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sexta-feira, setembro 30, 2011

O Peliteiro já o havia profetizado e a realidade confirmou-o. Ontem foi mesmo um dia negro para as farmácias com a publicação destas medidas. Como consequência, a Direcção da ANF demitiu-se.
Comecemos a analisar este assunto pelo seu epílogo (ou pelo último epílogo conhecido): a Direcção da ANF demitiu-se, supostamente por "não querer pactuar com esta política" e "por não ter sido ouvida".
Na verdade, o problema é bem mais complexo e grave do que à partida possa parecer - e João Cordeiro, por perceber o que se está a passar em toda a sua extensão optou pela saída dramática como forma de mostrar a indignação. Enganou-se - hoje esta notícia já nem sequer aparece na homepage da edição online dos principais jornais e a conotação negativa associada à ANF criou um sentimento geral de desvalorização do acontecimento. Já nem no Saúde SA se atiram foguetes (passaram-se 13 horas desde que o Xavier publicou a notícia e até agora não há um único comentário sobre o assunto).
Há qualquer coisa de insólito na forma como tudo isto se passou. Em primeiro lugar, e embora o detalhe da concretização das medidas não seja ainda conhecido, nada disto é novidade ou sequer inesperado - trata-se aparentemente da concretização do memorando da troika, cujas consequências já tinham sido alvo de análise neste blogue no dia 3 de Maio de 2011. Ou seja, não podemos ficar surpreendidos com aquilo de que estávamos à espera.
João Cordeiro sabia que isto iria acontecer e por isso não pode ter ficado surpreendido. Assim sendo, porquê o dramatismo da demissão? A resposta, infelizmente, é bastante mais dura que a suposta realidade - é que estas medidas simplesmente vão arrasar o sector farmacêutico e, por arrastamento, a própria ANF. Recordo o que aqui escrevi há quase 5 meses, que continuo a subscrever quase na íntegra:

A ser verdade, esta medida representa uma redução de 30% das margens das farmácias (isto depois das múltiplas reduções ocorridas nos últimos anos e da mais que previsível entrada em vigor da DCI) - em termos práticos, é o fim do modelo farmacêutico português, pois será inevitável a falência de algumas farmácias e cadeias de distribuição de medicamentos, desencadeando-se um efeito de bola de neve que desencadeará ainda mais falências (uma vez que é a distribuição quem efectivamente financia grande parte do sector).
A ANF não terá, em princípio, capacidade para assegurar muito mais financiamento do que aquele que já está a ser garantido - e perante a capitulação de alguns associados, os atrasos de pagamento do Estado e os inevitáveis efeitos destes fenómenos na Alliance Healthcare, a ANF estará igualmente exposta a um risco enorme. E se a ANF cair, cairá também o financiamento bancário para garantir a comparticipação de medicamentos.
Por paradoxal que pareça, só com a liberalização da instalação de farmácias será possível assegurar a viabilidade económica do sector... o FMI já a fez na Grécia e provavelmente vai repetir a receita em Portugal. É absolutamente inevitável, pois só as grandes cadeias poderão sobreviver com margens tão curtas e redes próprias de distribuição.
Uma coisa é certa: se esta medida avançar nada ficará como antes - e estou convencido de que no dia 3 de Maio de 2013 estarei aqui a confirmar que em Portugal existirão 3 grandes cadeias de farmácias, que dominarão mais de 90% do mercado. É para estes exercícios de Zandinguismo que serve a blogosfera!

...e digo quase apenas porque a situação entretanto piorou - a banca já não faz factoring (isso traria uma enorme exposição a um Estado de risco como neste momento é Portugal) e isso vai fazer com que a própria ANF deixe de ter meios para financiar o sector. Ou seja, é de prever que nos próximos meses ocorram seriíssimos problemas de abastecimento de medicamentos à população, quer pela falência dos distribuidores grossistas, quer das próprias farmácias.
Neste momento a liberalização total do sector é urgente, necessária e indispensável - sob pena do acesso ao medicamento descer para níveis nunca vistos em Portugal nos últimos 37 anos e surgirem assimetrias e inequidades gravíssimas.
Deixo ainda uma reflexão: será socialmente justo repartir desta forma tão assimétrica o esforço financeiro que se exige a todo o país?

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Comments:
Efervescente, a sua análise da situação faz sentido e está bem organizada.

Conheço a realidade das farmácias lateralmente (sou farmacêutico sem farmácia com amigos farmacêuticos proprietários).

Apesar de tudo, acredito que ainda existe margem para redução de custos e otimização da gestão em muitas farmácias. As que souberem fazer isso irão sobreviver.

Para além de concordar consigo que o modelo das grandes redes de farmácias permitir uma saída rentável para o sector, também acredito que aquelas farmácias que forem de farmacêuticos que as gerem efetivamente terão sucesso.

O proprietário (farmacêutico ou não) de uma farmácia individual que não a gere e por isso necessita de contratar gerentes e/ou diretores técnicos terá provavelmente uma base de custo que será pouco competitiva.

Acredito também que iniciativa como o grupo holon poderão, especialmente pela central de compras, ser uma solução (e falhando a ANF, poderão também encontrar alternativas de factoring para os associados).

Não tenho nada contra nem nada especialmente a favor, mas não estou a prever uma liberalização da abertura de farmácias para breve, ou pelo menos não acredito que seja uma prioridade para este governo.

Se como prevê o colega Efervescente, que será a própria perda de efetividade do modelo atual nesta conjuntura que irá "obrigar" à liberalização para garantir o acesso das populações ao medicamento, então isto acontecerá porque as farmácias que temos hoje não se conseguiram adaptar para sobreviver...e isso eu não acho inevitável.
 
Caro @boticando: o seu texto está tão bem esgalhado que quase que lhe perdoo a utilização do acordo ortográfico (a não ser que o meu amigo seja mesmo brasileiro - e nesse caso peço desculpa pelo equívoco) :)
Brincadeiras à parte, acho que se está a esquecer do pressuposto básico desta questão: hoje em dia acabou o acesso ao crédito fácil - a banca fechou a torneira, pois está ela própria em risco.
E se a ANF não conseguir assegurar o financiamento do sector, muito menos o conseguirão estes grupos de menor dimensão que têm aparecido nos últimos tempos...
Quando falo em grandes cadeias falo em gente com cabedal financeiro para resistir sozinho e fazer tudo sem recurso à banca, pois com estas margens só dessa forma será viável o exercício farmacêutico.
E sim, tem razão - a liberalização da instalação de farmácias não está na agenda, mas terá que vir a estar, pois de outra forma não haverá medicamentos à venda para uma grande parte da população...
 
Mais uma vez o Vladimiro faz uma análise racional e bem estruturada desta questão.

Ainda não há detalhes suficientes para se avaliar o impacto destas medidas na vida das farmácias. Contudo, a verdade é que seja qual for a redução de margens, é sabido que será acompanhada por uma redução (ainda maior) no volume de negócios, somada às descidas que já este ano estão a acontecer. Há zonas deste país em que o mercado total desceu 35,00% em Agosto!
Quando, há uns meses se aventou a hipótese de reduzir em 6pp a margem das farmácias, estimei que essa redução significaria sensivelmente 100.000 €/ano numa famácia média. O que foi proposto, parece-me que vai muito além disto.

Basta pensar nos custos de estrutura de uma farmácia para perceber que não serão rentáveis. A menos que, e parece-me que esse será o caminho, se troquem os funcionários actuais, bem pagos, por outros, não qualificados, e muito mais mal pagos. A troika bem quer facilitar os despedimentos...

Quanto à questão da liberalização da instalação, concordo com o Vladimiro. Será uma consequência obrigatória após o encerramento das farmácias pequenas, que se tornarão completamente inviáveis.
Mas se tal suceder, coloca-se a questão: quem quer abrir farmácias que não sejam rentáveis? Provavelmente os mesmos que abriram as parafarmácias e agora a estaão a encerrar.

Enfim, a questão que coloco é só esta: Porquê destruir um sector que apesar de tudo gerava riqueza para o País e criava emprego qualificado e bem remunerado? A economia vai sair mais forte depois disto? É assim que vamos crecer?
 
Na mouche, Farmasa!
E ainda não falámos dos custos da doença (hospitalizações, AVCs, enfartes, etc.) associados à falta de acesso ao medicamento. Seria muito interessante fazer uma avaliação económica de tudo isto daqui a 10 anos...!
 
Pegando no comentário do Farmasa, questiono o seguinte.

Essa destruição do sector e consequente liberalização serão mesmo inevitáveis? Não bastaria que para isso não acontecer o governo não baixasse as margens de forma tão arrasadora como se prevê. É que lendo esta análise temos isso quase como um facto consumado...
 
Caro Azrael,

A situação era má mesmo com as margens como estavam e as descidas de preço dos medicamentos iriam complicar as coisas ainda mais. No entanto, a quebra das margens foi o estouro total, que simplesmente rebentou com o sistema. Sem isto, as farmácias dependeriam essencialmente da saúde da banca. Agora já não há nada que lhes valha - a situação será irreversível.
 
este seu post deveria ser mais publicitado (na blogosfera), de tão clara está a sua análise.
A adicionar, só tenho uma pequena nota que é a seguinte: a liberalização das farmácias até permitiria que o mercado de trabalho em farmácia comunitária realmente justificasse a saída de tantos recém licenciados espalhados hoje pelo país fora. Além de que viria uniformizar e talvez trazer finalmente uma estruturação da carreira comunitária, pela obrigação (penso eu) que uma instituição comercial de grande dimensão terá de ter em hierarquizar os seus trabalhadores. Penso que os farmacêuticos comunitários portugueses só teriam a ganhar com isso.
 
Olá Andie,

Deixo 3 comentários:
1 - Tens razão;
2 - Trata-me por tu, pois acabei de fazer o mesmo :)
3 - Obrigado pela simpatia :)
 
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