes a um grupo económico que comprou estas empresas familiares e desviou os lucros repartidos por milhares de famílias, para uma única, ou poucas, grandes empresas internacionais.É isso que queremos?Será isto vantajoso para o utente, para o profissional, para a economia do país, para a qualidade do serviço?Será que o monopólio da classe profissional respectiva é pior que o monopólio do mercado por uma multinacional, quando nada mostra que isso seja vantajoso para o cidadão? Este assunto não pode ser visto como uma luta entre a livre iniciativa e um oligopólio, mas sim como a escolha entre um monopólio profissional representado por dois milhares de pequenas empresas (PME) e um oligopólio de meia dúzia de grandes empresas internacionais.Decididamente escolho o monopólio profissional porque da segunda escolha não resultará nenhuma vantagem para o cidadão, para o país ou para a qualidade de um mercado social.Mas não é só esta simpática “aspiração de liberdade” que é perigosa , também a política de preços me parece poder comprometer o futuro em nome de princípios aparentemente cheios de bondade e bom senso.É evidente que é bom para o cidadão que os preços dos medicamentos sejam o mais baixos possível, mas a imposição administrativa de preços inferiores aos dos países que constituem actualmente a nossa referência, poderá ter como consequência a estagnação da nossa indústria farmacêutica e o afastamento dos grandes laboratórios inovadores, desinteressados do mercado nacional face ao seu pequeno tamanho e baixos preços exigidos.Será que já se pensou que 50% dos fármacos usados actualmente não existiam há dez anos e que dada a revolução tecnológica em marcha, cada vez há mais moléculas novas a chegarem ao mercado e a serem utilizadas porque mais eficazes e com menos acções colaterais?Ainda há dias uma notícia do Público ( 16 de Julho de 2005) referia que a culpa do aumento de 9% na despesa com medicamentos de 2003 para 2004 se devia sobretudo à prescrição médica de remédios acabados de sair no mercado.Fenómeno evidentemente imparável e não é pelo facto de nem todos estes medicamentos constituírem uma vantagem sobre medicamentos mais antigos que vão deixar de ser receitados, empurrando para o esquecimento os mais antigos e seus genéricos.Pensar o contrário e pretender racionalizar “cientificamente” a prescrição é desconhecer o que é a clínica, a relação médico-doente e o poder da informação junto do público e do doente interessado. Basear a política do medicamento numa luta ideológica contra as farmácias e na redução administrativa dos preços dos medicamentos terá apenas como resultado uma perturbação indesejada e nociva no actual eficaz sistema da sua distribuição e venda e o estrangulamento da nossa indústria farmacêutica ironicamente considerada prioritária e que, já atingida por uma política em avalanche de genéricos, se vê agora reduzida à penúria e impossibilitada de inovar e investigar.E entretanto pouco ou nada do que seria urgente incrementar como política do sector está a ser feito.Refiro-me ao fim do iníquo sistema de comparticipações aos medicamentos que beneficia cegamente ricos e pobres e que é urgente transformar em subsídios aos doentes necessitados de ajuda, e à introdução da venda por unidose, única forma de tornar racional a dispensa de medicamentos e de responsabilizar médicos e farmacêuticos no racional consumo de fármacos no nosso país. Mas parece que politicamente dá mais lucro obrigar os preços a baixar e satisfazer quem não gosta de monopólios legítimos e que funcionam bem, nem que isso signifique num futuro próximo o pagamento destes erros com língua de palmo!
*Médico, ex-ministro da SaúdeEscreve no JANEIRO, semanalmente, à quinta-feira

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