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sábado, janeiro 13, 2007

Disclaimer:

Desfazendo antecipadamente eventuais mal entendidos, gostaria de esclarecer que não sou dos que criticam antecipadamente as "Dez Medidas Para Salvar o SNS" propostas pela
Comissão para a Sustentabilidade do Financiamento do Serviço Nacional de Saúde.
Conheço o posicionamento teórico e ideológico da maior parte dos elementos da Comissão e até já tive o prazer de ser aluno de um deles, precisamente o Presidente, o Prof. Jorge Simões que me deu aulas na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Trata-se de um conjunto de pessoas pelas quais tenho a maior consideração e até admiração intelectual e sinceramente penso que vale a pena ouvir com atenção as suas recomendações, independentemente de posteriormente se concordar ou discordar delas.


Depois do necessário preâmbulo, aqui ficam as minhas opiniões sobre aquilo que o Diário Económico revelou e Correia de Campos parcialmente desmentiu:

1 - Manutenção do SNS público, universal e obrigatório
Os peritos concluem que “não há vantagem em alterar de modo radical a forma actual de financiamento do SNS”, sublinhando que a aplicação de modelos diferentes do nosso implicaria um desmantelamento do sistema actual. No documento, explicam também que o financiamento de base regional implicaria uma estrutura administrativa de recolha de fundos com “custos administrativos adicionais” e traria “pressões para mais transferências e mais despesa”.
Inteiramente de acordo. Na minha opinião os males financeiros do SNS não residem na natureza do modelo, mas sim na falta de eficiência na utilização de recursos. A existência de um SNS público, universal e obrigatório é socialmente eficaz e uma experiência com paradigmas tipo Bismark teria custos muito elevados e consequências potencialmente graves ao nível da universalidade e equidade.

2 - Aplicação de novas tecnologias com avaliação económica prévia
Os mecanismos de avaliação da relação entre custo e benefício para os medicamentos que vão ser comprados pelos hospitais devem ser aplicados a todo o SNS. Defende-se, assim, uma “utilização abrangente da avaliação económica”, mas a comissão garante que o objectivo não é limitar a cobertura em função da despesa. A ideia, antes, é “garantir que apenas quando a vantagem terapêutica gerar valor social que compense os recursos empregues” é que o SNS deve comprar essa nova tecnologia.
Esta é uma verdade de La Palisse. Resta saber como assegurar um funcionamento ágil e rápido dos mecanismos de avaliação económica. Além disso, porque não generalizar estas regras à comparticipação de medicamentos em ambulatório e à promoção de medidas optimizadoras da prescrição médica? A despesa com medicamentos é uma das maiores do SNS. No entanto, há que ter algum cuidado em identificar os casos que constituem verdadeiras inovações. Lembremo-nos de que há cerca de 300 anos havia quem considerasse Salieri um grande músico e o jovem Wolfgang Amadeus um compositor vulgar...

3 - Aumento das taxas moderadoras pelo menos ao ritmo da inflação
Com cautela para não ferir a proposta de inconstitucionalidade, a comissão que estuda o modelo de financiamento da saúde defende uma actualização dos valores das taxas moderadoras e das novas taxas de internamento e cirurgia em valores que sejam, pelo menos, iguais à inflação. “No caso de um crescimento muito acelerado dos custos unitários de prestação de cuidados médicos, a actualização das taxas moderadoras deverá ser superior à inflação”. O objectivo principal é evitar “uma utilização abusiva”.
Inteiramente de acordo se o objectivo for só o de evitar uma utilização abusiva. Contra se as taxas forem uma forma de financiamento do sistema. Deixo aqui uma ideia (embora seja altamente improvável que alguém a leia...): que tal propor a cativação das verbas provenientes das taxas moderadoras para aplicação em projectos de investigação e desenvolvimento realizados no âmbito do SNS? Assim evitar-se-ia a tentação de olhar para as taxas com uma certa voracidade contabilística que tem sido moda entre os governantes nos últimos tempos...

4 - Eliminação das contribuições do Estado para os subsistemas
A medida está no programa do Governo, mas com uma formulação mais suave: “aproximação dos regimes”. Aqui, defende-se que “os subsistemas de saúde são uma transferência de recursos que não é, em si mesmo, um objectivo da política de saúde”. Razão suficiente para que os peritos defendam que o Estado não deve financiar sistemas como os SAMS, a ADSE ou a PT-ACS. A comissão abre, no entanto, a porta à existência de subsistemas públicos, desde que pagos por capitação e com adesão voluntária.
Quem me conhece sabe que há muito que defendo a extinção de subsistemas financiados pelo Estado. Se a última frase quer dizer que os subsistemas que permanecerem serão financiados apenas pelos seus próprios beneficiários, aplaudo de pé. Se não, aplaudo sentado.

5 - Procura de maior eficiência na prestação de cuidados de saúde
Antevendo um aumento dos gastos com a Saúde, a comissão vinca a importância de uma boa gestão na utilização dos recursos disponíveis. “As decisões têm de ser tomadas de modo eficiente, no sentido de só serem usados recursos quando os benefícios retirados os justifiquem”. Por outro lado, os peritos afirmam que é fundamental que a taxa de crescimento da despesa em Saúde nos últimos três anos (bastante mais inferior que a das últimas décadas) “seja uma quebra estrutural” e não apenas passageira.
O problema é que a quebra observada resulta de medidas pontuais e sem nada de estrutural: descomparticipações que só se podem fazer uma vez, reduções arbitrárias de preços de medicamentos e MCDTs, etc.
Aliás, os resultados dos últimos 3 anos também foram maus, se tirarmos o efeito de maquilhagem proporcionados pelas medidas extraordinárias entretanto tomadas.
Quanto ao objectivo de maior eficiência, ele é obviamente consensual.

6 - Recurso à capitação como forma de alargamento da cobertura
O fim do acordo entre o Estado e a PT na área da Saúde não deve impedir o Governo de prosseguir com a existência de coberturas alternativas, geralmente chamadas de ‘opting out’. “Em caso de incapacidade do Estado em assegurar a prestação directa de cuidados médicos, o recurso a coberturas alternativas, onde a transferência capitacional realizada pelo SNS é complementada por eventuais contribuições próprias dos beneficiários constitui uma forma de reforçar os fundos destinados à Saúde”, diz o relatório.
A redacção deste ponto contradiz a da primeira das "10 medidas". Penso que este é um assunto no qual se deve mexer com pinças - há aqui um enorme risco de se criar um SNS a duas velocidades, com uma versão para ricos e outra para pobres. No entanto, se pensarmos bem isto já existe em algumas áreas (como por exemplo a hemodiálise).
Em teoria sou favorável ao opting-out (que até já havia sido proposto, embora nunca concretizado, pelo governo de Cavaco Silva). Mas aguardo com alguma expectativa a forma como esta ideia se traduzirá na prática.

7 - Criação de um seguro público para coberturas adicionais
É a concretização de uma ideia lançada durante a reunião do final do ano, no Infarmed. O grupo de peritos propõe a criação de um Fundo independente do Orçamento do Estado que assegure a contribuição voluntária dos cidadãos em troca de cobertura adicional. O Fundo deve ser “financeiramente auto-sustentável, isto é, as contribuições são definidas por forma a cobrir as despesas efectivas” com a Saúde. Isto permite maior transparência e maior responsabilização perante a sociedade – o destino só pode ser a Saúde.
Volto a dizer o que escrevi antes. E a universalidade? E a equidade? Não serei contra à partida, mas só depois de o ver na prática é que me poderei pronunciar.

8 - Contribuições compulsórias com base no rendimento
É a medida mais extrema: uma espécie de novo imposto destinado apenas a financiar a prestação de cuidados de saúde, e com contribuições obrigatórias dos cidadãos consoante o seu rendimento. A comissão admite que existem “óbvias semelhanças com um aumento de impostos”, mas salienta que há diferenças. Por um lado, a obrigatoriedade de as verbas irem para os gastos com a Saúde e, por outro, o facto de haver uma entidade própria a gerir essas verbas, além de uma “menor resistência da população”.
De tudo o que por aqui se propõe, esta proposta não me parece especialmente chocante. Não tenho qualquer problema em assumir isto claramente: desde que o governo garanta que tudo faz para maximizar a eficiência e eficácia do SNS (o que nos dias que correm está longe de ser verdade), considero preferível o aumento de impostos (ou a criação deste novo imposto) à cascata de descomparticipações enganosas e taxas de punição que têm surgido nos últimos tempos!

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