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terça-feira, abril 18, 2006

No Saúde, SA continuam a travar-se algumas das mais interessantes discussões blogosféricas. Eis o exemplo de uma dessas, a propósito de um exercício de marketing farmacêutico sobre um medicamento que já existe há 3 ou 4 anos no mercado:

O Marketing a Funcionar

Na primeira página do "Expresso" de hoje (14 Abril 06) na coluna 24 horas pode ler-se com o título "Asma pode ser curada", o seguinte texto:"Um estudo internacional realizado em 278 doentes revela que o telitromicina pode reduzir os sintomas de asma, melhorar o funcionamento dos pulmões e reduzir o tempo de recuperação das crises respiratórias. A doença afecta 600 mil pessoas em Portugal, que recorriam até agora aos esteróides."Esta notícia é simplesmente escandalosa e criminosa. A telitromicina é um antibiótico. A asma é uma doença inflamatória crónica. Nada, nesta notícia tem fundamento científico. Desde o estudo com 278 doentes para uma população de 600 mil só em Portugal, até insinuar que com este medicamento os 600 mil doentes podem deixar de recorrer aos esteróides.Este é mais um exemplo - nem a propósito - da indução da procura de uma porcaria igual a dezenas de outras que já estão no mercado e que é apresentada como inovação terapêutica na asma.A notícia é puro charlatanismo. Contudo, desde já os doentes vão começar a perguntar, a ir à net, etc, etc, etc.Se comparticiparem tal produto ( a pressão para tal já começou), necessariamente mais caro, e depois concluirem que tratar a asma é mais caro devido às novas tecnologias, não se queixem.

guido baldo

Comentários:

clara said...
O guido baldo que nos tem habituado a análises certeiras desta vez parece ter estado menos bem.Sobre esta matéria parece-me de ter em atenção o estudo da NEJM (http://content.nejm.org/cgi/content/full/354/15/1632)

The results of the Telithromycin, Chlamydophila, and Asthma (TELICAST) study, reported by Johnston et al. in this issue of the Journal,3 address this issue directly.
In the study, patients who presented for unscheduled care because of an acute exacerbation of asthma received either the semisynthetic macrolide derivative telithromycin or placebo. The improvement in asthma symptom scores throughout the 10-day treatment period, one of the predetermined primary efficacy end points, was significantly greater in the telithromycin group than in the placebo group, as was improvement in symptom scores between baseline and the end of treatment. Although there was no difference between groups in morning peak expiratory flow, the other primary outcome measure, there was a significant improvement over placebo in the forced expiratory volume in one second (FEV1) at the end of the treatment period with telithromycin.
Naturalmente que é necessário avaliar cuidadosamente este e outros estudos que surjam sobre esta matéria.O que não devemos é medir tudo pela mesma bitola.Estarei errada ?


guidobaldo said...
Cara Clara: Muito obrigado pelo seu comentário. O ensaio clínico publicado no New England Jornal of Medicine serviu de base à notícia do Expresso sobre a qual produzi o meu comentário que o Xavier evidenciou.

Sobre a sua análise oferecem-se-me as seguintes considerações: Trata-se de um ensaio clínico aleatorizado em dupla ocultação controlado com placebo. Um braço é exposto à telitromicina e outro a placebo. Questão: os efeitos favoráveis descritos nos resultados são específicos do telitromicina ou serão um efeito de classe comum aos antibióticos macrólidos (eritromicina, claritromicina e azitromicina, por exemplo) ?Aliás, logo ao início, os autores postulam: "like macrolides the ketolide telithromycin (Ketek, Sanofi-Aventis)has immunomadulatory effects both in vitro and in vivo".Assume-se, por conseguinte, um efeito de classe. Logo não ´´e uma inovação característica deste fármaco. Perguntar-me-à: então os outros que o demonstrem. Responder-lhe-ei: não seria necessária a exitência de um terceiro braço (placebo, telitromicina, azitromicina, p explo) que clarificasse esta questão ?
A variável de eficácia primária onde se verificaram vantagens face ao grupo placebo é de avaliação subjectiva pelo doente. Nas variável de eficácia de avaliação objectiva não se verificaram diferenças entre grupos.A conclusão dos autores do artigo é a seguinte:"Further studies are required to cinfirm these results,to further define patient populations who are most likely to benefit from the treatment, and to elucidate the mecanism of action."
De notar, ainda, que para a variável secundária de eficácia (FEV1), não existem diferenças estatisticamente significativas a partir do 18º dia sendo os valores entre grupos coincidentes ao 42º dia.Aliás o editorial - que aconselho a leitura - do NEJM sobre o ensaio termina assim:It is time for further study, NOT FOR TREATMENT.
Em suma:Trata-se de um estudo clínico, aleatorizado e controlado com placebo, da utilizaçã de um antibiótico com indicação já aprovada na Europa para o tratamento da pneumonia adquirida na comunidade, exacerbação da bronquite crónica e sinusite bacteriana aguda em adultos, numa outra indicação terapêutica - exacerbação aguda de asma.
Por demonstrar fica:
Tratar-se ou não de um efeito de classe (os mesmos resultados poderem ser alcançáveis com moléculas da mesma família);
Tratar-se de um novo mecanismo de acção que não o da actividade antimicrobina;
A sustentação temporal da manutenção do efeito;
Demonstrado fica:
Não substitui as terapêuticas basais (corticosteróides e agonistas beta 2);
Não melhora os marcadores objectivos de eficácia;
Tem um perfil de segurança inferior ao comparador e há o permanente alerta da toxicidade hepática que vem de estudos anteriores e que necessita de monitorização intensiva pós-comercialização.
Conclusão:
Não foi produzida evidência suficientemente robusta capaz de sustentar a utilização na nova indicação reclamada, nem foi demonstrado que haja um elemento terapêutico distintivo entre esta molécula e as outras da sua família farmacológica.
ORA SE ISTO É A CURA DA ASMA ... DOENÇA QUE AFECTA 600 MIL PESSOAS EM PORTUGAL QUE RECORRIAM ATÉ AGORA AOS ESTERÓIDES !!!.
Uma análise mais detalhada sobre o estudo (designadamente sobre as regressões produzidas) será postada em breve.Abraço

clara said...
Não há como lançar uma provocação a quem sabe.Agradeço o esclarecimento.

guidobaldo said...
Cara Clara

Não é para agradecer. Penso ser uma obrigação minha. Vou organizar com calma uma análise sistematizada ao ensaio, até porque há um dado interessante: o estudo expurgou a etiologia infecciosa da explicação das melhorias (?) sintomáticas decorrentes da utilização de um antibiótico. O mais provável é estarmos perante mais um bom exercício de "medical marketing". Recordo um antibiótico que há uns bons 20 anos era vendido como "actibiótico" devido às suas propriedades imunomoduladoras. Independentemente disso, daqui até ser considerado uma inovação terapêutica vai uma enorme distância e .... muitos mais e melhores ensaios clínicos.Abraço

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