domingo, dezembro 31, 2006
Sou capaz de encontrar sentido na divisão do José Matos e secundá-la quer em relação aos pontos mais genéricos e pacíficos (os respeitantes às infra-estruturas e, em especial, ao Centro de Ciência Egas Moniz e à articulação com as Escolas), quer no que respeita à absoluta necessidade de estabelecer parceiras de dimensão intermunicipal. Não terei tantas certezas e serei mesmo crítico em relação ao resto se estivermos a falar no mesmo perfil de apoio dos últimos anos (incluindo aqueles em que tive responsabilidade directa no mesmo). O avolumar do apego doentio e contraproducente das estruturas culturais em relação ao poder é aflitivo e consegue subverter qualquer esforço (como aqueles que foram feitos quer com o Programa de Apoio aos Agentes Culturais de Estarreja - PACE, quer com o Programa de Apoio ao Desporto de Estarreja - PADE) disciplinador e/ou de restrição. Acontece, quer com as estruturas amadoras, quer com as de perfil profissional, uma crescente dependência das verbas de origem estatal (demasiadamente oscilantes em função de vontades políticas mais ou menos intervencionistas) e uma decrescente atenção sobre a sustentabilidade económica e o enraizamento dos projectos culturais. A verdade é que, ao contrário de todos os outros sectores de actividade, se parece vir dispensando a cultura de levar em conta a facturação e a atenção ao cliente. Mesmo pensando que as características muito especiais que envolvem a tradução da oferta cultural em público, vendas e posicionamento no mercado, modificam necessariamente muita da teoria mais usada nestas circunstâncias, não é possível deixar de ver um fundo de razão em atitudes que, apesar de mais radicais, se sustentam na justeza de aplicação de dinheiros públicos face à existência de público. Seria mesmo capaz de confessar que me afligiu, aflige, afligirá, todo o cêntimo gasto em actividades das quais a população não retira proveito. Aceito o argumento do público como um importante critério para a atribuição de apoios, mas reconheço que esse é o meio mais célere para o fim de importantes disciplinas de manifestação cultural. É aqui que me parece fundamental a associação de uma atitude de aproximação ao meio, de investimento em relações interactivas, educativas e reprodutoras junto da população - só essa atitude dedicada e paciente poderá criar empatia que se traduza em adesão, em proximidade. E essa atitude marca a diferença entre quem pretende afirmar a cultura em favor dos outros e aqueles que se pretendem afirmar através da cultura e apesar dos outros.
Por fim e sobretudo porque existem precedentes graves e dificilmente ultrapassáveis ou desprezáveis, reforço a opinião de que jogar dinheiro para cima dos problemas é a pior opção (mas uma tentação a que muito dificilmente se resiste). Existe, ainda, outra forma possível de responsabilização que traria, quanto a mim, vantagens. Se estabelecermos objectivos (mesmo que rendidos à argumentação estatística) ao nível da instrução musical, dramática, plástica, exactamente como fazemos com a expressão escrita, com a capacidade de raciocínio e conclusões matemáticas, com as línguas, etc., acredito que seremos, a médio prazo, capazes de encontrar, nos nossos filhos, um público evoluído, atento, aberto e pronto para decidir, sem sequer sujeição aos típicos argumentos mais pífios (incluo aqui tanto os complexos em relação a autores mais vanguardistas, como o simplismo da força do público). Coloco no lado da educação o lugar principal e verdadeiramente importante da actuação da autarquia no âmbito cultural. Serão iniciativas que levem a música, o teatro, as artes plásticas à escola aquelas que devem obter mais atenção e esforço. É um percurso de vários anos e profundas alterações na forma como olhamos a "coisa", mas é uma questão de coerência, preparação do futuro e condução correcta e justa dos dinheiros públicos.
Nota: É interessante verificar que de um modo geral estamos todos de acordo...!
Etiquetas: Política Estarrejense