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quarta-feira, setembro 21, 2011

O Prof. Pedro Pita Barros escreveu esta interessante análise no Dinheiro Vivo e no Momentos Económicos:


A dívida da Madeira (como “gordura” do Estado)

19/09/2011 | 00:57 | Dinheiro Vivo
De repente a dívida da Madeira saltou para as primeiras páginas e para a primeira linha das conversas. O traço mais comum dos comentários é o cansaço com a capacidade de Alberto João Jardim extrair fundos ao resto do país (há quem use termos mais fortes). O outro aspecto que tem sido focado é do efeito da dívida madeirense agora revelada na reputação internacional de Portugal, num momento em que as diferenças face à Grécia são crescentemente importantes.
Sobre estes dois aspectos, nada há mais a dizer. Há, porém, um outro aspecto que este problema ilustra. Contra o processo de consolidação orçamental e de redução de despesa pública tem sido apresentado por várias pessoas e partidos políticos a visão alternativa de fomentar o crescimento económico através da despesa pública.
Ora, a situação actual da Madeira, acusada de excessiva e preocupante pelos mesmo partidos, não é mais do que o resultado das políticas por eles preconizadas – dar rédea solta à despesa pública que esta se multiplicará, combater o desemprego através do emprego como funcionário público. Esta foi a “receita” para o crescimento da Madeira. O que se vê hoje? Para além de obras como estradas e túneis, não se encontrou uma fonte de crescimento da actividade económica que fosse duradoura. Não se reinventou o Turismo, dando-lhe novo ânimo, não se descobriram novas actividades económicas que trouxessem riqueza à região. Mais, ao cristalizar no emprego público uma fatia considerável da população activa, retirou-se a essas pessoas o interesse e a dinâmica de procurarem outras actividades económicas.
Ao seu nível, a actual situação da Madeira mostra que não é viável um modelo de crescimento assente na despesa pública pela despesa pública. Apenas quando existe onde ir buscar mais e mais fundos se consegue, durante algum tempo, sustentar essa forma de intervenção económica.
Da mesma forma que começa a ser perceptível um cansaço dentro do resto de Portugal quanto às dívidas da Madeira e o processo que a elas levou, também o Norte da Europa manifesta o mesmo cansaço quanto aos países do Sul da Europa. Só a escala do problema e do sentimento é diferente.
A lição da Madeira para todo o país não é apenas que é preciso controlar melhor. A lição mais importante, a meu ver, é que a capacidade de gerar dívida pública (e a ir escondendo) não traz a prazo crescimento económico sustentado e transforma-se apenas em mais um factor de “gordura” do Estado. E é “gordura” pelos recursos que absorveu e pelo emprego que retirou a outras actividades.

Embora este texto tenha sido escrito com o brilhantismo e originalidade característicos do autor e seja uma das excepções ao vociferar clubístico que abunda na blogosfera, julgo que ainda não foi desta que se chegou ao cerne da questão madeirense.
De facto, para prevenirmos o aparecimento de novos Jardins e disciplinarmos a actividade dos que neste momento estão caladinhos a rezar para que a Troika não tropece e descubra o seu buraco (significativamente mais pequeno, esperemos!), há que primeiro compreender o que é, quem é, como funciona um governo regional de um local como a Madeira e sobretudo como é que se podem ganhar todas as eleições em quase 40 anos de relativa democracia.
Em primeiro lugar, há que relativizar o problema: embora ofensivo, gigantesco e absurdo, o buraco de AJJ (que a 21/9/2011 vai em 1,6 mil milhões) é, ainda assim, mais pequeno que outros buracos conhecidos publicamente: 3 mil milhões do Metro de Lisboa, cerca de 2 mil milhões do Metro do Porto, 2 mil milhões do BPN, 3 a 5 mil milhões de euros (conforme a fonte noticiosa) das Estradas de Portugal, fora outros clientes habituais deste tipo de estatísticas, como a Refer, Parque Escolar, CP, TAP, RTP, etc. Ou seja, a diferença (não negligenciável ou encarável levianamente) entre AJJ e estes exemplos é apenas o facto de no primeiro caso ter existido uma ocultação da gestão ruinosa do património público.
E é neste contexto que o argumento da "legítima defesa" colhe. De facto, há uma inteligência colectiva (neste caso, dos madeirenses) que faz encarar as coisas pragmaticamente: se a gestão ruinosa dos dinheiros públicos se tornou numa prática generalizada e sistémica, que razões haverá para se mudar o actor dessa gestão? Para quê mudar as moscas? Pelo menos AJJ criou 30 mil empregos directos (à custa do sector público e com os problemas enunciados por Pedro Pita Barros) e dotou a Madeira de um conjunto de infra-estruturas e instituições que a colocam num nível consideravelmente superior ao do continente. Além disso, que se saiba AJJ não tem contas na Suíça, andares luxuosos no centro de Lisboa ou outros sinais exteriores de riqueza inexplicáveis à luz dos rendimentos conhecidos. E há que reconhecer que no Continente têm existido muito mais escândalos financeiros (BPN, BPP, empresas municipais, saco azul, etc.) que na Madeira. Ou seja, a velha teoria de que "este pelo menos faz alguma coisa" ajuda a justificar a existência de AJJ.
AJJ é a face visível e mediática de um Governo Regional da Madeira que hoje em dia é uma estrutura complexa, tentacular, gigantesca, muitíssimo organizada e tecnicamente muito mais experiente e competente que qualquer outra instituição pública em Portugal. O GRM e as suas estruturas comem as papas na cabeça de qualquer governante nacional recém-eleito e dispõem de instrumentos de chantagem que usam até à exaustão e nos limites da mais elementar razoabilidade. Com 30 mil funcionários públicos numa população de 250 mil habitantes, toda a ilha depende, de alguma forma, da boa vontade dos seus governantes - esta forma de governar estabelece uma rede clientelística quase impossível de contornar, se fizermos a simples contabilização de votos dos funcionários e respectivos familiares directos e a este número associarmos o dos trabalhadores de empresas que trabalham para o Governo Regional. Olhando para o total de votos previsível à partida e tendo em conta que o PSD Madeira tem habitualmente cerca de 90 mil votos por acto eleitoral, este valor já nem sequer parece particularmente elevado, tantos seriam os votos potenciais de pessoas directamente dependentes do status quo.
Ou seja, AJJ montou uma teia de influências fortíssima e altamente condicionada, serve de rosto visível e agente desviador de atenções de uma estrutura governativa experiente, muito diferenciada e altamente complexa e sustentou tudo isso à custa de níveis de endividamento público perfeitamente obscenos, relativamente aos quais os governantes nacionais fechavam sistematicamente os olhos.
Anteontem às 4:00 da manhã, enquanto punha a minha filha mais nova a arrotar, assisti à repetição de uma entrevista a Nuno Cardoso (ex-Presidente da Câmara do Porto) no Porto Canal em que este dizia que, enquanto ex-autarca e conhecedor directo dos mecanismos de contracção de dívida por organismos públicos, não compreendia como havia sido possível "escaparem" ao controlo público valores da ordem dos que têm sido referidos na comunicação social. A resposta, perceptível entrelinhas no tom com que Nuno Cardoso falava, é bastante simples: não é possível. Houve quem soubesse exactamente o que se estava a passar em tempo real e nada fez.
Mais do que actuar sobre os prevaricadores em concreto (e a acção sobre AJJ e o Governo Regional da Madeira deve ser implacável e exemplar), há que perceber a que nível (necessariamente discreto e intermédio) da Administração Pública é que estas cumplicidades funcionam - porque é aí que este tipo de indivíduos actuam e é lá que está o ponto de fuga do sistema.
É curioso que a discussão pública esteja actualmente centrada na análise de carácter de AJJ e não em mais um estrondoso falhanço do sistema público de regulação financeira.
Depois dos escândalos de BPN, BCP e BPP, o Banco de Portugal não conseguiu colocar na lista negra uma entidade pública com créditos não cumpridos na ordem de 1,6 mil milhões de euros - ou pelo menos falhou no respectivo registo de crédito. Se um cidadão comum pedir um simples cartão de compras El Corte Inglés (ou qualquer outro com pagamento diferido) é automaticamente aberto em seu nome um registo de crédito no Banco de Portugal - e o limite de crédito desse cartão passa a contar para a capacidade de endividamento individual, sendo este um parâmetro avaliado pela banca de cada vez que esse cidadão solicita qualquer tipo de crédito. Assim, como é possível que o Banco de Portugal não tenha detectado o problema? Se houve sonegação de informação, esta não terá ocorrido também da parte da banca? Porque é que não se discute isto? Será porque este buraco também iria afectar as contas de algum banco importante?
Além do Banco de Portugal, que dizer da inércia do Tribunal de Contas? Como foi possível que uma entidade pública atingisse este tipo de endividamento sem um sério aviso e/ou uma investigação civil e criminal ao que se estava a passar?
O servilismo do jornalismo português por vezes dá náuseas...

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