terça-feira, novembro 01, 2011
O referendo que nunca se realizará
Passada a estupefacção inicial (que partilho com o resto do mundo económico), há que perceber o que é que se passa no epicentro da crise económica mundial e porque é que Papandreou decidiu jogar a cartada do referendo (que nunca se irá realizar, aposto com quem quiser - ou se acontecer e decidir em sentido contrário ao do acordo será rapidamente seguido por referendos sucessivos até que um destes aprove o que o resto do mundo quer). A situação é bastante complexa e resume-se mais ou menos assim:
- Em primeiro lugar, já se percebeu que o acordo conseguido na semana passada não é ainda a solução final para o problema, mas antes mais uma etapa intercalar neste interminável adiar da intervenção do BCE que Merkel impõe a todo o custo. De facto, o reforçado FEEF continua a não ser suficiente para resgatar Itália e Espanha (os clientes que se seguem), para além de que com este acordo a falência da Grécia não está ainda completamente fora de hipótese. Sintoma disso é o facto das taxas de juro da dívida italiana e espanhola já terem voltado a subir (especialmente a primeira), sendo o facto de Merkel não ter sob Berlusconi o mesmo tipo de capacidade de pressão que tem sobre Portugal, Grécia e Irlanda uma preocupação adicional. Além disso, um dos eixos do FEEF (a França) está a fraquejar, o que torna a situação ainda mais complexa. Em resumo, o acordo da semana passada serviu para ganhar tempo, mas apenas isso - embora não seja de descurar a capacidade regeneradora do tempo, especialmente na Economia;
- Em segundo lugar, Papandreou já não tem nada a perder: não vai ser reeleito PM e as coisas não podem piorar para a Grécia. De facto, a zona Euro já percebeu que um default grego teria consequências sistémicas imprevisíveis, com os credit default swaps a disseminarem o problema de um modo absolutamente descontrolado por todas as economias do mundo, pelo que o definhar em banho-maria é absolutamente inevitável. O perdão de 50% (ou mais, vamos ver em que ficamos) da dívida é, isso sim, uma garantia de recuperação de 50% de um crédito muitíssimo malparado, de cobrança quase impossível, pelo que interessa muito mais aos credores que aos devedores. Ou seja, esta é uma win-win situation para Papandreou: ou há referendo e a responsabilidade pelo que se passar é transferida para o povo, ou não há referendo e ninguém o pode acusar de não ter tentado. Havendo referendo e ganhando o "sim" foi o povo que quis, enquanto que se ganhar o "não" a Europa terá inevitavelmente que apresentar outra proposta à Grécia - e Papandreou sairá reforçado aos olhos dos seus eleitores.
Falta sentido de Estado, qualidade técnica e capacidade política aos actuais líderes europeus. O fim desta crise chegará quando o BCE fizer o mesmo que o Fed fez (discretamente e sem levantar ondas) em 2008 e garantir, sem qualquer limite, a dívida pública dos Estados da zona Euro. No actual clima económico os riscos de inflação seriam muito reduzidos e mesmo para a Alemanha esta é, de longe, a melhor opção. Infelizmente teremos que esperar pela entrada da Alemanha em recessão para que os seus obtusos governantes o percebam.
Paradoxalmente, é neste momento cada vez mais evidente que esta crise é desnecessária: embora lentamente e em múltiplas etapas e pacotes, todos já perceberam que a Grécia não vai falir, pois é mais caro deixá-la cair do que que salvá-la. Sendo assim, para quê tanta turbulência?
PS - O referendo grego não tem nada a ver com democracia, como alguns clamam pela blogosfera. É, aliás, o contrário da democracia - o povo elegeu Papandreou, logo é este quem deve governar. Entalar o povo com questões de resposta impossível e das quais sairá sempre a perder é destruir a confiança e capacidade de decisão dos eleitores - e é quando as pessoas deixam de acreditar que as democracias morrem e surgem as condições para as ditaduras poderem aparecer.
Passada a estupefacção inicial (que partilho com o resto do mundo económico), há que perceber o que é que se passa no epicentro da crise económica mundial e porque é que Papandreou decidiu jogar a cartada do referendo (que nunca se irá realizar, aposto com quem quiser - ou se acontecer e decidir em sentido contrário ao do acordo será rapidamente seguido por referendos sucessivos até que um destes aprove o que o resto do mundo quer). A situação é bastante complexa e resume-se mais ou menos assim:
- Em primeiro lugar, já se percebeu que o acordo conseguido na semana passada não é ainda a solução final para o problema, mas antes mais uma etapa intercalar neste interminável adiar da intervenção do BCE que Merkel impõe a todo o custo. De facto, o reforçado FEEF continua a não ser suficiente para resgatar Itália e Espanha (os clientes que se seguem), para além de que com este acordo a falência da Grécia não está ainda completamente fora de hipótese. Sintoma disso é o facto das taxas de juro da dívida italiana e espanhola já terem voltado a subir (especialmente a primeira), sendo o facto de Merkel não ter sob Berlusconi o mesmo tipo de capacidade de pressão que tem sobre Portugal, Grécia e Irlanda uma preocupação adicional. Além disso, um dos eixos do FEEF (a França) está a fraquejar, o que torna a situação ainda mais complexa. Em resumo, o acordo da semana passada serviu para ganhar tempo, mas apenas isso - embora não seja de descurar a capacidade regeneradora do tempo, especialmente na Economia;
- Em segundo lugar, Papandreou já não tem nada a perder: não vai ser reeleito PM e as coisas não podem piorar para a Grécia. De facto, a zona Euro já percebeu que um default grego teria consequências sistémicas imprevisíveis, com os credit default swaps a disseminarem o problema de um modo absolutamente descontrolado por todas as economias do mundo, pelo que o definhar em banho-maria é absolutamente inevitável. O perdão de 50% (ou mais, vamos ver em que ficamos) da dívida é, isso sim, uma garantia de recuperação de 50% de um crédito muitíssimo malparado, de cobrança quase impossível, pelo que interessa muito mais aos credores que aos devedores. Ou seja, esta é uma win-win situation para Papandreou: ou há referendo e a responsabilidade pelo que se passar é transferida para o povo, ou não há referendo e ninguém o pode acusar de não ter tentado. Havendo referendo e ganhando o "sim" foi o povo que quis, enquanto que se ganhar o "não" a Europa terá inevitavelmente que apresentar outra proposta à Grécia - e Papandreou sairá reforçado aos olhos dos seus eleitores.
Falta sentido de Estado, qualidade técnica e capacidade política aos actuais líderes europeus. O fim desta crise chegará quando o BCE fizer o mesmo que o Fed fez (discretamente e sem levantar ondas) em 2008 e garantir, sem qualquer limite, a dívida pública dos Estados da zona Euro. No actual clima económico os riscos de inflação seriam muito reduzidos e mesmo para a Alemanha esta é, de longe, a melhor opção. Infelizmente teremos que esperar pela entrada da Alemanha em recessão para que os seus obtusos governantes o percebam.
Paradoxalmente, é neste momento cada vez mais evidente que esta crise é desnecessária: embora lentamente e em múltiplas etapas e pacotes, todos já perceberam que a Grécia não vai falir, pois é mais caro deixá-la cair do que que salvá-la. Sendo assim, para quê tanta turbulência?
PS - O referendo grego não tem nada a ver com democracia, como alguns clamam pela blogosfera. É, aliás, o contrário da democracia - o povo elegeu Papandreou, logo é este quem deve governar. Entalar o povo com questões de resposta impossível e das quais sairá sempre a perder é destruir a confiança e capacidade de decisão dos eleitores - e é quando as pessoas deixam de acreditar que as democracias morrem e surgem as condições para as ditaduras poderem aparecer.
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