quinta-feira, março 28, 2013
Dare Devil e os copinhos de leite
Nos 2 intervalos (de 5 minutos cada, quando muito) que o Canal Panda ontem à noite me concedeu e nos resumos que ao fim do dia vi nos telejornais, assisti ao mais poderoso exercício de oposição dos últimos 2 anos.
O regresso de Sócrates foi, de facto, demolidor: não só arrasou o governo (o que seria previsível e, convenhamos, não era difícil), deixando perceber que com ele Vítor Gaspar nunca teria existido e salientando bem que, comparado com o que se está a fazer hoje, o memorando inicial era quase um episódio da Docinho de Morango, como também teve a inteligência de esmagar um alvo fácil e cujo esmagamento tem sido reclamado por uma parte significativa da população (obviamente refiro-me a Cavaco) e, por fim, de uma forma indirecta mas muitíssimo eficaz, mostrou ao país tudo o que Tozé Seguro deveria ser e não é: um líder carismático, combativo e com ideias bem definidas.
O homem teve dois maus governos, foi despesista, fez asneiras em série e deixou o país nas mãos da Troika? Sim, é verdade. No entanto, ontem recordámo-nos de que numa altura em que estamos sob ataque inimigo (da Troika) dava-nos muito mais jeito ter alguém assim (duro, combativo e com uma obsessão para a fixação numa determinada narrativa - fazendo, com todo o topete, aquilo de que acusava os outros) do que os paus mandados de Angela Merkel ou os copinhos de leite morno que actualmente temos na oposição.
sexta-feira, março 22, 2013
Os Apaziguadores
A história está cheia de gotas de água que fizeram transbordar copos. Foi assim no dia 28 de Junho de 1914, quando Gavrilo Princip, um anónimo estudante sérvio de 19 anos, se aproximou da carruagem onde seguia o arquiduque Franz Ferdinand, herdeiro do poderoso império austro-húngaro e disparou os tiros que o assassinaram.
Depois deste trágico episódio o império austro-húngaro fez à Sérvia o chamado "Ultimato de Julho", que consistia essencialmente um conjunto de exigências consideradas como absolutamente inaceitáveis e que serviram apenas como pretexto para, perante o respectivo incumprimento, se poder declarar guerra à Sérvia. Esta declaração de guerra causou uma cascata de acontecimentos que resultaram na Primeira Guerra Mundial.
É neste ponto que estamos hoje, 99 anos mais tarde. A Alemanha decidiu humilhar Chipre e propôs um conjunto de medidas absurdas, inaceitáveis e sem qualquer efeito prático que não a aplicação de um castigo a um desagradável grupo de pequenos e arrebitados incumpridores da grande cartilha merkeliana. Fê-lo porque vai ter eleições internas em Outubro e porque, segundo as cabeças pensantes da CDU alemã, esta é a forma mais prática e instantânea de ganhar popularidade.
Esqueceu-se, porém, que há mais carteiras no mundo e sobretudo não teve em conta que os russos sempre que vêem a Europa em dificuldades gostam de dar um empurrãozinho, nem que seja apenas para mostrar quem manda.
Merkel e os seus lacaios ficaram a falar sozinhos e mais uma vez se viu que a UE é um grupo de nações circunstancial, táctica e formalmente unidas, mas que na verdade não têm o mínimo respeito umas pelas outras. Chipre é um país pequeno e pacífico, que apesar de estar territorialmente usurpado pela Turquia, encontrou um modelo de desenvolvimento que assenta num sistema bancário dinâmico, competitivo e com uma enorme capacidade de atrair depósitos externos. Aparentemente isso foi um atrevimento demasiado para o sistema nervoso de Angela Merkel, que sem perder demasiado tempo tratou de procurar esmagar o insecto irritante. Entre a espada e uma parede de espetos, Chipre mandou a espada à Merkel e fez-se à vida, resolvendo o problema da forma mais fácil.
O problema é que, tal como Gavrilo Princip em 1914, o Chipre é apenas a ponta de um iceberg de relações geoestratégicas complexas e cujo desequilíbrio pode gerar consequências imprevisíveis. Se a Rússia ajudar Chipre e este país sair do Euro (e seguramente que o fará a curto prazo, caso tenha a protecção russa), isso vai desencadear reacções em cadeia em muitas outras capitais, a começar precisamente pela vizinha Atenas, a braços com o mesmo problema e cuja população não vai aceitar o papel do trouxa que olha para um vizinho do lado que se safou à grande de uma complicação idêntica à sua e que no seu caso lhe está a provocar uma verdadeira catástrofe económico-social.
Se a Grécia seguir Chipre na saída do Euro e eventualmente também da UE, podemos estar perante a criação de um novo Pacto de Varsóvia, com a Europa a repolarizar novamente a Leste. Ora, este tipo de recuperação da influência geostratégica é manteiga no focinho do cão para a Rússia, que perante um cenário político interno progressivamente mais instável não vai seguramente enjeitar esta possibilidade de recuperar o seu papel global.
E é nessa altura que as coisas vão acontecer em cascata, provavelmente a uma velocidade vertiginosa: perante uma Europa em desagregação, o Reino Unido será, com toda a probabilidade, quem saltará fora mais cedo, dado o seu mais que fundamentado euro-cepticismo. Por outro lado, a federação de amigos da Alemanha e França (isto é, o que restar da União Europeia), com este tipo de saídas vai ficar progressivamente mais fraca no plano político, o que vai abrir espaço para a entrada em cena de outros actores. É relativamente fácil prever que os chineses vão ter todo o gosto em continuar a comprar as EDPs que por aí existirem e concorrer com os russos na influência regional na Europa.
E na frente económica as coisas só podem piorar: é que, à medida que os contra-pesos pobrezinhos forem saindo do Euro, este será uma moeda cada vez mais forte, com tudo o que isso implica para as exportações alemãs. De facto, a Alemanha precisa dos pobres do sul para manter o Euro a níveis aceitáveis e precisa que estes continuem pobres, sob pena de se tornarem inúteis. A paradoxal fragilidade do Euro forte só o tornará mais exposto às investidas russas e chinesas, que seguramente vão acabar por recortar as várias camadas da cebola europeia até deixar novamente a Alemanha sozinha.
E no meio disto tudo Portugal decidiu-se pelo papel do apaziguador, como escrevia há dias José Eduardo Martins no Jornal de Negócios, citando Churchill. O problema é que, como disse um dia este ex-primeiro-ministro britânico, "o apaziguador dá de comer ao crocodilo na esperança de ser comido por último". E, acrescento eu, algures no meio desta história vamos dar por nós dentro do estômago de alguém, provavelmente rodeados por chop-suey por todos os lados.
Depois deste trágico episódio o império austro-húngaro fez à Sérvia o chamado "Ultimato de Julho", que consistia essencialmente um conjunto de exigências consideradas como absolutamente inaceitáveis e que serviram apenas como pretexto para, perante o respectivo incumprimento, se poder declarar guerra à Sérvia. Esta declaração de guerra causou uma cascata de acontecimentos que resultaram na Primeira Guerra Mundial.
É neste ponto que estamos hoje, 99 anos mais tarde. A Alemanha decidiu humilhar Chipre e propôs um conjunto de medidas absurdas, inaceitáveis e sem qualquer efeito prático que não a aplicação de um castigo a um desagradável grupo de pequenos e arrebitados incumpridores da grande cartilha merkeliana. Fê-lo porque vai ter eleições internas em Outubro e porque, segundo as cabeças pensantes da CDU alemã, esta é a forma mais prática e instantânea de ganhar popularidade.
Esqueceu-se, porém, que há mais carteiras no mundo e sobretudo não teve em conta que os russos sempre que vêem a Europa em dificuldades gostam de dar um empurrãozinho, nem que seja apenas para mostrar quem manda.
Merkel e os seus lacaios ficaram a falar sozinhos e mais uma vez se viu que a UE é um grupo de nações circunstancial, táctica e formalmente unidas, mas que na verdade não têm o mínimo respeito umas pelas outras. Chipre é um país pequeno e pacífico, que apesar de estar territorialmente usurpado pela Turquia, encontrou um modelo de desenvolvimento que assenta num sistema bancário dinâmico, competitivo e com uma enorme capacidade de atrair depósitos externos. Aparentemente isso foi um atrevimento demasiado para o sistema nervoso de Angela Merkel, que sem perder demasiado tempo tratou de procurar esmagar o insecto irritante. Entre a espada e uma parede de espetos, Chipre mandou a espada à Merkel e fez-se à vida, resolvendo o problema da forma mais fácil.
O problema é que, tal como Gavrilo Princip em 1914, o Chipre é apenas a ponta de um iceberg de relações geoestratégicas complexas e cujo desequilíbrio pode gerar consequências imprevisíveis. Se a Rússia ajudar Chipre e este país sair do Euro (e seguramente que o fará a curto prazo, caso tenha a protecção russa), isso vai desencadear reacções em cadeia em muitas outras capitais, a começar precisamente pela vizinha Atenas, a braços com o mesmo problema e cuja população não vai aceitar o papel do trouxa que olha para um vizinho do lado que se safou à grande de uma complicação idêntica à sua e que no seu caso lhe está a provocar uma verdadeira catástrofe económico-social.
Se a Grécia seguir Chipre na saída do Euro e eventualmente também da UE, podemos estar perante a criação de um novo Pacto de Varsóvia, com a Europa a repolarizar novamente a Leste. Ora, este tipo de recuperação da influência geostratégica é manteiga no focinho do cão para a Rússia, que perante um cenário político interno progressivamente mais instável não vai seguramente enjeitar esta possibilidade de recuperar o seu papel global.
E é nessa altura que as coisas vão acontecer em cascata, provavelmente a uma velocidade vertiginosa: perante uma Europa em desagregação, o Reino Unido será, com toda a probabilidade, quem saltará fora mais cedo, dado o seu mais que fundamentado euro-cepticismo. Por outro lado, a federação de amigos da Alemanha e França (isto é, o que restar da União Europeia), com este tipo de saídas vai ficar progressivamente mais fraca no plano político, o que vai abrir espaço para a entrada em cena de outros actores. É relativamente fácil prever que os chineses vão ter todo o gosto em continuar a comprar as EDPs que por aí existirem e concorrer com os russos na influência regional na Europa.
E na frente económica as coisas só podem piorar: é que, à medida que os contra-pesos pobrezinhos forem saindo do Euro, este será uma moeda cada vez mais forte, com tudo o que isso implica para as exportações alemãs. De facto, a Alemanha precisa dos pobres do sul para manter o Euro a níveis aceitáveis e precisa que estes continuem pobres, sob pena de se tornarem inúteis. A paradoxal fragilidade do Euro forte só o tornará mais exposto às investidas russas e chinesas, que seguramente vão acabar por recortar as várias camadas da cebola europeia até deixar novamente a Alemanha sozinha.
E no meio disto tudo Portugal decidiu-se pelo papel do apaziguador, como escrevia há dias José Eduardo Martins no Jornal de Negócios, citando Churchill. O problema é que, como disse um dia este ex-primeiro-ministro britânico, "o apaziguador dá de comer ao crocodilo na esperança de ser comido por último". E, acrescento eu, algures no meio desta história vamos dar por nós dentro do estômago de alguém, provavelmente rodeados por chop-suey por todos os lados.
(texto da minha crónica de hoje na RVR. O som pode ser ouvido aqui, com banda sonora incluída).