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quarta-feira, novembro 21, 2007


Foto: Impressões de Um Boticário de Província

Ontem ao fim do dia acabei por ter um inesperado protagonismo no debate que se seguiu à conferência do Prof. Pedro Pita Barros ("Propriedade das Farmácias - Mitos e Argumentos"), promovida pela Secção Regional de Coimbra da Ordem dos Farmacêuticos e que decorreu em Coimbra, no Hotel D. Luís. De facto, ia preparado para intervir e fazer pequenos comentários e perguntas ao orador (cuja conferência eu já conhecia, pois havia sido apresentada na AR a 23/10), mas acabei por ter direito a uma intervenção de fundo.
Foi fantástico.
Tive oportunidade de conhecer pessoalmente o Prof. Pedro Pita Barros (na minha opinião o melhor Economista da Saúde português), com o qual, mesmo não se concordando (como era o meu caso...), de facto dá gosto discutir. PPB é uma pessoa de espírito aberto e ousado, que não tem medo das discussões académicas e que gosta de dar o peito às balas mesmo em ambientes adversos (como era uma plateia de cerca de 80 farmacêuticos). PPB gosta de desmontar e analisar sistematicamente os argumentos dos que o contrariam e é imaginativo na forma como tenta abordar as questões em perspectivas diferentes das habituais.
Não é fácil debater com alguém assim, pois as discussões abertas são sempre mais difíceis que aquelas em que cada uma das partes finca pé na sua posição. Fora das trincheiras, a guerra é sempre mais arriscada :))
De qualquer modo, penso que a conversa correu bem. Após a minha intervenção, PPB reduziu inteligentemente o assunto ao caroço: uma grande parte dos argumentos a favor da reserva de propriedade para os farmacêuticos têm a ver com a ética profissional. Segundo PPB, os farmacêuticos têm uma posição de alguma arrogância intelectual quando afirmam que têm mais ética que os novos empresários que entrarão no sector das farmácias. Na altura não respondi, pois não era esse o meu papel: estávamos num debate em que a estrela convidada era PPB e a mim apenas me caberiam as funções de comentador/reaccionário de serviço. Além disso, havia imensa gente inscrita para falar.
Contudo, aproveitando o espaço e tempo deste blogue, não posso deixar de responder para quem me quiser ler: é verdade que esta é uma questão essencialmente ética. E até posso aceitar que de facto os farmacêuticos têm sido arrogantes nesta questão. No entanto, quando se desenha um modelo de serviços farmacêuticos para um país ou quando se avaliam medidas políticas, o que está essencialmente em causa são os incentivos que se criam. Por outro lado, pelo que foi demonstrado, os farmacêuticos provaram ao longo de vários anos que estariam dispostos a abdicar de alguma rentabilidade das farmácias para poder promover uma série de medidas e serviços que não são economicamente compensatórios (programas de cuidados farmacêuticos, recusa de vendas, protocolo diabetes, troca de seringas, programa da metadona, aumento do número médio de farmacêuticos por farmácia, alargamento de horários, etc.). Ou seja, de um modo global, a ética dos farmacêuticos foi demonstrada (com resultados positivos) ao longo dos últimos 20 ou 30 anos. Em relação aos outros empresários, o melhor que lhes poderemos dar é o benefício da dúvida. No entanto, a própria arquitectura do sistema constitui um incentivo negativo relativamente à prestação de melhores cuidados de saúde por parte dos novos agentes que entrarão no sector: as farmácias são um negócio economicamente apertado e com rentabilidades que a curto prazo não compensam os preços de mercado (o que é uma tentação para políticas de esmagamento de custos, economias de escala, integração horizontal e vertical, expansão de vendas, etc.). É evidente que cada caso é um caso e em todos os sectores há bons e maus profissionais, boas e más pessoas, exemplos positivos e negativos. Contudo, se analisarmos os incentivos que actualmente existem no terreno, parece legítimo que se levante a questão do problema ético, que não é pouco relevante!
Enfim, a conversa foi extremamente produtiva e de facto só é pena que ocorra numa fase póstuma da lei. Debates públicos deste género são muitíssimo interessantes e constituem um bem de primeira necessidade em sociedades democráticas. Ontem, a SR de Coimbra da OF promoveu um excelente momento de exercício de cidadania também por parte de uma estrutura profissional.
Agradeço ao Boticário a foto (que me surpreendeu e utilizei sem autorização prévia:)) e as simpáticas palavras que me dirige. Aconselho também a leitura das suas Impressões, que são um bom acréscimo ao que aqui referi.

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Comments:
O ponto essencial não é exactamente a ética. O ponto fulcral da questão é que o valor de um trespasse diminuiria drasticamente no momento da liberalização total do mercado. Isso e a questão de partilhar lucros de monopólios locais, que com a liberalização desapareceriam.
Isso seria um ponto interessante para o debate, mas o Barros não quis ser espancado na sessão.
 
Olá Pedro. O que estava em discussão era só a propriedade e não a instalação.
A liberalização da instalação originaria problemas de equidade (os países de mercado liberal têm menos farmácias por habitante que os que têm acesso condicionado, com as farmácias concentradas nos grandes centros populacionais e as farmácias de aldeia a fecharem em série, como aconteceu na Noruega ou na Islândia). De qualquer modo, não era este o tema do debate. E, caso o fosse, seguramente que o PPB não teria qualquer problema em abordá-lo com a mesma frontalidade. E também estou convencido que a reacção do público seria a mesma de terça-feira.
 
Boa tarde Vladimiro,
Eu entendi a orientação do debate, a questão é que também penso que seja um pouco de arrogância a posição sobre a propriedade. Se tiveres como exemplo a produção de medicamentos, uma empresa como a pfizer tem milhares de accionistas, sendo que os principais não(ou muito dificilmente) terão outro objectivo que não o lucro. E é nessa procura de lucro que servem as necessidades das pessoas (a velha questão da mão invisível). Se aplicasses o mesmo critério, quem poderia ser dono de um laboratório? Saberás melhor do que eu que existe algum poder por parte dos farmacêuticos nas empresas grossistas (alguns quadros superiores e intermédios das principais empresas de distribuição têm ligações indirectas, quando não são mesmo directas com proprietários de farmácias) por isso também não entendo a questão do receio da integração vertical do negócio.A questão do espancamento era puramente jocoso.
Um abraço
 
Aditamento:
Penso que é um pouco difícil falar da propriedade sem ao mesmo tempo abordar a questão da instalação. Porque nesse caso, a liberalização de propriedade apenas levaria à transferência do excedente do produtor (farmacêutico) para outro indivíduo (não farmacêutico). Mas é um sector tão regulado e na minha perspectiva, regulação é sinónimo de protecção económica e favorecimento (quase sempre).
 
Olá Vladimiro.
Adorei a tua intervenção na conferência.
Assim como adorei, devo dizê-lo, a intervenção do "mestre" Pita Barros.
Adorei ambas, não porque concorde com tudo o que nelas foi dito, mas porque se trataram, sem dúvida, de exposições assertivas e cativantes em que ambos expuseram os seus argumentos de forma muito honesta.
Sou farmacêutico, queria tender mais para o lado do Vladimiro, mas o facto é que, apesar de ter simpatizado mais com a sua perspectiva farmacêutica, fui igualmente sensível à visão economista do Prof. PPB.
A minha conclusão muito pessoal disto tudo é que caberia, tal como coube efectivamente, ao poder político, fazer a análise minuciosa e o balanço destas e doutras perspectivas e tomar as decisões em conformidade. O grande pecado deste governo foi não o ter feito. Acredito que o Ministro da Saúde e a sua equipa sejam muito dotados e competentes. Não duvido. Mas a forma como têm conduzido certos processos, tal como este, desencadeado por motivos quase que "passionais" (refiro-me à questiúncula Cordeiro vs. Campos), é realmente caricata. Não me interessa o benefício dos farmacêuticos. Interessa-me o benefício das populações. O que acredito é que as populações são e seriam mais beneficiadas se a propriedade se mantivesse exclusiva de farmacêuticos e indissociável da direcção-técnica. Mas isso é uma crença, não é, objectivamente, como referiu PPB, uma constatação científica. Tal como não o é certamente, e com o devido respeito, o contrário. Por isso o busílis nesta questão foi e é só um e o governo preferiu resolvê-lo pelo lado mais "escuro" (aludindo ao "salto no escuro" referido pelos intervenientes na sessão organizada pela OF-Centro).
Quanto à liberalização da abertura, caro Vladimiro, não entendo porque dizes que comprometeria a equidade de serviço às populações. A disposição, no novo regime jurídico das farmácias, que permite a transferência de qualquer farmácia, das freguesias mais díspares e distantes de um concelho, para o centro do município, não compromete também essa equidade de que falas? Penso que compromete na mesma medida que um liberalização de abertura o comprometeria. Ao sair uma farmácia de uma aldeia para abrir na cidade, logo aparecerá alguém, nem que seja um jovem farmacêutico disposto a fazer disso o seu projecto de vida, a abrir nesse local que ficou vago. Não vejo problema de maior aí. Tal como está este novo regime juríco das farmácias, suspeito que uma alteração ao estatuto legar da abertura das farmácias não viria a alterar significativamente a realidade. É esperar para ver...Porque, tal como o PPB disse, aqui ninguém é vidente e nem sequer nos podemos fiar nos economistas para isso...:)
 
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