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segunda-feira, maio 12, 2008

Quando li o texto a que o Abel se refere estive para escrever sobre o assunto. No entanto, e acreditem que é mesmo verdade, acabei por me esquecer de o fazer, não por desconsideração pelo autor ou porque o tema não me deixasse com os dedos aos saltos, mas simplesmente porque tinha mais que fazer. Contudo, ao ver a referência do Abel ao assunto, apeteceu-me escrever o que devia ter escrito logo na altura em que o texto saiu.
Os que não me conhecem talvez não saibam, mas a verdade é que eu venho de uma família esquisita, em que muita a gente tem opiniões sobre muita coisa, embora nem sempre exista coerência entre as partes que fazem o todo (eu próprio não me considero excepção).
Tenho um tio (o Sérgio Paulo Silva), que aos 58 anos já leu mais livros do que eu hei-de ler em toda a minha vida, mesmo que vivesse até aos 90 anos e começasse hoje a ler 2 livros por semana. A bagagem literária do meu tio reflecte-se na enormíssima qualidade dos seus artigos, quase todos densos, profundamente elaborados e tecnicamente perfeitos e também na sensibilidade com que ele escreve cada uma das suas palavras, como se fossem poesia transfigurada de prosa tradicional portuguesa. Há um lado comovente e extremamente delicado em quase todos os textos do meu tio, mesmo nos que parecem ser só cómicos. De cada vez que leio um dos seus escritos interrogo-me sobre o que é que ando para aqui a fazer neste blogue, tão rude é a forma como a língua portuguesa por mim é tratada, sobretudo se comparada com o modo como o meu tio Sérgio Paulo Silva a utiliza como extensão da alma.
É por isso para mim estranho (e até incompreensível) ver que os dedos que escrevem flores literárias tão delicadas e raras são afinal os mesmos que poucas horas antes ou depois estão atrás de uma espingarda e a carregar no gatilho que provocará uma morte muitas vezes lenta e cheia de sofrimento a pobres animais que mais não faziam do que viver inocentemente a sua vida em liberdade.
Há de facto qualquer coisa de brutal e profundamente primária na caça que atrai os homens, mesmo os melhores, que quando a praticam ficam reduzidos à condição de caçadores pré-históricos que perseguem a presa e se fundem com a natureza para perseguir irracionalmente a sua vítima. Há qualquer coisa que lhes extrai a alma e a substitui pelo mais primário dos instintos, perdendo-se naqueles instantes todos os milhões de anos de evolução que fazem com que o Homem de hoje seja de facto um dos mais sensíveis dos seres vivos.
É por isso que não compreendo, nem nunca compreenderei, a caça e o assustador processo de regressão evolucionista que ela representa. Resta-me o consolo (?) de saber que o meu tio não está sozinho, pois este é um mal de que também padecem ou padeceram outros nobres espíritos, como Torga ou Alegre.
No entanto, não contem comigo para referir a nobreza de alma de alguns caçadores para branquear algo que já se deveria ter extinto há muito.

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Comments:
Há quem diga que caçar é uma arte tal como a poesia, a música, o teatro, a dança, o dom da escrita,etc.

Para mim, o acto de esconder covardemente por entre canaviais, com o dedo no gatilho pronto a disparar enquanto a presa se alimenta sem desconfiar que a sua liberdade está prestes a terminar é simplesmente asqueroso.

A ideia de ter os destinos do mundo nas mãos e a ilusão de dominar, eliminar ou seleccionar formas de vida iguais a nós é de uma arrogância acima do que deplorável.

Não venham com historias que caçar é uma forma de vida tal como outra qualquer. Se a selecção de espécies feita pelo homem é aceite desta forma tão básica, só porque o individuo humano é provido de inteligência racional, então o nazismo e a segregação racial, por exemplo, passam a ser prácticas igualmente aceites e toleráveis do ponto de vista social.

Está-se a dar mais importância do que se devia a esse texto vazio de inovação intelectual

Abraço
 
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