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quarta-feira, janeiro 04, 2012

Acordês 

O que é de mais já enjoa e de facto não posso deixar de reconhecer que me tenho comportado como um verdadeiro e hermético emético. Ainda assim, não há verdadeiramente um limite para a minha capacidade e/ou vontade de escarnecer do Acordo Ortográfico, quer dizer, do acordo ortográfico, e por isso, enquanto for eu quem manda neste blogue, este é e será o tema do momento. Mesmo que os meus textos não sejam lidos por mais ninguém que não eu próprio - o que provavelmente até já acontece.
Tudo isto a propósito do novo fenómeno que grassa na comunicação social portuguesa: o aparecimento de pessoas tão pró-AO, tão pró-AO, que cometem erros ortográficos abrasileirando palavras que nem o próprio Brasil ou o AO têm coragem de abrasileirar.
De facto, nos últimos dias temos assistido à publicação (sobretudo pela RTP, há que reconhecer) de títulos ou segmentos de texto com palavras como "caraterizar" (caracterizar), "fato" (facto), "expetável" (expectável), "inteletual" (intelectual) etc., numa autêntica caça aos cês escondidos atrás de tês, num fervor catanístico que não deixa escapar um único destes exemplares.
Assim, como se não bastasse a cretinice intrínseca de se criarem palavras que antes do AO não existiam em qualquer país ou dialecto conhecido - a minha preferida é a "receção" (recepção), dada a analogia fonética com o clima económico -, não só prescindindo da unificação da respectiva grafia (abdicando desse modo da única vantagem imaginável do AO e do único argumento intelectualmente honesto que poderia sustentar a criação do AO), como promovendo o aparecimento de grafias duplas para palavras que não a tinham, chegámos agora ao absurdo do actual português do Brasil ser mais próximo do anterior português de Portugal do que esta insólita versão pós-AO.
De facto, hoje em dia é menos agoniante ler um texto escrito no Brasil (onde, by the way, ninguém respeita o AO) que em acordês. É aliás curioso verificar como o Brasil e os países da África lusófona (que felizmente também se estão nas tintas para o AO) são o último reduto da língua portuguesa escrita com personalidade, respeito pela respectiva história (que nesses locais tem naturalmente nuances regionais) e pela etimologia das palavras.
Numa fase da história em que Portugal foi obrigado a abdicar da soberania económica e administrativa, é absolutamente estúpido (e profundamente deprimente) que voluntariamente tenhamos desistido da nossa própria língua.

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Comments:
Concordo!
Em tudo. Dá-me a impressão que o AO só veio facilitar a langonice de muitos para escrever português correcto - passou a ser uma óptima desculpa para dar erros ortográficos!
 
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