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sexta-feira, junho 29, 2012

Uma das verdadeiras 

Há dias apeteceu-me escrever isto. É a minha crónica desta semana na RVR...

Quando ela atravessou a esplanada, os cafés pararam entre o pires e a boca, a espuma dos finos escorreu pelos cantos dos lábios que os bebiam e os tremoços optaram pelas laringes em vez dos esófagos. Depois de tossidos os restos, libertos os gotos e dos guardanapos terem feito o seu serviço peri-bucal, as coisas normalizaram. Alguns olhares femininos foram obstruídos por sobrancelhas franzidas, mas fora isso regressara-se ao patamar anterior.
 A seguir ela atravessou a estrada e chegou à porta do prédio. Tocou à campainha três vezes, como fazem as visitas conhecidas. Atravessou a porta e saiu logo a seguir, inexpressiva. Entre o início da minissaia e o fim dos pés ia uma enorme distância (percorrida nesse sentido), que a esplanada voltou a deslizar com o olhar. Caminhando em linha recta e de costas direitas, fez o percurso inverso, sempre com o olhar fixo num ponto distante, central e imaginário. Para ela, aquela esplanada era como as árvores para os comboios: uma paisagem desfocada, desinteressante e que se atravessa como se não se atravessasse. Quem estava mais perto dela percebeu que por baixo dos seus olhos, quer dizer, por baixo daquele olhar estavam duas olheiras, fundas, densas, provavelmente antigas. O rímel ligeiramente desbotado fazia perceber que havia sido lavado com lágrimas, as mesmas que venceram a dobra das pestanas e deslizaram até ao baton, sulcando de negro as maçãs do rosto. Naquele momento, porém, estava séria e sem emotividade no expressar. Enfrentava a vida de forma dura, coriácea, quase, quer dizer, mesmo bélica.
Quando ele a viu e saltou para o seu colo para receber o abraço que só as mães conseguem dar, os que espreitaram por cima do ombro puderam notar-lhe um brilho aquoso, que quase desaparecera por completo no instante seguinte, em que o encarou e beijou na face. Deu-lhe a mão e seguiram juntos. Ela outra vez dura, forte, quase impassível. Ele com um sorriso sincero de felicidade ingénua. A esplanada não sabia, mas tinham acabado de lhe demonstrar que nem todos caminham à superfície do mundo. E esta foi uma história de amor. Das verdadeiras.

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