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segunda-feira, fevereiro 11, 2008

O meu mais recente contributo para o Farmacia.com:

Não às Análises Clínicas nas farmácias

Sou dessa opinião e da contrária. Aliás, antes pelo contrário. Enfim, olha para o que eu digo e não para o que eu faço.
Entendamo-nos: os farmacêuticos enquanto classe profissional não podem passar a vida a pregar as virtudes da excelência do desempenho profissional, dos controlos de qualidade internos e externos, da certificação e da acreditação, das necessidades de quallificação e formação, se depois quando chega a hora da verdade é um ver se te avias e uma corrida aos tostões do povinho.
Não, uma farmácia não é um mini-mercado de tudo o que é produto e serviços vagamente relacionados com a saúde. Não, um farmacêutico não andou cinco anos e meio a estudar Farmacoterapia, Farmácia Galénica, Biofarmácia e Farmacocinética, Farmacologia um, dois e três, Tecnologia Farmacêutica um e dois, Toxicologia um e dois, Farmácia Clínica, Farmácia Hospitalar, Bioquímica um e dois, Bioquímica Celular, Bioquímica Clínica e sei lá mais o quê para depois quando chega a hora da verdade ser uma espécie de gestor mais qualificado (mas sem qualificações de Gestão), que tanto vende um par de sapatos ortopédicos como um perfume para o menino e para a menina, que tanto faz uma sessão de demonstração de maquilhagem como contrata enfermeiras para dar a vacina da gripe, que mede "as tensões", o "castrol" e já agora o PSA, o "stress oxidativo", o ácido úrico e tudo o que mais couber num capilar, desde que este possa ser atravessado pelo raio duvidoso de um espectrofotómetro de baixa qualidade.
Uma farmácia é um espaço onde se cedem medicamentos, previnem-se interacções medicamentosas, monitorizam-se doses terapêuticas, identificam-se e previnem-se fenómenos de iatrogenia medicamentosa, faz-se farmacovigilância, aconselha-se o doente, promove-se a adesão à terapêutica, desenvolvem-se campanhas de promoção da saúde e prevenção da doença e, sobretudo, uma farmácia é também um dos pontos de contacto da rede de Cuidados de Saúde Primários com os doentes, onde estes encontram maior disponibilidade para serem atendidos e ouvidos por profissionais qualificados e credíveis, todos os dias, a qualquer hora do dia, da semana, do mês ou do ano e em todo o país.
O que é que as análises clínicas têm a ver com isto? Nada. Aliás, tudo: a promoção da realização de exames desnecessários em nada contribui para a melhoria da saúde das populações e é um importante factor de consumo de tempo aos recursos humanos das farmácias, que assim deixam de ter disponibilidade para aquilo que deveriam estar a fazer. Por outro lado, é um enorme factor de descredibilização para a profissão: a não ser que os farmacêuticos comunitários que realizam análises clínicas nos seus mini-mercados de serviços de saúde tenham também a Pós-graduação em Análises Clínicas (2 anos teóricos intensivos e pelo menos 6 meses de prática...), estaremos a promover a prestação de serviços de Analista Clínico por pessoas que a própria Ordem dos Farmacêuticos sabe que não têm capacidade técnica para o fazer. Em termos puramente profissionais, estaremos a fazer figura de ursos. E em termos económicos, estaremos a dar um sinal à sociedade de que não vale a pena contratar farmacêuticos: qualquer indivíduo com a quarta classe sabe dizer "está alto" ou "está baixo" quando confronta o resultado de um teste com o respectivo valor de referência indicado pelo fabricante do aparelho.
Análises clínicas de baixa qualidade, feitas segundo métodos artesanais e pouco credíveis, por indivíduos de bata branca que pouco percebem do assunto? Não, muito obrigado. Nem nas farmácias, nem na Feira de Espinho, nem na sede dos Bombeiros Voluntários de Favaios.
A respeitabilidade profissional é como a virgindade: só se perde uma vez. E brincar com o fogo é algo que não me agrada particularmente.

...e aqui fica também a resposta do meu ilustríssimo colega e amigo Jorge Peliteiro:

11 de Fevereiro de 2008
As Farmácias portuguesas possuem um capital importantíssimo: a confiança dos doentes.

Não é fácil encontrar em quem confiar quando se está fragilizado pela doença e quando os modelos de prestação de serviços de saúde estão em permanente e acelerada mudança.

As análises clínicas, em concreto, vivem momentos conturbados no que respeita a este défice de confiança por duas ordens de razões. Em primeiro lugar pela força da economia e dos fluxos económicos, pelos imperativos da rentabilidade, das economias de escala e das fusões e aquisições, também pela necessidade do controlo da despesa pública num mundo que exige mais e melhores serviços de saúde para mais e mais velhos cidadãos; em segundo lugar pela evolução científica e tecnológica que possibilitou a deslocalização da determinação de parâmetros biológicos do ambiente laboratorial para o ponto onde se prestam cuidados ao doente e que possibilitou que os resultados de exames laboratoriais antes garantidos por especialistas agora pudessem ser obtidos por outros profissionais de saúde ou pelos próprios doentes.

Temos então unidades de colheitas em clínicas dentárias, corporações de bombeiros, postos de enfermagem, espaços divididos com gabinetes de depilação, etc., etc., etc., que enviam as amostras biológicas para laboratórios do outro lado do país, do outro lado da Península Ibérica ou sabe-se lá a que distância, laboratórios estes que pertencem a grupos económicos com sede nas ilhas Caimão ou sabe-se lá onde. Temos então análises “rápidas”, de química seca, efectuadas no point of care, na feira de saúde ou na ervanária, sob a responsabilidade de médicos, enfermeiros ou estudantes disto e daquilo. Por outro lado temos um Estado que aparentemente não se importa nem com a saúde do seu povo nem com a aplicação dos dinheiros públicos, um Estado que não regula nem fiscaliza – «os mecanismos de fiscalização ao dispor das ARS não são suficientes para uma eficaz avaliação da qualidade dos serviços prestados e o sistema é muito permissivo a fraudes».

Análises clínicas nas Farmácias – Porque sim? Porque existem condições únicas para garantir a normalização dos métodos de ensaio, das calibrações dos equipamentos e da expressão dos resultados, cumprindo os mais exigentes requisitos de qualidade e competência e porque a acessibilidade dos doentes aos exames laboratoriais seria assim ampliada através de uma rede de estabelecimentos e profissionais de saúde em quem confiam, com um longo historial de excelência.

Análises clínicas nas Farmácias – Porque não? Ficará limitada a livre escolha do doente? Ficará afectada a livre concorrência entre prestadores de serviços? Aumentará o consumo indevido de medicamentos? Ou o de análises clínicas? São incompatíveis estes serviços de saúde? Claro que não, aliás já assim foi em tempos!

Sendo assim, seja a instalação na Farmácia de um gabinete para determinações bioquímicas no sangue, seja de uma unidade de colheitas de amostras biológicas, seja até de um laboratório de análises – e, obviamente, desde que sejam convenientemente asseguradas as necessidades de formação e as competências dos profissionais, desde que garantidas as condições de higiene e segurança, bem delimitados os espaços físicos e a movimentação de materiais e pessoas - a Farmácia tem tudo o indispensável para evoluir, crescer e prestar mais um serviço de inegável valor para os doentes portugueses. Sem deixar de ser Farmácia.

Jorge de Sá Peliteiro, Especialista em Análises Clínicas

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