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sexta-feira, junho 01, 2012

O texto da crónica que fiz para a Rádio Voz da Ria e que provavelmente terá sido transmitido hoje...

Estava há dias na zona de espera de um hospital público quando um indivíduo de ar estranho se aproximou de mim e disse, de uma forma absolutamente inesperada:
- Caçador de tubarões ou tubarão-caçador?
Atónito, respondi que não percebia a pergunta, ao que o meu interlocutor virou costas e, após soltar um grunhido, seguiu viagem.
Ainda hoje não sei o que se passou ou que tipo de código era aquele. Lembrei-me disto a propósito do caso mais mixuruca que nas últimas semanas abalou a sociedade portuguesa: o "caso Miguel Relvas" ou, como os mais ambiciosos lhe chamam, o "caso das secretas". De facto, e ressalvando o facto de estar a escrever este texto no dia 30 de Maio e antes do debate parlamentar sobre a matéria, estamos perante uma polémica tão grande, tão grande, que até as zangas de crianças parecem ter mais importância.
Ora vejamos: tudo começou quando um personagem com epíteto de super-herói, o "superespião" Silva Carvalho (tal como é referido por alguma imprensa) foi acusado de divulgar segredos e documentos internos do serviço de espionagem nacional. E quais eram esses segredos? Nada mais que pequenos e dispersos apanhados de frases retiradas de notícias de jornais e agências noticiosas, todas disponíveis publicamente e que qualquer criança de 12 anos conseguiria obter em menos de um minuto.
A sempre expedita imprensa portuguesa achou que havia aqui matéria para notícia e continuou a escavar o filão. Descobriu-se então que Silva Carvalho tinha trocado 6 mensagens escritas com Miguel Relvas e que diariamente se entretinha a enviar clippings com recortes de jornais (todos disponíveis publicamente) para cerca de 40 personalidades importantes, insinuando-se aparentemente como alguém detentor de enormes informações. Além dos clippings aparentemente também existiam pacotes temáticos, com concentrados de informação (também obtida na net, a partir de fontes públicas e abertas) sobre figuras públicas.
Enfim, nada que qualquer desocupado sonolento não possa fazer em 5 minutos diários de ócio.
Embriagado com tão importantes descobertas, o Público colocou estas questões a Miguel Relvas, tendo-se aparentemente gerado uma discussão em que o ministro ameaçou a jornalista de que divulgaria... o nome do seu namorado!, para além de pedir aos amigos que não falassem mais com ela. É possível encontrar ameaças mais infantis? A não ser que a relação ocorresse às escondidas (o que não foi demonstrado), todos os que partilhassem restaurantes, cinemas, parques públicos e centros comerciais com o dito casalinho certamente que poderiam comprovar o mesmo... Quanto aos amigos, todos sabemos que nos recreios estas coisas de uns não falarem com os outros só duram os primeiros 5 minutos.
Em resumo, temos um ex-espião sem nada que fazer, que vai à net fazer copy-paste da primeira meia-dúzia de notícias ao acaso e escreve nomes de pessoas importantes no Google. Por causa disso o número dois do governo teve uma birra infantil com uma jornalista, que amuou e decidiu brilhar.
Os jornais portugueses há mais de uma semana que dedicam todos os dias uma parte da primeira página ao assunto e até o parlamento vai perder uma tarde a discutir a matéria.
O super-espião aparentemente nem sequer anda de gabardine atrás das pessoas e também não aborda desconhecidos com mensagens codificadas (embora algures na imprensa alguém tenha insinuado que comunicava em "código maçónico"). É apenas mais um desempregado que passa os dias na net a enviar mails de pedido de emprego - apenas o fez de forma mais original e presumindo uma importância e influência que claramente não tem.
A imprensa, essa, comporta-se como sempre: hipersensível às cócegas dos jornaistas e sem a mínima noção da proporcionalidade. É bom sinal quando os temas do dia são deste género, pois isso significa que a selecção estagia com tranquilidade e que a crise vai lentamente sendo resolvida. É também bastante fácil lidar com este assunto: o Roland Garros e os play-offs da NBA estão aí, completamente à mão de cada vez que se inicia um noticiário. É só carregar no botão.

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