domingo, setembro 18, 2005
A Última Assembleia Municipal
Começou ontem de manhã a última AM. Continua na segunda-feira, embora seja provável que os pontos agendados em discussão a façam terminar apenas ao terceiro dia.
O tom de despedida fez com que a reunião fosse pacífica, embora fosse evidente um certo ar de desilusão em alguns dos discursos. No entanto, penso que não há razões para isso. Como disseram (e muito bem) José Artur Pinho e Carlos Tavares, por um lado "a vida é muito mais do que isto" (JAP) e por outro o trabalho produzido nesta legislatura foi "bastante válido" e a discussão "saudável" (CT, não exactamente por estas palavras).
Ao contrário do que outros também disseram, não acho que a existência de discussões prolongadas que não levam a lado nenhum deva ser motivo de desistência. Afinal, todos os deputados foram eleitos para discutir e analisar os temas e a seca que acabamos por apanhar em algumas situações deve ser vista como o preço a pagar para se ter a garantia de que os temas mais importantes sejam também eles alvo de profunda reflexão e troca de ideias. A AM não é um órgão executivo e o seu papel é essencialmente o de reflectir sobre as ideias de quem dirige a Câmara, apresentando soluções e sobretudo a versão dos cidadãos sobre os acontecimentos em análise. Neste sentido, embora seja óbvia a necessidade de estimular o lado prático das questões, penso que se atingiu um equilíbrio aceitável durante o último mandato.
Nesta última sessão fiz a intervenção que abaixo se reproduz (em letras azuis), à qual José Eduardo de Matos deu uma resposta muito boa (não estou a ser irónico): reagindo com bom humor e reduzindo-me a uma condição algures entre "teórico da batata" e "treinador de bancada" (o que é verdade, pois o que se faz nos blogues, jornais, rádios e televisões é exactamente isso...), JEM conseguiu ultrapassar uma questão em que obviamente partia em desvantagem (pois a razão está claramente do lado dos críticos), despolarizando o problema em análise (centrando a sua resposta na necessidade de resolver os grandes problemas práticos do concelho) e relevando os aspectos menores (os portões são naturalmente um aspecto menor, quando comparados com os problemas de trânsito que existiam naquela zona). Sinceramente, gostei. A resposta apenas teve duas falhas: por um lado JEM passou ao lado da incómoda questão dos erros ortográficos e por outro a revelação de que está em preparação a repetição do "modelo portão" para a entrada norte do concelho de Estarreja (pelo que percebi, há mais portões como os actuais e mais rotundas com problemas de falta de conteúdo)...!
Cá fica o texto da minha intervenção:
O primeiro dos assuntos que me fizeram vir aqui falar hoje é o caso da nova rotunda do hospital. Trata-se de uma obra cuja construção é consensual, que naturalmente agrada a todos e que veio trazer inegáveis benefícios a todos quantos se têm que deslocar ao Hospital Visconde de Salreu. O actual executivo camarário tem obviamente que ser saudado pela sua construção.
No entanto, e como pelos vistos com a equipa autárquica que actualmente comanda os destinos do nosso concelho não parece haver bela sem senão, a esta obra de grande utilidade para o município foi acrescentado um horrível e desnecessário apêndice que quase ofusca o mérito da empreitada em questão.
Estou obviamente a falar da deslocalização dos velhos portões do hospital para cima de um dos passeios que ladeia a rotunda e da inenarrável placa que alguém se lembrou de colocar ao lado dos mesmos.
Costuma-se dizer que “gostos não se discutem”, mas sinceramente eu não concordo. Aliás, penso precisamente o contrário: se há coisas que se discutem, são precisamente os gostos, sobretudo quando se fala de bens comuns e situações tão simbólicas como uma das principais entradas rodoviárias na sede do concelho.
Embora o Dr. José Eduardo de Matos tenha sido eleito Presidente da Câmara em Dezembro de 2001 e por isso o seu gosto tenha legitimidade política para prevalecer sobre o gosto dos outros, a verdade é que no mesmo dia eu também fui eleito deputado municipal e como tal tenho a obrigação de manifestar publicamente os meus gostos, ou desgostos, como é aliás o caso.
O argumento de que os portões são antigos, bonitos e foram recuperados pode até ser aceitável, mas não justifica a criação forçada de um monumento num local onde este nunca existiu.
Se se considerar que os ditos portões são merecedores de cuidados e atenção especiais e a sua permanência no local de origem for, por alguma razão, considerada impossível, dever-se-ia pensar em soluções alternativas para a sua nova localização, tendo em conta a história e utilização do equipamento em causa e não em inventar novas funções e utilidades para o mesmo.
Os portões do hospital sempre guardaram a entrada do hospital. Foi para isso que foram construídos e foi isso que fizeram até à chegada do Dr. José Eduardo de Matos. Nunca serviram de portas da cidade ou fizeram parte de alguma antiga muralha, como agora se quer fazer parecer. A história não pode, nem deve ser reescrita. Se a cidade de Estarreja nunca teve portas ou muros, não deve passar a tê-los agora e sobretudo não deve ter simulações de monumentos que nunca existiram.
É por isto que é profundamente ridícula e de um mau gosto atroz a transferência dos antigos portões do hospital para o local onde actualmente se encontram.
A segunda parte do problema tem a ver com a placa colocada ao lado dos portões. A mensagem começa por ser confrangedora: uma cidade que se preze não precisa de se gabar do seu novo estatuto aos visitantes. Quem entra numa cidade com classe não tem a mínima dúvida do tipo de local em que está. Estarreja é cidade não porque tem uma placa que o afirma, mas porque tem qualidades e níveis de desenvolvimento compatíveis com os de uma cidade. E essas características sentem-se sem ser preciso que alguém as recorde.
Por outro lado, a placa refere o ano de 2005 sem que se perceba muito bem porquê: a Câmara Municipal aprovou a elevação de Estarreja a cidade em 2001 e a Assembleia Municipal de Estarreja e a Assembleia da República fizeram o mesmo em 2004. Porquê a referência a 2005?
Obviamente que o maior problema de toda esta questão é o desastroso conteúdo ortográfico da tal placa. Inicialmente, em seis palavras existiam dois erros ortográficos. Ao fim de algumas semanas alguém se lembrou de corrigir apenas um dos erros, ficando o outro à vista de todos quantos passavam naquele local até hoje. Nem mesmo os preparativos para a insólita inauguração da rotunda serviram de pretexto para que se emendassem as gralhas da placa.
Ora, tudo isto é grave. Não só pela triste imagem que se passa do concelho e pelo mau exemplo para as crianças em idade escolar, mas sobretudo pelas falhas operacionais que a falta de hífenes e acentos deixa perceber.
É evidente que o Presidente da Câmara de Estarreja não é analfabeto e que nos serviços camarários há pessoas que sabem escrever muitíssimo bem. Obviamente que não é isso que está em causa. A verdade é que este não é um erro isolado: todos vimos o que se passou com a proposta de elevação de Estarreja a cidade e Salreu e Pardilhó a vilas e mesmo os documentos que nos foram enviados para preparação desta assembleia estão repletos de gralhas e erros ortográficos, aliás à semelhança do que vem sendo habitual. Há um evidente e sistemático problema de desleixo, laxismo, deixa-andar, com uma notória falta de capacidade de liderança do Presidente da Câmara, que pelos vistos não tem sequer coragem para se impor ao grupo de pedreiros que fizeram as inscrições na dita placa e exigir-lhes que corrijam o erro.
Se no caso da placa este tipo de falta de afirmação política do Presidente da Câmara apenas tem consequências mais ou menos intangíveis ao nível da imagem do município, a verdade é que se o atabalhoamento com que tudo se parece fazer for generalizado às restantes actividades camarárias, então temos um problema grave.
Ou seja, o problema aqui não é apenas o mau gosto (que poderá ser discutível) ou um erro acidental eventualmente da autoria de trabalhadores menos qualificados.
A grande questão é que este erro é a face visível de um problema muito mais profundo e que tem a ver com uma forma pouco rigorosa e afirmativa de exercer a gestão autárquica. E, não menosprezando as restantes questões, este é que é o motivo pelo qual todos nos devemos preocupar.
Para concluir, e porque é possível que esta seja a última sessão da Assembleia Municipal deste mandato, gostaria de me despedir dizendo que esta foi uma experiência absolutamente fantástica sob o ponto de vista pessoal.
Conheci pessoas inteligentíssimas em todas as bancadas e aprendi muito com todos os que participaram nestas Assembleias.
Apesar de todas as discordâncias e discussões, penso que o trabalho feito pela Assembleia neste mandato foi globalmente positivo e que todos contribuímos de alguma forma para o progresso do nosso concelho.
Despeço-me com uma saudação muito especial à mesa e aos três elementos que a compõem, cujo trabalho foi especialmente meritório e bastante árduo em vários momentos.
Obrigado a todos.
Começou ontem de manhã a última AM. Continua na segunda-feira, embora seja provável que os pontos agendados em discussão a façam terminar apenas ao terceiro dia.
O tom de despedida fez com que a reunião fosse pacífica, embora fosse evidente um certo ar de desilusão em alguns dos discursos. No entanto, penso que não há razões para isso. Como disseram (e muito bem) José Artur Pinho e Carlos Tavares, por um lado "a vida é muito mais do que isto" (JAP) e por outro o trabalho produzido nesta legislatura foi "bastante válido" e a discussão "saudável" (CT, não exactamente por estas palavras).
Ao contrário do que outros também disseram, não acho que a existência de discussões prolongadas que não levam a lado nenhum deva ser motivo de desistência. Afinal, todos os deputados foram eleitos para discutir e analisar os temas e a seca que acabamos por apanhar em algumas situações deve ser vista como o preço a pagar para se ter a garantia de que os temas mais importantes sejam também eles alvo de profunda reflexão e troca de ideias. A AM não é um órgão executivo e o seu papel é essencialmente o de reflectir sobre as ideias de quem dirige a Câmara, apresentando soluções e sobretudo a versão dos cidadãos sobre os acontecimentos em análise. Neste sentido, embora seja óbvia a necessidade de estimular o lado prático das questões, penso que se atingiu um equilíbrio aceitável durante o último mandato.
Nesta última sessão fiz a intervenção que abaixo se reproduz (em letras azuis), à qual José Eduardo de Matos deu uma resposta muito boa (não estou a ser irónico): reagindo com bom humor e reduzindo-me a uma condição algures entre "teórico da batata" e "treinador de bancada" (o que é verdade, pois o que se faz nos blogues, jornais, rádios e televisões é exactamente isso...), JEM conseguiu ultrapassar uma questão em que obviamente partia em desvantagem (pois a razão está claramente do lado dos críticos), despolarizando o problema em análise (centrando a sua resposta na necessidade de resolver os grandes problemas práticos do concelho) e relevando os aspectos menores (os portões são naturalmente um aspecto menor, quando comparados com os problemas de trânsito que existiam naquela zona). Sinceramente, gostei. A resposta apenas teve duas falhas: por um lado JEM passou ao lado da incómoda questão dos erros ortográficos e por outro a revelação de que está em preparação a repetição do "modelo portão" para a entrada norte do concelho de Estarreja (pelo que percebi, há mais portões como os actuais e mais rotundas com problemas de falta de conteúdo)...!
Cá fica o texto da minha intervenção:
O primeiro dos assuntos que me fizeram vir aqui falar hoje é o caso da nova rotunda do hospital. Trata-se de uma obra cuja construção é consensual, que naturalmente agrada a todos e que veio trazer inegáveis benefícios a todos quantos se têm que deslocar ao Hospital Visconde de Salreu. O actual executivo camarário tem obviamente que ser saudado pela sua construção.
No entanto, e como pelos vistos com a equipa autárquica que actualmente comanda os destinos do nosso concelho não parece haver bela sem senão, a esta obra de grande utilidade para o município foi acrescentado um horrível e desnecessário apêndice que quase ofusca o mérito da empreitada em questão.
Estou obviamente a falar da deslocalização dos velhos portões do hospital para cima de um dos passeios que ladeia a rotunda e da inenarrável placa que alguém se lembrou de colocar ao lado dos mesmos.
Costuma-se dizer que “gostos não se discutem”, mas sinceramente eu não concordo. Aliás, penso precisamente o contrário: se há coisas que se discutem, são precisamente os gostos, sobretudo quando se fala de bens comuns e situações tão simbólicas como uma das principais entradas rodoviárias na sede do concelho.
Embora o Dr. José Eduardo de Matos tenha sido eleito Presidente da Câmara em Dezembro de 2001 e por isso o seu gosto tenha legitimidade política para prevalecer sobre o gosto dos outros, a verdade é que no mesmo dia eu também fui eleito deputado municipal e como tal tenho a obrigação de manifestar publicamente os meus gostos, ou desgostos, como é aliás o caso.
O argumento de que os portões são antigos, bonitos e foram recuperados pode até ser aceitável, mas não justifica a criação forçada de um monumento num local onde este nunca existiu.
Se se considerar que os ditos portões são merecedores de cuidados e atenção especiais e a sua permanência no local de origem for, por alguma razão, considerada impossível, dever-se-ia pensar em soluções alternativas para a sua nova localização, tendo em conta a história e utilização do equipamento em causa e não em inventar novas funções e utilidades para o mesmo.
Os portões do hospital sempre guardaram a entrada do hospital. Foi para isso que foram construídos e foi isso que fizeram até à chegada do Dr. José Eduardo de Matos. Nunca serviram de portas da cidade ou fizeram parte de alguma antiga muralha, como agora se quer fazer parecer. A história não pode, nem deve ser reescrita. Se a cidade de Estarreja nunca teve portas ou muros, não deve passar a tê-los agora e sobretudo não deve ter simulações de monumentos que nunca existiram.
É por isto que é profundamente ridícula e de um mau gosto atroz a transferência dos antigos portões do hospital para o local onde actualmente se encontram.
A segunda parte do problema tem a ver com a placa colocada ao lado dos portões. A mensagem começa por ser confrangedora: uma cidade que se preze não precisa de se gabar do seu novo estatuto aos visitantes. Quem entra numa cidade com classe não tem a mínima dúvida do tipo de local em que está. Estarreja é cidade não porque tem uma placa que o afirma, mas porque tem qualidades e níveis de desenvolvimento compatíveis com os de uma cidade. E essas características sentem-se sem ser preciso que alguém as recorde.
Por outro lado, a placa refere o ano de 2005 sem que se perceba muito bem porquê: a Câmara Municipal aprovou a elevação de Estarreja a cidade em 2001 e a Assembleia Municipal de Estarreja e a Assembleia da República fizeram o mesmo em 2004. Porquê a referência a 2005?
Obviamente que o maior problema de toda esta questão é o desastroso conteúdo ortográfico da tal placa. Inicialmente, em seis palavras existiam dois erros ortográficos. Ao fim de algumas semanas alguém se lembrou de corrigir apenas um dos erros, ficando o outro à vista de todos quantos passavam naquele local até hoje. Nem mesmo os preparativos para a insólita inauguração da rotunda serviram de pretexto para que se emendassem as gralhas da placa.
Ora, tudo isto é grave. Não só pela triste imagem que se passa do concelho e pelo mau exemplo para as crianças em idade escolar, mas sobretudo pelas falhas operacionais que a falta de hífenes e acentos deixa perceber.
É evidente que o Presidente da Câmara de Estarreja não é analfabeto e que nos serviços camarários há pessoas que sabem escrever muitíssimo bem. Obviamente que não é isso que está em causa. A verdade é que este não é um erro isolado: todos vimos o que se passou com a proposta de elevação de Estarreja a cidade e Salreu e Pardilhó a vilas e mesmo os documentos que nos foram enviados para preparação desta assembleia estão repletos de gralhas e erros ortográficos, aliás à semelhança do que vem sendo habitual. Há um evidente e sistemático problema de desleixo, laxismo, deixa-andar, com uma notória falta de capacidade de liderança do Presidente da Câmara, que pelos vistos não tem sequer coragem para se impor ao grupo de pedreiros que fizeram as inscrições na dita placa e exigir-lhes que corrijam o erro.
Se no caso da placa este tipo de falta de afirmação política do Presidente da Câmara apenas tem consequências mais ou menos intangíveis ao nível da imagem do município, a verdade é que se o atabalhoamento com que tudo se parece fazer for generalizado às restantes actividades camarárias, então temos um problema grave.
Ou seja, o problema aqui não é apenas o mau gosto (que poderá ser discutível) ou um erro acidental eventualmente da autoria de trabalhadores menos qualificados.
A grande questão é que este erro é a face visível de um problema muito mais profundo e que tem a ver com uma forma pouco rigorosa e afirmativa de exercer a gestão autárquica. E, não menosprezando as restantes questões, este é que é o motivo pelo qual todos nos devemos preocupar.
Para concluir, e porque é possível que esta seja a última sessão da Assembleia Municipal deste mandato, gostaria de me despedir dizendo que esta foi uma experiência absolutamente fantástica sob o ponto de vista pessoal.
Conheci pessoas inteligentíssimas em todas as bancadas e aprendi muito com todos os que participaram nestas Assembleias.
Apesar de todas as discordâncias e discussões, penso que o trabalho feito pela Assembleia neste mandato foi globalmente positivo e que todos contribuímos de alguma forma para o progresso do nosso concelho.
Despeço-me com uma saudação muito especial à mesa e aos três elementos que a compõem, cujo trabalho foi especialmente meritório e bastante árduo em vários momentos.
Obrigado a todos.
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