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sexta-feira, dezembro 28, 2007

Em primeiro lugar, um momento histórico: a primeira intervenção a solo de Marisa Macedo na Assembleia da República. Aqui fica o texto, que apoio plenamente:

Discutimos hoje, nesta Câmara, o Projecto de Lei n.º 178/X apresentado por iniciativa do Grupo Parlamentar do Partido Ecologista “Os Verdes”, cujo objectivo é a alteração dos prazos de propositura de acções de investigação de paternidade/maternidade.

Em linhas gerais e sucintas, o que este projecto de lei pretende é que o prazo de propositura desse tipo de acções seja imprescritível, quando o investigante não pretender com a acção outros efeitos que não sejam meramente pessoais. Ou seja, quando o investigante não pretenda obter, por via judicial, quaisquer direitos ou vantagens de natureza patrimonial, passa a ter possibilidade de propor acções de investigação de maternidade/paternidade a todo o tempo.

Actualmente, a legislação em vigor, por força dos artigos 1817.º e 1873.º do Código Civil, implica a existência de um prazo muito restrito, para a propositura deste tipo de acções judiciais.

Esta restrição temporal advém, de acordo com a maioria da jurisprudência, e na opinião do Prof. Antunes Varela, da «consideração ético programática de combate à investigação como puro instrumento de caça à herança paterna». Contudo, este preceito de segurança e estabilidade jurídicas, não pode, segundo o projecto que hoje estamos a discutir, ser apreciado em detrimento do exercício do direito à historicidade pessoal de cada um.

Assim sendo, este projecto aponta para a possibilidade legal de permitir que, a qualquer altura, possa ser proposta a acção de investigação da maternidade/paternidade, quando se pretendam apenas produzir efeitos de natureza meramente pessoal, excluindo-se quaisquer direitos ou vantagens de natureza patrimonial, de forma a não prejudicar eventuais relações jurídicas e patrimoniais de terceiros.

Esta iniciativa, visa desta forma, esbater as diferenças e discriminações decorrentes entre os filhos, mormente entre os filhos de pleno direito que gozam de direitos pessoais e patrimoniais e os outros, os filhos que nem sequer alcançam os direitos pessoais.

Senhoras e Senhores Deputados,

Muito foi já dito e escrito sobre esta matéria, sendo que a própria doutrina nunca foi unânime quando se fala na alteração de prazos neste tipo de acções.

Permitam-me que destaque, no entanto, a revisão constitucional de 1976 que introduziu a nova redacção do artigo 36º, nº 4, abolindo a distinção legal entre filhos legítimos e ilegítimos, passando a haver filhos “tout court”. A revisão ao Código Civil operada pelo Decreto-Lei 496/77, de 25 de Novembro adaptou este diploma ao referido preceito constitucional. Porém, não alterou os prazos estabelecidos para as acções de investigação da paternidade.

A principal razão que determinou a continuação deste limite em relação ao prazo para a instauração deste tipo de acções, foi o «combate à acção da determinação legal do pai, como puro instrumento de caça à herança paterna, quando o pai fosse rico», ou seja, a principal razão de ser da limitação do prazo para as acções em apreço é a tutela de interesses patrimoniais do pretenso progenitor, dos herdeiros ou de terceiros.

Temos, assim, por um lado, o direito dos filhos de verem reconhecida a sua paternidade/maternidade e, por outro, o direito dos progenitores e de outros herdeiros, igualmente merecedores da tutela jurídica, protegidos pelo princípio da segurança jurídica.

Parece-nos que a melhor leitura para dirimir esta questão é a posição defendida pelo Senhor Provedor de Justiça, na sua Recomendação 36/B/99, no sentido da solução menos lesiva ser a previsão do prazo de caducidade exclusivamente para efeitos patrimoniais, consagrando a imprescritibilidade para as acções de investigação de paternidade/maternidade, desde que os efeitos pretendidos sejam natureza meramente pessoal. Nas palavras do Sr. Provedor: «na maior parte das vezes o que o investigante pretende não são bens patrimoniais, mas tão só alguma dignidade social e moral»

Saber quem são os pais de cada um é mais do que um direito; é uma aspiração de qualquer ser humano, porque os antepassados de cada pessoa fazem parte do seu património pessoal, tornando-a a pessoa que é, diferente de qualquer outra, mas ligado por vínculos indeléveis a alguém de quem se herda traços genéticos, quer físicos ou psicológicos.

Os prazos estabelecidos na lei podem ser curtos para quem se quer lançar nesta “aventura” de investigar os seus progenitores, porque a vontade de iniciá-la - por ignorância, por desleixo, por circunstâncias várias da vida de cada um… -, pode chegar depois do prazo expirado. Todavia, continua a ser um direito fundamental de cada português. E quem vai à procura das suas origens pode querer bem mais do que a herança, que muitas vezes nem existe. Pode querer apenas conhecer-se a si por inteiro e querer tentar encontrar possíveis descendentes dos mesmos progenitores, com quem partilha um património de sangue. É necessário permitir que cada pessoa possa ter direito, durante toda a sua vida, a encontrar alguém com quem tem semelhanças enquanto ser humano. Porque essa é a “herança” que é fundamental encontrar para muitas pessoas, que desconhecem os seus ascendentes.

O certo é que, nos termos da lei em vigor, mesmo não havendo património algum para herdar, é vedado aos filhos a possibilidade de conhecerem os seus progenitores, quando ultrapassado o prazo de caducidade legalmente previsto.

Ora a CRP consagra nos artigos 25º e 26º um direito fundamental à identidade pessoal. Não permitir que as pessoas possam, a todo o tempo, ter a possibilidade de saber quem são os seus pais, pode ser entendido como uma restrição a este direito fundamental, embora a doutrina constitucional prefira referir esta situação como um “condicionamento” ao exercício deste direito.

Gostaríamos de chamar a atenção, no entanto, para o facto de ser possível que a nova redacção da lei venha a criar constrangimentos e novas conflitualidades, dado abrir a possibilidade de pessoas comprovadamente com os mesmos progenitores biológicos, herdarem uns apenas o nome e outros o nome e o património, tanto mais que hoje é possível obter cientificamente um grau de certeza muito elevado sobre a progenitura de cada pessoa. Pensamos que, na prática, esta situação pode gerar desigualdades de tratamento entre filhos dos mesmos pais, o que pode contender com preceitos constitucionais, designadamente o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º, da Constituição da República Portuguesa.

Para concluir, Senhor Presidente, somos de opinião que a proposta de lei tem uma leitura meritória: possibilitar àqueles que procuram o conhecimento e reconhecimento da sua identidade genética, sem daí retirar qualquer proveito, poder fazê-lo a qualquer altura da sua vida. O que não sendo, em nossa opinião, o ideal, é pelo menos muito melhor do que o regime hoje em vigor.

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