sábado, abril 20, 2013
Segurando 1/4 de um rectângulo de papel higiénico, a minha filha que fazia 5 anos nesse dia disse-me: só posso limpar o pipi com isto, porque Portugal está em crise!
sexta-feira, abril 19, 2013
Robert Edwards
A minha crónica da RVR desta semana foi sobre Robert Edwards. Aqui fica o texto (o som pode ser ouvido aqui):
Foi em 1931 que Aldous Huxley, um escritor britânico que posteriormente veio a ser considerado um dos baluartes do pensamento moderno, escreveu o seu “Admirável Mundo Novo”. O livro era um fantástico exercício futurista, passado em Londres no ano de 2540 e constituía essencialmente aquilo a que o seu autor se referia como “utopia negativa”, ou seja, era uma espécie de sátira pessimista sobre o futuro, com especial ênfase em aspectos como a reprodução humana e o condicionamento psicológico e biológico da nossa espécie. Do livro constavam passagens como esta:
“As batas dos trabalhadores eram brancas e as mãos, enluvadas em borracha, pálidas, de aspecto asséptico. Um tapete rolante continuava a sua marcha enchendo o ar com o matraquilhar macio das suas engrenagens. Sobre ele milhares de provetas geometricamente alinhadas deixavam entrever um líquido quente e gelatinoso onde nadavam embriões humanos. Os transportadores continuavam a sua marcha lenta com o seu carregamento de homens e mulheres do futuro”.
A reprodução in vitro era de facto uma velha ambição da humanidade e a angústia perante o desconhecido fazia com que este cenário fosse encarado como algo de temível, longínquo, apenas alcançável por uma entidade superior e necessariamente má, tão fortes seriam os poderes na sua posse.
No entanto, a realidade ultrapassou a ficção e, 562 anos mais cedo do que Huxley previu (mas infelizmente 15 anos após a sua morte), foi mesmo possível concretizar o que até então parecia impossível: contra tudo e contra todos, perante o cepticismo geral e os medos de muitos, em Inglaterra, em 1978, Patrick Steptoe e Robert Edwards conseguiram o nascimento de uma criança após a realização de um tratamento de fecundação in vitro. Foi uma pedrada no charco, conseguida após anos de trabalho duma pequena equipa subfinanciada e quase solitária, criticada por muitos e completamente fora do star system dos investigadores da época.
Eram tempos em que tudo faltava: quando Edwards e Steptoe começaram a trabalhar nas suas tentativas de desenvolver a fecundação in vitro não existiam medicamentos adequados ao processo de estimulação ovárica, não se conhecia completamente o efeito de alguns dos poucos fármacos que existiam à época, não existiam catéteres apropriados para transferir embriões, os métodos analíticos necessários para aferir a concentração urinária ou sérica das várias hormonas envolvidas no processo de ovulação eram quase inexistentes, os meios de cultura e as condições laboratoriais eram absolutamente primários e nem sequer existiam testes de gravidez que permitissem conhecer imediatamente o resultado dos tratamentos!
Como também estávamos numa época em que as ecografias obstétricas ou não existiam ou estavam ainda a dar os primeiros passos, ninguém sabia verdadeiramente o que é que se estava a passar no útero de Lesley Brown, a primeira mãe de uma criança nascida por fecundação in vitro. Havia o receio de se estarem a criar monstros ou crianças com anomalias graves e, como se poderá pensar, o conservadorismo religioso encarava esta situação com o maior cepticismo. A própria universidade de Cambridge, a que Edwards e Steptoe estavam ligados, não encarava esta linha de investigação com bons olhos e por isso deslocalizou-os para Oldham, o que seria mais ou menos equivalente ao que sucederia se uma grande descoberta da Universidade de Coimbra fosse na realidade obtida em Condeixa.
Louise Brown, a menina que a 25 de Julho de 1978 se tornou na primeira criança a nível mundial nascida após a realização de um tratamento de fecundação in vitro, foi concebida após um tratamento em ciclo natural (isto é, sem estimulação ovárica), do qual resultou um único óvulo, que foi inseminado e transferido para o útero de Lesley Brown, uma inglesa de 30 anos com ambas as trompas obstruídas e uma história de mais de 9 anos de infertilidade. Quatro anos mais tarde, Lesley deu à luz uma segunda criança, Natalie Brown, na sequência de novo tratamento de fecundação in vitro. Em 1999 Natalie tornou-se na primeira criança nascida após fecundação in vitro a ser, ela própria, mãe de uma criança: aos 17 anos Natalie foi mãe de Casey, uma menina nascida após concepção natural. Era a prova que faltava e o fim do estigma para muitas outras crianças nascidas pelo mesmo método.
Robert Edwards, agraciado com o Prémio Nobel da Medicina em 2010 devido a esta fantástica descoberta (Steptoe faleceu em 1988), era um homem absolutamente brilhante, um embriologista visionário que teve a capacidade de persistir na luta pelas suas ideias e lutar de um modo perseverante contra as sucessivas adversidades que enfrentou. Este processo teve tudo para correr mal – e de facto foram necessários mais de 10 anos de investigação para que fosse possível o nascimento de Louise. No entanto, Edwards e Steptoe, com uma ética científica imbatível e uma capacidade de ousar inovar com pouco paralelismo a nível mundial lutaram sempre pelas ideias em que acreditavam e hoje o mundo seria um lugar completamente diferente se eles tivessem desistido.
Depois de 1978 tudo mudou: os nascimentos de crianças após fecundação in vitro multiplicaram-se e espalharam-se por todo o mundo. Hoje em dia são mais de 5 milhões as crianças nascidas na sequência destes tratamentos!
Robert Edwards e Patrick Steptoe ficarão na história como duas das pessoas que mais alegria trouxeram ao mundo em que vivemos. A humanidade deve-lhes muito, não só pelo valor da sua descoberta, mas sobretudo pelo capital de esperança que trouxeram a tantas pessoas. A infertilidade afecta 1 em cada 10 casais e para eles esta descoberta é uma verdadeira razão para viver.
Foi em 1931 que Aldous Huxley, um escritor britânico que posteriormente veio a ser considerado um dos baluartes do pensamento moderno, escreveu o seu “Admirável Mundo Novo”. O livro era um fantástico exercício futurista, passado em Londres no ano de 2540 e constituía essencialmente aquilo a que o seu autor se referia como “utopia negativa”, ou seja, era uma espécie de sátira pessimista sobre o futuro, com especial ênfase em aspectos como a reprodução humana e o condicionamento psicológico e biológico da nossa espécie. Do livro constavam passagens como esta:
“As batas dos trabalhadores eram brancas e as mãos, enluvadas em borracha, pálidas, de aspecto asséptico. Um tapete rolante continuava a sua marcha enchendo o ar com o matraquilhar macio das suas engrenagens. Sobre ele milhares de provetas geometricamente alinhadas deixavam entrever um líquido quente e gelatinoso onde nadavam embriões humanos. Os transportadores continuavam a sua marcha lenta com o seu carregamento de homens e mulheres do futuro”.
A reprodução in vitro era de facto uma velha ambição da humanidade e a angústia perante o desconhecido fazia com que este cenário fosse encarado como algo de temível, longínquo, apenas alcançável por uma entidade superior e necessariamente má, tão fortes seriam os poderes na sua posse.
No entanto, a realidade ultrapassou a ficção e, 562 anos mais cedo do que Huxley previu (mas infelizmente 15 anos após a sua morte), foi mesmo possível concretizar o que até então parecia impossível: contra tudo e contra todos, perante o cepticismo geral e os medos de muitos, em Inglaterra, em 1978, Patrick Steptoe e Robert Edwards conseguiram o nascimento de uma criança após a realização de um tratamento de fecundação in vitro. Foi uma pedrada no charco, conseguida após anos de trabalho duma pequena equipa subfinanciada e quase solitária, criticada por muitos e completamente fora do star system dos investigadores da época.
Eram tempos em que tudo faltava: quando Edwards e Steptoe começaram a trabalhar nas suas tentativas de desenvolver a fecundação in vitro não existiam medicamentos adequados ao processo de estimulação ovárica, não se conhecia completamente o efeito de alguns dos poucos fármacos que existiam à época, não existiam catéteres apropriados para transferir embriões, os métodos analíticos necessários para aferir a concentração urinária ou sérica das várias hormonas envolvidas no processo de ovulação eram quase inexistentes, os meios de cultura e as condições laboratoriais eram absolutamente primários e nem sequer existiam testes de gravidez que permitissem conhecer imediatamente o resultado dos tratamentos!
Como também estávamos numa época em que as ecografias obstétricas ou não existiam ou estavam ainda a dar os primeiros passos, ninguém sabia verdadeiramente o que é que se estava a passar no útero de Lesley Brown, a primeira mãe de uma criança nascida por fecundação in vitro. Havia o receio de se estarem a criar monstros ou crianças com anomalias graves e, como se poderá pensar, o conservadorismo religioso encarava esta situação com o maior cepticismo. A própria universidade de Cambridge, a que Edwards e Steptoe estavam ligados, não encarava esta linha de investigação com bons olhos e por isso deslocalizou-os para Oldham, o que seria mais ou menos equivalente ao que sucederia se uma grande descoberta da Universidade de Coimbra fosse na realidade obtida em Condeixa.
Louise Brown, a menina que a 25 de Julho de 1978 se tornou na primeira criança a nível mundial nascida após a realização de um tratamento de fecundação in vitro, foi concebida após um tratamento em ciclo natural (isto é, sem estimulação ovárica), do qual resultou um único óvulo, que foi inseminado e transferido para o útero de Lesley Brown, uma inglesa de 30 anos com ambas as trompas obstruídas e uma história de mais de 9 anos de infertilidade. Quatro anos mais tarde, Lesley deu à luz uma segunda criança, Natalie Brown, na sequência de novo tratamento de fecundação in vitro. Em 1999 Natalie tornou-se na primeira criança nascida após fecundação in vitro a ser, ela própria, mãe de uma criança: aos 17 anos Natalie foi mãe de Casey, uma menina nascida após concepção natural. Era a prova que faltava e o fim do estigma para muitas outras crianças nascidas pelo mesmo método.
Robert Edwards, agraciado com o Prémio Nobel da Medicina em 2010 devido a esta fantástica descoberta (Steptoe faleceu em 1988), era um homem absolutamente brilhante, um embriologista visionário que teve a capacidade de persistir na luta pelas suas ideias e lutar de um modo perseverante contra as sucessivas adversidades que enfrentou. Este processo teve tudo para correr mal – e de facto foram necessários mais de 10 anos de investigação para que fosse possível o nascimento de Louise. No entanto, Edwards e Steptoe, com uma ética científica imbatível e uma capacidade de ousar inovar com pouco paralelismo a nível mundial lutaram sempre pelas ideias em que acreditavam e hoje o mundo seria um lugar completamente diferente se eles tivessem desistido.
Depois de 1978 tudo mudou: os nascimentos de crianças após fecundação in vitro multiplicaram-se e espalharam-se por todo o mundo. Hoje em dia são mais de 5 milhões as crianças nascidas na sequência destes tratamentos!
Robert Edwards e Patrick Steptoe ficarão na história como duas das pessoas que mais alegria trouxeram ao mundo em que vivemos. A humanidade deve-lhes muito, não só pelo valor da sua descoberta, mas sobretudo pelo capital de esperança que trouxeram a tantas pessoas. A infertilidade afecta 1 em cada 10 casais e para eles esta descoberta é uma verdadeira razão para viver.
quarta-feira, abril 10, 2013
Danças, contradanças, um estalido e uma bola colorida
Quando o governo aprovou o OE para 2013 todos sabiam que este era anti-constitucional. Na verdade, o TC foi muitíssimo brando na apreciação que fez, tanto era o material por onde escolher (eu, que sou um reconhecidíssimo constitucionalista blogosférico, já aqui chamei a atenção para o conveniente facto das medidas que abrangem pensionistas e funcionários públicos - os grupos sociais a que os juízes do TC pertencem ou pertencerão - terem sido escolhidas como alvo preferencial de correcção pelo TC).
Também todos sabíamos que PPC e Gaspar nunca se poderiam demitir após dois orçamentos anti-constitucionais (dois em dois) e daí que o dramatismo tenha sido, no essencial, uma palhaçada.
Se mais dúvidas houvessem, também todos sabíamos que Miguel Relvas nunca sairia pelo seu próprio pé na véspera da demissão "por culpa do TC" de todo o governo.
A própria troika sabia que o OE era inconstitucional e por isso tratou atempadamente de acautelar os tais 4 mil milhões de almofada (eram 5 mil milhões as normas que estavam em causa).
Mais ainda, José Sócrates também nunca teria escolhido fazer a vida negra a António José Seguro nesta altura se existisse algum risco do governo se demitir.
O próprio Cavaco sabia que o OE iria ser constitucionalmente chumbado e que o governo iria dramatizar e por isso, na única atitude politicamente inteligente que lhe vi em toda a minha vida (e provavelmente também na dele), desvalorizou o dramatismo antes mesmo deste acontecer.
Também António Costa resguardou-se a tempo quando percebeu que o governo iria durar até ao fim.
Por fim, o único que aparentemente não sabia de nada era António José Seguro: a moção de censura nesta altura foi um tiro, perdão um estalido, de pólvora seca absolutamente estéril e inconsequente, mediaticamente atropelado pelo regresso de Sócrates, pela demissão de Relvas e pelas danças em torno da decisão do TC. Pior ainda, Seguro enredou-se entre um radicalismo que não vai poder ter consequências (não pode passar os próximos 2 anos a pedir a demissão de um governo que não vai cair - e no campo do radicalismo BE e CDU não lhe deixam qualquer veleidade syrizadora), o facto de já não poder fazer parte da solução (porque na verdade é parte do problema) e a rasteira que PPC e Portas lhe pregaram, ao envolvê-lo novamente com a troika, desta vez à força, contra a sua vontade e sem margem para recuar.
Enfim, e enquanto estas danças se processam, o mundo pula e avança como uma bola colorida nas mãos destas crianças...!
Também todos sabíamos que PPC e Gaspar nunca se poderiam demitir após dois orçamentos anti-constitucionais (dois em dois) e daí que o dramatismo tenha sido, no essencial, uma palhaçada.
Se mais dúvidas houvessem, também todos sabíamos que Miguel Relvas nunca sairia pelo seu próprio pé na véspera da demissão "por culpa do TC" de todo o governo.
A própria troika sabia que o OE era inconstitucional e por isso tratou atempadamente de acautelar os tais 4 mil milhões de almofada (eram 5 mil milhões as normas que estavam em causa).
Mais ainda, José Sócrates também nunca teria escolhido fazer a vida negra a António José Seguro nesta altura se existisse algum risco do governo se demitir.
O próprio Cavaco sabia que o OE iria ser constitucionalmente chumbado e que o governo iria dramatizar e por isso, na única atitude politicamente inteligente que lhe vi em toda a minha vida (e provavelmente também na dele), desvalorizou o dramatismo antes mesmo deste acontecer.
Também António Costa resguardou-se a tempo quando percebeu que o governo iria durar até ao fim.
Por fim, o único que aparentemente não sabia de nada era António José Seguro: a moção de censura nesta altura foi um tiro, perdão um estalido, de pólvora seca absolutamente estéril e inconsequente, mediaticamente atropelado pelo regresso de Sócrates, pela demissão de Relvas e pelas danças em torno da decisão do TC. Pior ainda, Seguro enredou-se entre um radicalismo que não vai poder ter consequências (não pode passar os próximos 2 anos a pedir a demissão de um governo que não vai cair - e no campo do radicalismo BE e CDU não lhe deixam qualquer veleidade syrizadora), o facto de já não poder fazer parte da solução (porque na verdade é parte do problema) e a rasteira que PPC e Portas lhe pregaram, ao envolvê-lo novamente com a troika, desta vez à força, contra a sua vontade e sem margem para recuar.
Enfim, e enquanto estas danças se processam, o mundo pula e avança como uma bola colorida nas mãos destas crianças...!
sábado, abril 06, 2013
Embora não tenha sido um espectador particularmente atento às reacções à sentença do TC, devo confessar que fiquei chocado. Aparentemente em Portugal é constitucionalmente aceitável que o governo aumente os impostos muito para além de toda a razoabilidade, encontrando-se apenas problemas quando as medidas incidem sobre funcionários públicos e pensionistas.
Mas que raio de Constituição é esta, que apenas protege um determinado tipo de cidadãos (curiosamente, os únicos "grupos" em que os próprios elementos do TC se inserem ou inserirão)?
Tudo isto é, de facto, profundamente lamentável: a Troika governa-nos sem legitimidade, contra todas as leis e de uma forma absolutamente incompetente, o governo valida e subscreve esta forma de actuação e o TC preocupa-se apenas em "safar" os seus.
Raios os partam a todos.