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quarta-feira, janeiro 30, 2008

Correia de Campos e eu

No dia 19 de Janeiro de 2004 (portanto, há pouco mais de 4 anos e em pleno governo Durão Barroso) escrevi neste blogue que Correia de Campos tinha sido "o melhor Ministro da Saúde dos últimos 10 anos". A este período correspondiam as passagens de Maria de Belém Roseira, Manuela Arcanjo e Luís Filipe Pereira - além do próprio CC no final do governo Guterres - pelo Ministério da Saúde. A ousadia destemperada (e frequentemente baseada em ignorância técnica) de LFP deixava de facto saudades de um ex-Ministro da Saúde que era unanimemente respeitado e até considerado como um dos portugueses que mais sabia de Economia da Saúde.
Foi com naturalidade e esperança que ouvi o anúncio da nomeação de CC por Sócrates, embora o encanto tenha desaparecido logo no dia da tomada de posse do governo.
Durante muito tempo arrependi-me amargamente daquela frase de há 4 anos, que não apaguei apenas por uma questão de ética blogosférica. A política do medicamento e o modo como CC geriu as questões das farmácias e sobretudo dos farmacêuticos fizeram-me escrever sequências de textos verdadeiramente demolidores e em muitos casos bastante exagerados sobre o actual ex-Ministro da Saúde. A determinada altura, CC tornou-se mesmo no alvo preferido deste blogue e sobre ele descarreguei litros e litros de bílis.
Até que, em 2007, tive uma inesperada oportunidade de conhecer pessoalmente Correia de Campos e trabalhar directamente com a sua equipa, num projecto que nada tinha a ver com o mundo da farmácia. A partir desse momento a minha opinião mudou. E é por isso que escrevo as linhas que se seguem agora, quando CC já não está no poder e ninguém me pode acusar de tachismo ou aproveitamento político.
Fiquei absolutamente surpreendido pela positiva: o gabinete de CC era composto por pessoas extremamente qualificadas, bem preparadas e ideologicamente fundamentalistas (no bom sentido) em relação à natureza pública, equitativa e universalista do SNS. Nas reuniões que tive com o próprio CC encontrei um político extremamente arguto, com uma enorme e rápida capacidade de análise das situações e, ao contrário da imagem que publicamente passou de si próprio, muitíssimo ponderado e até sensato.
Ao contrário do que provavelmente mereceria, fui extremamente bem tratado pela equipa de CC e é com muito orgulho que hoje recordo os 3 meses de verdadeiro frenesim em que tive oportunidade de colaborar com o Ministro da Saúde que hoje abandona o cargo.
Ironicamente, CC sai precisamente na altura em que o seu Ministério apresenta melhores indicadores e deixa projectos de grande qualidade (como o do financiamento da Procriação Medicamente Assistida, em que eu próprio também participei). Pior ainda, CC sai por causa de uma questão emblemática, que deveria ter sido assumida solidariamente pelo PS e pelo governo, e na qual CC tem toda a razão: a reorganização da rede de urgências (tal como antes o havia sido a da rede de maternidades) era (e continua a ser) um imperativo nacional e uma verdadeira necessidade de Saúde Pública. Os hospitais com os quais se celebraram protocolos vão prestar melhores serviços às populações e, de um modo geral (obviamente com necessidade de pequenos ajustes), as alternativas de prestação de cuidados de saúde foram salvaguardadas.
Enfim, CC cai porque Sócrates não resistiu à pressão mediática e à necessidade de começar a fazer flores para garantir a reeleição.
O sector farmacêutico está hoje em muito pior estado do que quando CC tomou posse. No entanto, não me parece justo culpar apenas CC: o lamentável "Compromisso com a saúde" foi um documento promovido e negociado por Sócrates contra a vontade de CC e a Ordem dos Farmacêuticos foi numa primeira fase bloqueada pela Associação Nacional das Farmácias e posteriormente cometeu "hara-kiri" quando a actual Bastonária(?) assumiu o cargo, ficando apenas reduzida a uma aldeia de Astérix coimbrã que tenta remar contra a maré e que, apesar da dimensão, consegue criar a falsa imagem de que a OF enquanto instituição ainda funciona. Ou seja, apesar de CC reconhecidamente não ter ajudado (antes pelo contrário), os farmacêuticos têm muito que se queixar de si próprios e da ineficácia das suas instituições. E não nos esqueçamos de que a medida que mais afecta as farmácias tal como as conhecemos (ou seja, a instalação de farmácias "normais" nas instalações dos hospitais) foi uma invenção de Sócrates acrescentada à última hora a um acordo (feito à revelia da OF) em que nenhuma das partes (governo e ANF) se apercebeu do que estava a fazer.
De qualquer maneira, para os farmacêuticos a saída de Correia de Campos é irrelevante: nada do que já se passou vai voltar atrás e não era provável que o governo introduzisse novas alterações antes do final da legislatura.
Há 4 anos não pensava vir a escrever o que escrevi durante os 3 anos seguintes. E durante esse período não imaginava que pudesse ser este o tom do texto que escrevo hoje. Mas a vida é mesmo assim, feita de altos e baixos, avanços e recuos e as primeiras impressões aparentemente são muito mais importantes do que as que se constroem a seguir.
Para mim, pessoalmente, é uma pena ver sair CC.

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Comments:
Excelente texto.
 
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