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terça-feira, outubro 09, 2012

Ontem à noite estava cheio de sono e mais interessado nos debates sobre futebol. Ainda assim, fui deitando o olho ao Prós e Contras e, como aliás é habitual, irritei-me. Não percebo que tipo de gente é esta (com honrosas excepções, a começar e a acabar em Adalberto Campos Fernandes, que navega em níveis de pensamento muito acima do resto dos debatentes) que consegue ser seleccionada para o debate oficial da nação, mas que na verdade tem pouco mais que um conjunto de vagos preconceitos ideológicos para servir.
Mas comecemos pelo princípio:

  1. O parecer do CNECV não é, na verdade, nada de chocante ou horrorizante. É, no essencial, uma exigência de transparência para um processo que se passa diariamente nos nossos hospitais e que está a ser alvo de um conjunto de decisões arbitrárias, casuísticas e altamente permeáveis a cunhas. Nesse sentido, nada a opor, antes pelo contrário;
  2. Além disso, o CNECV avalia ainda se é ético o acto de racionalizar (e consequentemente racionar) o acesso a cuidados dispendiosos por parte de doentes terminais. Aqui, acho que o CNECV não deveria ter opinado, pela simples razão de que este não é, na verdade, um problema de ética. De facto, esta é em primeiro lugar uma questão técnica (todos conhecemos exemplos de sobrevida de doentes de cancro acima do que seria medicamente expectável) dificilmente generalizável e que, posta nas mãos erradas (leia-se Paulo Macedo), pode ser aproveitada de forma muito negativa e anti-social (com a Troika por aí acho que não é preciso explicar mais nada). É impossível prever (pelo menos de um modo generalizado e não casuístico) se um doente com cancro vai ou não viver os tais 2 meses ou entrar em remissão e não, não é ético demitirmo-nos da luta. Até porque se desistíssemos dos casos que não conseguimos resolver a Medicina simplesmente não avançaria. Não podemos ceder à via mais fácil e imediatista, nem mesmo em tempo de crise;
  3. O argumento clássico nestas ocasiões (o do custo de oportunidade, isto é, das vidas que se poderiam salvar desviando os recursos utilizados para outros cuidados de saúde) é falacioso, pois na verdade, a ser seguido à letra, levaria, no extremo ao fim do progresso da Medicina - haverá sempre potenciais programas preventivos (e outras coisas que tais - e nem sequer estou a falar da Tecnoforma) com capacidade para absorver todos os recursos, se abdicarmos de tratar os casos para os quais ainda não há soluções boas;
  4. Na verdade, esta questão poderia ser avaliada em dois níveis distintos: o da transparência (e aí o CNECV esteve muitíssimo bem) e o da avaliação de tecnologias de saúde, na sua vertente integrada, técnica e económica (sendo que o CNECV não tem vocação ou capacidade técnica para o fazer). E note-se que nem sequer acho que a avaliação de tecnologias de saúde deva ser feita do mesmo modo que o NIHCE o faz (fixando um preço por QALY - ano de vida ajustado à qualidade - como limite de aceitabilidade), mas apenas na vertente de colocar informação organizada, tecnicamente validada e transparente à disposição dos médicos e comissões de farmácia e terapêutica que tomam as decisões no terreno e perante doentes reais.
No fundo, e depois de todo este explanar de tretas, creio que o CNECV cometeu dois erros: por um lado não soube comunicar (falou de um modo demasiado ostensivo e até um pouco exibicionista) e por outro optou por fazer um exercício intelectual de elevado risco. De facto, no actual momento pelo qual passa o país avaliar eticamente o racionamento de cuidados de saúde só poderia dar nisto - todos os intervenientes no teatro público aproveitaram a discussão para o lado que mais lhes interessa (o governo para os cortes e a oposição para expor o estado de degradação a que chegámos). Eticamente é obviamente dificilmente defensável que se gastem recursos com pouca esperança, mas apenas numa perspectiva de curto prazo e tendo em conta a crise. Porque se retirarmos estes factores da equação, então a ética muda de lado.

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Comments:
"só poderia dar nisto - todos os intervenientes no teatro público aproveitaram a discussão para o lado que mais lhes interessa (o governo para os cortes e a oposição para expor o estado de degradação a que chegámos)."

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