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sexta-feira, agosto 10, 2012

Muitos considerarão este texto parvo, pseudo-intelectualóide e, à sua maneira proto-pedante, também um pouco básico. Eu concordo com eles, mas não é por isso que deixo de divulgar por escrito a minha crónica de hoje na RVR:

Há dias ouvi alguém de uma geração anterior à minha lamentar-se de uma suposta onda de divórcios que estaria a afectar vários casais conhecidos, todos na casa dos 30 anos. A evidente bisbilhotice da lamúria vinha travestida de uma preocupação que me pareceu genuína com as crianças envolvidas e acompanhada por um certo desencanto pela perda da magia do casamento. Era a segunda conversa do mesmo género no espaço de uma semana, com pessoas diferentes e que não tinham qualquer relação entre si.
Ainda assim, senti-me apanhado de surpresa, pelo que reagi por instinto e comentei apenas que "o que é preciso é que as pessoas sejam felizes e que possivelmente essa até seria a melhor saída para pais e filhos". A coisa passou-se, falámos do tempo e das medalhas olímpicas, a seguir conversámos sobre nada e depois cada um foi à sua vida.
Entrei no carro e na estrada passei por um daqueles casais que faz passeatas em fila indiana, com o marido à frente da mulher e sem qualquer possibilidade, mesmo física, de diálogo. Sisudos, feios e concentrados, lá seguiam pelo passeio, como que determinados em acabar o mais depressa possível com um momento de iminente intimidade potencial.
Como não é habitual receber e/ou perceber este tipo de mensagens subliminares, demorei bastante a ruminar no que se havia passado, pois de facto estava insatisfeito com a resposta que na altura me saiu. Analisando retrospectivamente aquele momento percebi que tinha sido áspero e desinteressante, embora na verdade não tivesse inicialmente percebido porquê. Era como se discordasse de mim próprio, mas tivesse sido vencido pela minha própria argumentação standardizada e socialmente correcta.
Bem, vamos por partes.
O primeiro problema que surge é que, em vez de histórias de princesas e príncipes encantados que vivem felizes para sempre, hoje contam-se histórias de jovens desencantados, que não se resignam e continuam a tentar alcançar qualquer coisa que ninguém sabe verdadeiramente o que é. Surpreendentemente, fazem-no várias vezes, com pessoas diferentes, por vezes até de sexos variáveis. Ou seja, a infelicidade matrimonial deixou de ser encarada pela sociedade como um fatalismo inexorável, passando a ser vista como um problema transitório e recuperável. Como certamente diria Pedro Passos Coelho, o divórcio passou a ser visto como uma oportunidade. Nesse sentido, e porque as novas oportunidades são coisas boas, não vem daí mal ao mundo - antes pelo contrário, tudo o que possa vir será necessariamente melhor que o que se passava anteriormente. E isto abrange filhos e pais.
Por outro lado, há a questão da sagrada instituição do matrimónio que, dizem os seus defensores, tem a força e a seriedade de trazer consigo um compromisso, que faz com que as pessoas lutem mais facilmente por um casamento do que por um namoro ou união de facto. Segundo esta linha de argumentação, é preciso muito mais amor para manter uma relação deste género do que outra qualquer, pelo que este tipo de blindagem dos relacionamentos é a solução dourada e, em última análise, mais resistente às intempéries e avanços do tempo. Este, confesso, é o argumento que me irrita. Ou seja, as pessoas que gostam de casamentos e que os defendem enquanto paradigma ideal das formulações legais e sociais para gerir a relação de duas pessoas, apontam como principal virtude desta instituição... a carga burocrática associada! No fundo, o que esta gente quer dizer é que dá muito mais trabalho acabar com um casamento do que com um namoro ou união de facto. E por isso, e só por isso, o casamento é melhor (o que faz com que automaticamente o divórcio seja algo de terrível e daí a opinião das minhas interlocutoras anteriores). Enfim, estamos a falar de gente que segura os respectivos maridos e mulheres, não pelo amor, amizade ou gosto pela vida em comum, mas pela densidade da burocracia associada ao fim da relação (apimentada pela reprovação social, naturalmente).
Pois eu tenho uma opinião exactamente oposta. Acho que quanto menos artificialmente protegida estiver uma relação, melhor esta será. Ter as chaves do carro no bolso permite pegar nele a qualquer hora e sair quando não valer mais a pena ficar. Assim, temos a certeza de que só lá estamos enquanto nos sentirmos bem e acharmos que vale a pena. Não porque a burocracia (social ou religiosa) nos obriga, mas simplesmente porque nos apetece.
Há uma onda de divórcios por aí? Quero lá saber... tenho o risotto ao lume, as miúdas a gritar e a minha mulher de rolo da massa em punho à minha espera!

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