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quarta-feira, março 29, 2006

Clarificação

Uma vez que actualmente não exerço nenhum cargo político e que já não tenho ligações familiares directas a pessoas com responsabilidades políticas em Estarreja, gostaria de clarificar a minha posição sobre o famigerado tema IC1/A29.
Para mim tudo começou algures a meio do segundo mandato do meu pai como Presidente da Câmara de Estarreja. Numa qualquer tarde de sol de 1999 ou 2000, fui visitá-lo ao seu gabinete na CME. No meio da habitual confusão de papéis e do frenesim de entrada e saída de colaboradores, reparei numa espécie de cavalete instalado no meio do escritório, a atrapalhar todos os que por ali tentavam passar. Aproximei-me do para mim estranho objecto com natural curiosidade e logo obtive o esclarecimento que procurava:
- Já viste isso? É o projecto de construção do IC1, que vai ligar Aveiro ao Porto! Finalmente parece que vão mesmo avançar com a obra!
Interessando-me pelo assunto e observando com mais atenção, comentei:
- Então a estrada vai passar pelo meio do esteiro, a oeste do caminho de ferro?! E tu concordaste com isto?
A resposta veio célere:
- Claro que sim, pois não havia alternativa... a nascente passa a auto-estrada e seria absurdo construirem-se duas estradas lado a lado! Além disso, por aqui passamos a ter excelentes acessibilidades: já viste onde é que vão ficar os ramais de acesso... e mesmo a ligação à Murtosa e ao Parque Industrial? Esta é uma das obras mais importantes dos últimos anos aqui para Estarreja!
Confesso que já não me lembro muito bem do projecto que vi nesse dia. Mas recordo-me de ter respondido algo do género:
- Podes ter razão em tudo o que dizes, mas a mim dá-me um amargo de boca imaginar uma auto-estrada pelo meio do esteiro de Salreu e Canelas! Estarreja é um concelho com tão graves problemas ambientais e vamos deixar que se destrua a única coisa a que nos podemos agarrar...!
A conversa ficou por ali e não liguei mais ao assunto, até porque nessa época não acompanhava com grande atenção as movimentações da política local.
Alguns meses mais tarde, em nova visita ao gabinete camarário, o cavalete havia voltado e o ambiente era bem diferente: o meu pai fazia telefonemas em série e estava notoriamente furioso. Entre os impropérios que se utilizam nestas situações, lembro-me de ter ouvido algo do género:
- Estes gajos alteraram o traçado do IC1 sem nos dizer nada! Já viste esta proposta? Isto assim não tem interesse nenhum para nós: perdemos as acessibilidades, ficam duas auto-estradas encostadas, para além dos enormes problemas que vão existir com as expropriações! Isto não vai ficar assim! Vão ter que me ouvir!
O novo projecto era o do IC1 a nascente.
- Pelo menos assim não passa pela zona do esteiro... - retorqui timidamente. Mas o ambiente estava demasiado pesado para continuar a falar do assunto. Virei costas e fui à minha vida e durante mais alguns meses não voltei a ouvir falar do IC1.
Foi nessa fase que tudo começou - apercebendo-se da atitude do governo, o então candidato à Câmara José Eduardo de Matos transformou o tema em bandeira de candidatura e os políticos de serviço desfilaram atrás: Marques Mendes, Paulo Portas e até Durão Barroso acotovelavam-se em manifestações públicas de apoio à "causa do poente" e as coisas evoluiram até à situação actual.
Ou seja, um assunto essencialmente técnico que poderia ter sido resolvido discretamente e em pouco tempo transformou-se num tema central da política local com fortes repercussões a nível nacional e tudo passou a ser tratado com pinças e cuidados acrescidos. Ninguém fazia nada porque ninguém tinha coragem para fazer o que quer que fosse. Entretanto, inteligentemente e pela calada, Armando França, Presidente da Câmara de Ovar, fez pela vida e o IC1 na sua terra foi construído no local que mais lhe convinha, inviabilizando as pretensões dos munícipes de Estarreja. Nesse período a única pessoa que publicamente alertou repetidas vezes para o que se estava a passar em Ovar foi Aníbal Teixeira, então líder da bancada do PS na AM de Estarreja, que no entanto foi sempre ignorado.
Ao mesmo tempo que tudo isto sucedia, Carlos Tavares (então presidente da AM) ia alertando as hostes para o facto de Estarreja ter problemas muito mais importantes e graves que o IC1 e que deveríamos concentrar energias noutros temas, o que era e é a mais pura das verdades.
Devemos encarar os factos:
- Não me parece que exista a certeza absoluta que a solução a poente seja claramente muito melhor que a alternativa a nascente. Eventualmente poderá ser melhor, mas pouco;
- A questão ambiental não deve ser negligenciada. Mesmo em termos económicos, é pelo menos tão importante a existência de um ambiente saudável e atractivo como de bons acessos;
- Parte da questão das acessibilidades pode ser resolvida com a proposta a nascente: penso que é possível e não devemos abdicar do acesso directo do IC1 ao Parque Industrial e à ligação à Murtosa;
- A proposta do então vereador Fernando Mendonça (convergência A29/A1) era perfeitamente equilibrada e é pena que a CME não tenha lutado por ela;
- É importante planear uma alternativa (por exemplo uma circular externa) que permita desviar o trânsito da EN109 (que vai continuar a existir, pois mais cedo ou mais tarde a A29 terá portagens) do interior da cidade de Estarreja e dos centros urbanos de Avanca, Salreu, Canelas e Fermelã.
Caso não tenha ficado claro, a minha opinião é esta: deixemo-nos de demagogias e de exercícios acusatórios. O IC1 a poente é uma causa perdida, que nos fez perder grande parte dos benefícios que poderíamos obter com a sua construção. A actual situação de congestionamento da A1 em Estarreja é inaceitável e insustentável. O problema do IC1/A29 tem que ser resolvido rapidamente e o tipo de custos associados à paragem das obras dá-nos margem de manobra para negociar com o governo a construção das acessibilidades e alternativas de trânsito de que precisamos. É tempo de José Eduardo de Matos ter a coragem de abandonar de vez o discurso do Poente. Não é vergonha nenhuma termos sido derrotados por Ovar nesta luta. Aliás, os cidadãos de Estarreja não valorizam esta questão e a prova disso está nas últimas eleições: mesmo depois de assistirem à forma como José Eduardo de Matos foi ultrapassado por Ovar e ao exercício virtual que foi a cerimónia inaugurativa do IC1 a poente (por Marques Mendes, em Fermelã), os estarrejenses votaram em JEM. Ou seja, o Presidente da Câmara tem a legitimidade de que precisa para poder resolver o problema.

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Comments:
Até que enfim algo de útil para esclarecer o cidadão comum sobre o "IC1Gate".
 
"A resposta veio célere:
- Claro que sim, pois não havia alternativa... a poente passa a auto-estrada e seria absurdo construirem-se duas estradas lado a lado!"

Claro que onde se lê: "poente" o V.S. queria dizer nascente.

Desculpe a correcção..! acontece a um qualquer.
 
Caro atento, já vi que faz jus ao nome... obrigado pela emenda. Já corrigi o texto.
 
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