quarta-feira, março 08, 2006
O guidobaldo colocou este brilhante texto na caixa de comentários do Saúde, SA:
O sistema português de saúde e o SNS poderão vir a pagar bem caro o estímulo que se está a dar, em Portugal, à automedicação. Normalmente gasta-se dinheiro em campanhas para fomentar a utilização racional dos medicamentos, já que a iatrogenia medicamentosa é hoje um problema de saúde pública que cresce proporcionalmente do aumento da exposição populacional aos medicamentos.
Alguns exemplos:
1. O sobreconsumo de laxantes (que frequentemente originam tolerância e dependência) em consequência da obstipação secundária aos antitússicos. Vejam-se os episódios hospitalares devido à designada - e irreversível - "sindroma do abuso de laxantes".
2. As rinites químicas secundárias aos descongestionantes nasais.
3. As cefaleias "rebound" por sobre utilização de analgésicos.
A banalização da auto-medicação é causa de atraso e mascaramento de diagnósticos, por vezes graves.
Já vi muitos doentes com as primeiras manifestações de insuficiência cardíaca (uma praga na nossa sociedade) que começa por cansaço ao esforço, dispneia e tosse, a automedicarem-se meses e meses com aspartens (para o cansaço) e xaropadas para a tosse.
Já vi neoplasias gástricas mascaradas por meses com antiulcerosos de venda livre.
A automedicação é, por conseguinte,uma faca de dois gumes.
Mas o que mais choca é ouvir um ministro da saúde defender o alargamento da lista dos medicamentos não sujeitos a receita médica. Em benefício de quem, perguntar-se-á. A menos que o ministério detenha evidência científica inacessível às universidades e aos hospitais universitários, apenas vislumbro dois potenciais beneficiários:
- a indústria farmacêutica, porque por um lado recupera para as vendas algumas obsolescências de prescrição, e por outro mantém com o estatuto de medicamentos produtos que, numa "de novo" avaliação, nunca como tal poderiam ser classificados, designadamente face à necessidade de demonstração de eficácia clínica através de ensaios clínicos metodologicamente rigorosos.
- os comerciantes de remédios, para quem um medicamento nada mais é do que um instrumento de lucro.
Pois bem. Agora pergunto: que ferramentas tem o Ministério da Saúde para identificar e confirmar problemas de segurança com medicamentos? A história do sistema português de farmacovigilância que contributos deu para o avanço do conhecimento técnico-científico do perfil de segurança dos medicamentos após a sua comercialização? Lembro que um medicamento de venda livre que continha ópio + beladona + acónito esteve dezenas de anos comercializado e foi largamente consumido (pudera !) sem que, entre nós, tivesse havido UMA, UMA SEQUER, notificação de efeito adverso. Espantoso! Cito o caso do antihistamínico terfenadina, que era de venda livre e foi retirado do mercado por cardiotoxicidade com mais de 100 mortes imputadas. Parece-me relativamente consensual que os níveis de educação para a saúde não são, entre nós, os que mais desejaríamos. E relembro, para terminar, que no ambulatório a toma de um quarto medicamento tem uma probabilidade superior a 50% de decorrer de problemas devidos ... aos três primeiros sempre que tomados em simultâneo.
Santa ignorância. Pobre País. O ministério da saúde não pode continuar a, de forma impune, constituir-se em factor de risco acrescido para os cidadãos. E isto já nada tem que ver com os locais de venda.
Nota: o medicamento de venda livre de que o guidobaldo fala é o Anti-Gripe Asclepius, que hoje continua no mercado apenas com 500 mg de paracetamol.
O sistema português de saúde e o SNS poderão vir a pagar bem caro o estímulo que se está a dar, em Portugal, à automedicação. Normalmente gasta-se dinheiro em campanhas para fomentar a utilização racional dos medicamentos, já que a iatrogenia medicamentosa é hoje um problema de saúde pública que cresce proporcionalmente do aumento da exposição populacional aos medicamentos.
Alguns exemplos:
1. O sobreconsumo de laxantes (que frequentemente originam tolerância e dependência) em consequência da obstipação secundária aos antitússicos. Vejam-se os episódios hospitalares devido à designada - e irreversível - "sindroma do abuso de laxantes".
2. As rinites químicas secundárias aos descongestionantes nasais.
3. As cefaleias "rebound" por sobre utilização de analgésicos.
A banalização da auto-medicação é causa de atraso e mascaramento de diagnósticos, por vezes graves.
Já vi muitos doentes com as primeiras manifestações de insuficiência cardíaca (uma praga na nossa sociedade) que começa por cansaço ao esforço, dispneia e tosse, a automedicarem-se meses e meses com aspartens (para o cansaço) e xaropadas para a tosse.
Já vi neoplasias gástricas mascaradas por meses com antiulcerosos de venda livre.
A automedicação é, por conseguinte,uma faca de dois gumes.
Mas o que mais choca é ouvir um ministro da saúde defender o alargamento da lista dos medicamentos não sujeitos a receita médica. Em benefício de quem, perguntar-se-á. A menos que o ministério detenha evidência científica inacessível às universidades e aos hospitais universitários, apenas vislumbro dois potenciais beneficiários:
- a indústria farmacêutica, porque por um lado recupera para as vendas algumas obsolescências de prescrição, e por outro mantém com o estatuto de medicamentos produtos que, numa "de novo" avaliação, nunca como tal poderiam ser classificados, designadamente face à necessidade de demonstração de eficácia clínica através de ensaios clínicos metodologicamente rigorosos.
- os comerciantes de remédios, para quem um medicamento nada mais é do que um instrumento de lucro.
Pois bem. Agora pergunto: que ferramentas tem o Ministério da Saúde para identificar e confirmar problemas de segurança com medicamentos? A história do sistema português de farmacovigilância que contributos deu para o avanço do conhecimento técnico-científico do perfil de segurança dos medicamentos após a sua comercialização? Lembro que um medicamento de venda livre que continha ópio + beladona + acónito esteve dezenas de anos comercializado e foi largamente consumido (pudera !) sem que, entre nós, tivesse havido UMA, UMA SEQUER, notificação de efeito adverso. Espantoso! Cito o caso do antihistamínico terfenadina, que era de venda livre e foi retirado do mercado por cardiotoxicidade com mais de 100 mortes imputadas. Parece-me relativamente consensual que os níveis de educação para a saúde não são, entre nós, os que mais desejaríamos. E relembro, para terminar, que no ambulatório a toma de um quarto medicamento tem uma probabilidade superior a 50% de decorrer de problemas devidos ... aos três primeiros sempre que tomados em simultâneo.
Santa ignorância. Pobre País. O ministério da saúde não pode continuar a, de forma impune, constituir-se em factor de risco acrescido para os cidadãos. E isto já nada tem que ver com os locais de venda.
Nota: o medicamento de venda livre de que o guidobaldo fala é o Anti-Gripe Asclepius, que hoje continua no mercado apenas com 500 mg de paracetamol.
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