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segunda-feira, junho 21, 2010

Preferiria não o fazer, mas tornou-se inevitável escrever sobre Saramago. Até hoje li 11 dos 16 romances que publicou - é o meu escritor favorito e provavelmente o melhor da história de Portugal. Saramago era verdadeiramente genial, ultra-imaginativo, finamente irónico e profundamente moderno. Há detalhes nos textos de Saramago que são de tal forma brilhantes, que fazem com que ler muitas páginas de uma vez pareça um enorme desperdício. Saramago mereceu o Nobel e arrisco mesmo a dizer que é de longe o melhor dos Nobéis que já li. Nas minhas estantes ainda estão mais alguns dos seus livros, que tenho vindo a racionar ao longo dos anos, de modo a fazer com que a respectiva leitura dure o máximo de tempo possível.
No entanto, infelizmente o mesmo corpo em que habitava um tão fantástico escritor era partilhado com um homem, igual a tantos outros, pleno de defeitos e virtudes. O homem Saramago não era um patriota, batia-se por ideais retrógados e responsáveis pelo sofrimento de milhões de pessoas, era frequentemente insensível perante os que defendiam outras ideologias e várias vezes foi ouvido a dizer as maiores barbaridades e ofensas (não estou sequer a pensar em religião). Usou a autoridade moral conferida pela qualidade e sucesso da sua escrita como instrumento de acção política e muitas vezes o cidadão político militante vestiu o disfarce de escritor para chegar aos palcos e aí falar de tudo menos de literatura. A ética ideológica de Saramago arrastou-o para locais por onde o escritor jamais passaria, mas... o que fazer? Saramago era apenas um homem, os homens fazem asneiras e os grandes escritores só podem escrever se tiverem mãos, braços e olhos, pelo que é inevitável que ocupem um corpo e que nesse corpo viva mais alguém. Não sabemos se Eça de Queiroz cheirava mal ou maltratava os criados, não sabemos se Luís de Camões roubava uvas nos mercados e não sabemos se Pessoa pagava os cafés - e a verdade é que não queremos saber.
Muitos desperdiçaram o raro privilégio de serem contemporâneos de um escritor assim e outros deixam que o ódio às convicções e manifestações pessoais de Saramago lhes ofusque o discernimento e nem sequer tentam. Enfim, Salieri também era um grande compositor...!
A minha posição é pois absolutamente clara: sim, Saramago merece todas as honras que o país lhe possa conceder (feriados, nomes de rua, cinzas no panteão, etc., etc.) - é que a memória das recordações dos homens passa depressa, mas os livros são eternos!

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