quarta-feira, abril 16, 2008
Um dia, daqui a alguns anos, a Maria Artur há-de vir a esta página e ler o que o pai dela escreveu no dia em que ela nasceu.
É estranho escrever um texto para ser lido no futuro e seguramente que neste momento é difícil fugir aos lugares-comuns que sempre se encarregam de aparecer nestas ocasiões.
Quando acordei e notei o tom de voz da Ana percebi de imediato que estava perante um daqueles life-defining moments, pequenos instantes de que nos haveremos de recordar durante o resto da nossa vida, "durantes" que precedem o "depois" e acontecem a seguir ao "antes". Sim, a partir de agora nada será como antes. E ainda bem, por muito boa que tenha sido a primeira parte da minha vida.
A partir daquele momento tudo correu em câmara lenta e, simultaneamente (e por paradoxal que pareça), a grande velocidade. A mala que ainda não estava pronta. As pequenas coisas que fui comprar à última hora. As análises clínicas que estavam há dias para ser recolhidas no laboratório. A confirmação telefónica de que era mesmo hoje. Ir para Coimbra a 180 à hora e a viagem durar o dobro (aliás o triplo), do costume. A entrada na urgência da Maternidade. Estacionar o carro sei lá onde. E a espera. Meu deus, a espera. A interminável espera. Os jornais que não se conseguem ler e a incapacidade simultânea de estar parado ou a fazer alguma coisa. As notícias a conta-gotas e sob a forma de centímetros (unidade de medida que felizmente sucedeu aos "dedos" de dilatação). 1, 3, 4,... Tudo bem, mas tudo na mesma.
Até que a hora chegou. Sabíamos que ia chegar, mas não acreditávamos. Sentimo-nos como espectadores de um filme em que também somos os personagens e únicos actores. Ninguém está verdadeiramente preparado para isto. Eu ainda não te conheço, Maria Artur, mas já vi os teus olhos. E as tuas mãos e os teus braços. E a forma como te movimentas. E o ar de quem está muito à vontade no mundo cá fora e que nem parece que passou as últimas 37 semanas em meio aquoso. E, de facto, isso chega.
Por muito que se leia, estude, investigue ou converse sobre o assunto, não há ainda quem consiga explicar o que isto é. E realmente não há explicação: tens uma virtude original, uma simplicidade e uma inocência que fazem com que todo o tempo pare à tua volta. Estamos lá os três e o resto do mundo é apenas um cenário onde nos movimentamos como se fôssemos o Hiro Nakamura. Não sei se quando leres isto saberás quem é o Hiro. O tanas é que não saberás - se estás a contar com o Noddy ou o Ruca, podes tirar o cavalinho da chuva. Estou a brincar: como já deverás saber nesta altura, eu até sou um tipo vulnerável a influências externas e não demasiado preconceituoso.
Para terminar, uma palavra para a tua mãe, que foi e é uma heroína, não só hoje, mas desde sempre e sobretudo ao longo das últimas 37 semanas. Sim, estou-lhe a dever esta. E ainda bem.
É estranho escrever um texto para ser lido no futuro e seguramente que neste momento é difícil fugir aos lugares-comuns que sempre se encarregam de aparecer nestas ocasiões.
Quando acordei e notei o tom de voz da Ana percebi de imediato que estava perante um daqueles life-defining moments, pequenos instantes de que nos haveremos de recordar durante o resto da nossa vida, "durantes" que precedem o "depois" e acontecem a seguir ao "antes". Sim, a partir de agora nada será como antes. E ainda bem, por muito boa que tenha sido a primeira parte da minha vida.
A partir daquele momento tudo correu em câmara lenta e, simultaneamente (e por paradoxal que pareça), a grande velocidade. A mala que ainda não estava pronta. As pequenas coisas que fui comprar à última hora. As análises clínicas que estavam há dias para ser recolhidas no laboratório. A confirmação telefónica de que era mesmo hoje. Ir para Coimbra a 180 à hora e a viagem durar o dobro (aliás o triplo), do costume. A entrada na urgência da Maternidade. Estacionar o carro sei lá onde. E a espera. Meu deus, a espera. A interminável espera. Os jornais que não se conseguem ler e a incapacidade simultânea de estar parado ou a fazer alguma coisa. As notícias a conta-gotas e sob a forma de centímetros (unidade de medida que felizmente sucedeu aos "dedos" de dilatação). 1, 3, 4,... Tudo bem, mas tudo na mesma.
Até que a hora chegou. Sabíamos que ia chegar, mas não acreditávamos. Sentimo-nos como espectadores de um filme em que também somos os personagens e únicos actores. Ninguém está verdadeiramente preparado para isto. Eu ainda não te conheço, Maria Artur, mas já vi os teus olhos. E as tuas mãos e os teus braços. E a forma como te movimentas. E o ar de quem está muito à vontade no mundo cá fora e que nem parece que passou as últimas 37 semanas em meio aquoso. E, de facto, isso chega.
Por muito que se leia, estude, investigue ou converse sobre o assunto, não há ainda quem consiga explicar o que isto é. E realmente não há explicação: tens uma virtude original, uma simplicidade e uma inocência que fazem com que todo o tempo pare à tua volta. Estamos lá os três e o resto do mundo é apenas um cenário onde nos movimentamos como se fôssemos o Hiro Nakamura. Não sei se quando leres isto saberás quem é o Hiro. O tanas é que não saberás - se estás a contar com o Noddy ou o Ruca, podes tirar o cavalinho da chuva. Estou a brincar: como já deverás saber nesta altura, eu até sou um tipo vulnerável a influências externas e não demasiado preconceituoso.
Para terminar, uma palavra para a tua mãe, que foi e é uma heroína, não só hoje, mas desde sempre e sobretudo ao longo das últimas 37 semanas. Sim, estou-lhe a dever esta. E ainda bem.
Etiquetas: Spellbound
Comments:
Entrei por acaso neste blog e pelo lido, em momento muito importante a avaliar pelo último post. E como o momento é solene, não deixarei de desejar saúde e muita felicidade para os 3 intervenientes.
A Maria Artur vai adorar ler um texto tão sentido, partilhado com o mundo.
Parabéns
A Maria Artur vai adorar ler um texto tão sentido, partilhado com o mundo.
Parabéns
Vladimiro:
Como gostava eu (fosse a Maria Artur) de à idade de saber ler, encontrar isto que aqui escreveu.
Parabéns sentidos porque a mesma alegria que agora sente e aqui a nós (e à Maria Artur) nos transmite eu também já a senti por duas vezes há umas dezenas de anos...
Como gostava eu (fosse a Maria Artur) de à idade de saber ler, encontrar isto que aqui escreveu.
Parabéns sentidos porque a mesma alegria que agora sente e aqui a nós (e à Maria Artur) nos transmite eu também já a senti por duas vezes há umas dezenas de anos...
Por entre as poças de baba acho que consigo encontrar as teclas para escrever o óbvio: OBRIGADO A TODOS!
Parabéns Vladimiro e o desejo das maiores felicidades.
Quanto ao texto, neste momento, talvez de aspecto secundário para si, uma delícia de se ler... e reler.
Cumprimentos.
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Quanto ao texto, neste momento, talvez de aspecto secundário para si, uma delícia de se ler... e reler.
Cumprimentos.