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segunda-feira, outubro 25, 2010

Crónica de um hara-kiri político anunciado

Decidi dar este título ao texto antes mesmo de o escrever, o que apenas faço raramente e provavelmente deveria fazer ainda menos. De qualquer modo, creio que esta opção resulta essencialmente da vontade de frisar (palavra sempre desagradável de escrever e que - convém frisá-lo - apenas uso por manifesta falta de imaginação adicional) uma ideia mais forte ou, melhor ainda, trata-se de uma garantia que faça com que, na remo(r)ta hipótese de alguém ler este texto, que fique na memória com o essencial daquilo que pretendo dizer.
Dito isto, foquemo-nos no essencial: perante a mais que previsível e anunciada mega crise orçamental, as fortíssimas pressões externas (quem conhece Angela Merkel que o diga) e a estupidez semiditatorial de alguns líderes europeus (quem conhece Carla Bruni que o diga), Pedro Passos Coelho (PPC) deveria ter feito o mais fácil - deixar Sócrates enterrar-se e embrulhar-se com o orçamento, fazer discursos sobre crescimento económico, bombardeamento fiscal, inoperância do governo perante a despesa, etc., etc., mas sempre sem se comprometer com nada e sobretudo esticando os silêncios da forma mais longa possível. Se eu fosse PPC diria, antecipadamente e de caras, de preferência numa cerimónia pública e talvez até em outdoors espalhados pelo país: "- Sr. Engenheiro, tem aqui um cheque em branco. Faça bom uso dele. Orçamento? Nem o quero ver - o meu partido abstém-se, quaisquer que sejam as suas propostas. O Sr. foi eleito para governar, a situação é grave e por isso, como sou um indivíduo com sentido de Estado, concedo-lhe esta oportunidade". Enfim, nada mais envenenado. E ao fazer as coisas desta forma o governo cairia 6 meses depois, ainda com o PSD à frente das sondagens e o PR já na posse de todas as suas prerrogativas dissolvedoras. PPC seria eleito PM com maioria absoluta (embora utilizando a muleta CDS) e o PS passaria 8 anos a juntar os cacos do episódio.
No entanto, numa demonstração de imberbidade política levada ao extremo, PPC, que na altura se sentia o melhor condutor do mundo (acreditando que 10% de avanço nas sondagens até lhe dariam para comer bolo-rei com uma câmara de TV no céu da boca), decidiu armar-se aos cágados e jogar a cartada sebastiânica: o governo cairia com o chumbo do orçamento, passar-se-iam 6 meses de governo de gestão e depois lá surgiria ele sentado no seu Ângélico (não é um erro ortográfico) cavalo, pronto a resolver tudo, qual homem providencial na ressaca da tempestade. O problema foi quando o baronato decidiu intervir e, vendo o partido a descer nas sondagens e níveis de arrebitanço de cachimbo anormalmente elevados para os lados da São Caetano à Lapa (sempre quis escrever esta expressão), tratou de procurar acalmar o rapaz, da única forma que sabe fazer: com insuportável paternalismo público, com chantagens emocionais privadas, com visitas de banqueiros a comandar matilhas de camera men em directo nas TVs e com as inevitáveis e discretas pressões internacionais.
Entre a espada e a parede, PPC fez mais uma vez o pior - tentou fugir para a frente, esquecendo-se de que corridas em direcção a lâminas afiadas nunca foram a melhor opção para quem deseja saber o nome de mais de 50% dos seus bisnetos.
E assim foi: hoje houve um grupo de 4 ou 5 senhores engravatados e segurando malas pretas que em nome do PSD estiveram, pela quarta vez, reunidos com o PS a discutir o IVA dos pacotes de leite achocolatado, sempre com milhares de jornalistas à entrada e saída da sala. No final deste processo e depois de tanta negociação não haverá um único eleitor que não classifique este como "o orçamento PS-PSD", sendo indiferente o facto do PSD na realidade se abster e da culpa objectiva desta situação ser muito mais do partido que nos governou em 12,5 dos 15 últimos anos do que do outro, que dos 2,5 anos a que teve direito ainda se deu ao luxo de dividir o palco com o CDS e oferecer 0,5 a Pedro Santana Lopes.
É assim a vida: Sócrates passou de uma situação em que liderava um governo decadente, 10% atrás do principal partido da oposição nas sondagens e na iminência de ter que fazer um orçamento impossível e historicamente estúpido, antipatriótico e absurdo, para um momento em que repartirá as culpas pelo que sucedeu com um líder da oposição em queda de popularidade, com sinais de insurreição no seu próprio partido e com o qual já está empatado nas sondagens.
É deste tipo de situações que saem as grandes viragens dos sistemas políticos: PS e PSD enovelaram-se a si próprios e mostram níveis de decadência interna (veja-se os resultados das eleições das federações de Aveiro e Coimbra do PS) que batem máximos históricos quase diariamente. Alberto João Jardim e Jorge Coelho hoje são senadores que falam de cátedra para as respectivas hostes e de um modo geral não há perspectivas de evolução.
Aposto (e escrevo isto no dia vinte e cinco de outubro de dois mil e dez) que nas próximas eleições legislativas (sejam elas quando forem), CDS e BE terão, cada um, mais de 15%. E aposto também que a soma dos votos dos futuros ex-pequenos partidos será suficiente para atingir uma maioria de votos na AR.

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Comments:
Eu li isto. Satisfeito?
 
Muito :) Leste mesmo?
 
Li... e não foi na diagonal, como alguns!
 
Caro, Vladimiro,
Esta é a melhor crónica sobre o momento actual que li até hoje. Permite-me referenciá-la no Sem Rumo.
Um abraço,

CR
 
Um abraço a ambos :) E claro que podem fazer o que quiserem com os meus textos... nem precisam de perguntar!
 
Obrigado.
É sempre um prazer aqui vir botar espreitadura. Tu és o Markl da política regional.
 
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