terça-feira, abril 27, 2004
O Elogio do Poder
O José Matos neste post fazia algumas críticas à incapacidade da oposição local estarrejense em elogiar o que de bom se faz na CME. Aqui fica a resposta:
Este post serve para enaltecer o modo como os 30 anos do 25 de Abril foram comemorados em Estarreja, com um vastíssimo conjunto de actividades a diversos níveis, embora infelizmente nem sempre devidamente participadas. Ontem à noite participei num pequeno debate na Casa da Cultura em que se procurava discutir quer o modo como o 25 de Abril foi vivido em Estarreja, quer a evolução do nosso concelho nos últimos 30 anos. Entre os convidados encontravam-se alguns ilustres personagens da vida pública estarrejense da actualidade e do passado. O debate foi extremamente interessante e participado e merecia claramente ter sido ouvido por muito mais gente. Arrisco-me mesmo a dizer que ontem à noite se trocaram mais ideias sobre o desenvolvimento estratégico de Estarreja que na maioria das últimas Assembleias Municipais. Gostei particularmente das intervenções da D. Maria de Lurdes Breu, a primeira presidente da CME após o 25 de Abril, que provou que continua a ser uma mulher de armas e certamente deixou saudades em muitos adeptos do PSD contemporâneo...
A todos os organizadores, os meus sinceros parabéns. A medalha comemorativa que recebi no final da noite será guardada com estima, como símbolo de que a discussão desinteressada das questões concelhias é um acto de cidadania possível e muito importante.
O José Matos neste post fazia algumas críticas à incapacidade da oposição local estarrejense em elogiar o que de bom se faz na CME. Aqui fica a resposta:
Este post serve para enaltecer o modo como os 30 anos do 25 de Abril foram comemorados em Estarreja, com um vastíssimo conjunto de actividades a diversos níveis, embora infelizmente nem sempre devidamente participadas. Ontem à noite participei num pequeno debate na Casa da Cultura em que se procurava discutir quer o modo como o 25 de Abril foi vivido em Estarreja, quer a evolução do nosso concelho nos últimos 30 anos. Entre os convidados encontravam-se alguns ilustres personagens da vida pública estarrejense da actualidade e do passado. O debate foi extremamente interessante e participado e merecia claramente ter sido ouvido por muito mais gente. Arrisco-me mesmo a dizer que ontem à noite se trocaram mais ideias sobre o desenvolvimento estratégico de Estarreja que na maioria das últimas Assembleias Municipais. Gostei particularmente das intervenções da D. Maria de Lurdes Breu, a primeira presidente da CME após o 25 de Abril, que provou que continua a ser uma mulher de armas e certamente deixou saudades em muitos adeptos do PSD contemporâneo...
A todos os organizadores, os meus sinceros parabéns. A medalha comemorativa que recebi no final da noite será guardada com estima, como símbolo de que a discussão desinteressada das questões concelhias é um acto de cidadania possível e muito importante.
quinta-feira, abril 22, 2004
Já alguém reparou que nas últimas semanas os media portugueses despromoveram as vítimas do processo Casa Pia a "alegadas vítimas"?
Como há dias me dizia um amigo, isto ainda vai acabar tudo com a conclusão de que o problema da Casa Pia afinal era apenas um caso de masturbação anal infantil ou de supositórios mal dimensionados...
Como há dias me dizia um amigo, isto ainda vai acabar tudo com a conclusão de que o problema da Casa Pia afinal era apenas um caso de masturbação anal infantil ou de supositórios mal dimensionados...
Como os resistentes que nas últimas semanas continuaram a visitar este blogue certamente já perceberam, tenho estado a atravessar um período de acentuada esterilidade bloguística, do qual não me considero ainda completamente liberto. De qualquer modo, aqui ficam algumas notas:
A operação "Apito Dourado" é uma excelente oportunidade para se iniciar uma investigação séria sobre a verdadeira corrupção do futebol português. Embora neste momento aparentemente apenas estejam a ser investigados alguns personagens secundários (excepto Pinto de Sousa e Valentim Loureiro), toda a "sociedade civil" aguarda com alguma expectativa a chegada da investigação à Primeira Liga... será que alguma vez veremos esse dia?
Em relação à operação e à prisão do Major Valentim, há alguns aspectos que eu gostaria de destacar:
- Quem terá sido o idiota que tentou lançar uma (felizmente frustrada) onda de indignação sobre o facto desta investigação ter sido feita 2 meses antes do Euro?
- Já repararam na enorme solidão em que neste momento está Valentim Loureiro? Para alguém que sempre surgiu com uma figura de barão cultivador de influências e amizades, é surpreendente o distanciamento dos seus antigos amigos... a entrevista de ontem de Gilberto Madaíl à TSF é talvez o exemplo mais desolador de todos! Que raio, até os acusados de pedofilia tiveram amigos que os defenderam publicamente! Não há por aí nenhum amigo do Major?
- .... e já agora, o que pensa desta história o Primeiro Ministro Durão Barroso? É que durante toda a campanha eleitoral foram múltiplas as ocasiões em que Valentim acompanhava DB em comícios e actos públicos diversos! Fica aqui mais uma lição para a nossa classe política, sempre tão promíscua com os meios futebolísticos! Depois dessa promiscuidade já ter custado ao país vários milhões de contos com a megalomania do Euro 2004, vamos esperar para ver se a operação apito dourado nos traz mais alguma novidade...
A operação "Apito Dourado" é uma excelente oportunidade para se iniciar uma investigação séria sobre a verdadeira corrupção do futebol português. Embora neste momento aparentemente apenas estejam a ser investigados alguns personagens secundários (excepto Pinto de Sousa e Valentim Loureiro), toda a "sociedade civil" aguarda com alguma expectativa a chegada da investigação à Primeira Liga... será que alguma vez veremos esse dia?
Em relação à operação e à prisão do Major Valentim, há alguns aspectos que eu gostaria de destacar:
- Quem terá sido o idiota que tentou lançar uma (felizmente frustrada) onda de indignação sobre o facto desta investigação ter sido feita 2 meses antes do Euro?
- Já repararam na enorme solidão em que neste momento está Valentim Loureiro? Para alguém que sempre surgiu com uma figura de barão cultivador de influências e amizades, é surpreendente o distanciamento dos seus antigos amigos... a entrevista de ontem de Gilberto Madaíl à TSF é talvez o exemplo mais desolador de todos! Que raio, até os acusados de pedofilia tiveram amigos que os defenderam publicamente! Não há por aí nenhum amigo do Major?
- .... e já agora, o que pensa desta história o Primeiro Ministro Durão Barroso? É que durante toda a campanha eleitoral foram múltiplas as ocasiões em que Valentim acompanhava DB em comícios e actos públicos diversos! Fica aqui mais uma lição para a nossa classe política, sempre tão promíscua com os meios futebolísticos! Depois dessa promiscuidade já ter custado ao país vários milhões de contos com a megalomania do Euro 2004, vamos esperar para ver se a operação apito dourado nos traz mais alguma novidade...
quarta-feira, abril 14, 2004
Há coisas mesmo estúpidas. Houve alguém que escreveu "Porque atribuiram o coelho à páscoa" no google e em quarto lugar na referida pesquisa apareceu um link para o Estarreja Efervescente. Vejam a prova aqui. Depois de George W. Bush, Jimmy Carter e Hillary Clinton (com a expressão "Miserable Failure") e de Durão Barroso (com a palavra "estúpido"), será que chegou a minha vez?
segunda-feira, abril 12, 2004
Recebi uma correcção do meu leitor "VN" em relação a uma referência que eu fiz no post sobre a GAMA: por estúpido que pareça, Estarreja pertence à NUT do Baixo Vouga e não à de Entre o Douro e o Vouga, embora esteja a Norte do rio Vouga... enfim, quanto melhor se conhecem as NUT, menos se gosta delas.
Aliás, em relação a esta regionalização passa-se o mesmo, pois já depois de ter escrito o artigo em questão, li uma reportagem do Público sobre este tema e fiquei definitivamente convencido: esta forma de dividir o país é um enorme erro e vem criar problemas onde eles nunca existiram (isto é, na unidade nacional).
É também curioso ver o que Cavaco Silva escreve na sua autobiografia política sobre a regionalização: para quem não se recorda, a regionalização era uma das medidas que o PSD fazia constar dos seus programas eleitorais praticamente desde a fundação do partido. Em certos sectores sociais-democratas, era mesmo considerada como algo de fundamental e urgente. Ora, Cavaco era contra e tentou assumidamente boicotar o processo até onde lhe foi possível. As razões então apontadas (e que acabaram por ser aceites pelo partido...) servem quase todas para rebater esta regionalização de Durão Barroso!
Leiam a Autobiografia Política II e podem verificar o que aqui escrevo.
Aliás, em relação a esta regionalização passa-se o mesmo, pois já depois de ter escrito o artigo em questão, li uma reportagem do Público sobre este tema e fiquei definitivamente convencido: esta forma de dividir o país é um enorme erro e vem criar problemas onde eles nunca existiram (isto é, na unidade nacional).
É também curioso ver o que Cavaco Silva escreve na sua autobiografia política sobre a regionalização: para quem não se recorda, a regionalização era uma das medidas que o PSD fazia constar dos seus programas eleitorais praticamente desde a fundação do partido. Em certos sectores sociais-democratas, era mesmo considerada como algo de fundamental e urgente. Ora, Cavaco era contra e tentou assumidamente boicotar o processo até onde lhe foi possível. As razões então apontadas (e que acabaram por ser aceites pelo partido...) servem quase todas para rebater esta regionalização de Durão Barroso!
Leiam a Autobiografia Política II e podem verificar o que aqui escrevo.
sexta-feira, abril 09, 2004
Já agora, um pequeno esclarecimento ao José Cláudio Vital sobre um post do Vela Latina no dia 7/4/2004:
- Ser patego é tolerar que as empresas espanholas ganhem sistematicamente concursos públicos em Portugal, nas mais variadas áreas de negócio, enquanto que não há uma empresa portuguesa que ganhe um único concurso público em Espanha;
- Ser patego é tentar ganhar alguns (poucos...) tostões através de uma atitude complacente com escandalosas e por vezes descaradas práticas de "dumping", que dentro de poucos anos terão consequências gravíssimas quer para a nossa economia, quer para os pategos que neste momento lhes dão azo;
- Ser patego é admitir proteccionismos aos outros, sem denunciar essa atitude nem responder da mesma forma...
O fortíssimo crescimento económico de Espanha nos últimos anos foi conseguido à custa do risco corrido pelos empresários espanhóis, mas também porque o governo soube praticar e promover políticas económicas que permitiram o desenvolvimento e consolidação dos vários sectores de actividade.
Em Espanha (pelo menos com Aznar) seria impossível a atribuição da distribuição de leite a uma empresa portuguesa, especialmente quando o próprio país dispõe de uma indústria forte nesse sector.
Sinceramente, não me parece nem que esta seja uma visão emocionada da economia, nem que os argumentos que aqui se enunciam sejam frágeis. O mercado selvagem apenas leva à lógica da cadeia alimentar, em que os maiores engolem facilmente os mais pequenos, o que num país como o nosso é preocupante. Aliás, não é por acaso que mesmo os partidos teoricamente mais liberais sob o ponto de vista económico (os de direita) são simultaneamente os maiores defensores de atitudes proteccionistas - é que todos sabem muito bem para onde é que as coisas caminham...
- Ser patego é tolerar que as empresas espanholas ganhem sistematicamente concursos públicos em Portugal, nas mais variadas áreas de negócio, enquanto que não há uma empresa portuguesa que ganhe um único concurso público em Espanha;
- Ser patego é tentar ganhar alguns (poucos...) tostões através de uma atitude complacente com escandalosas e por vezes descaradas práticas de "dumping", que dentro de poucos anos terão consequências gravíssimas quer para a nossa economia, quer para os pategos que neste momento lhes dão azo;
- Ser patego é admitir proteccionismos aos outros, sem denunciar essa atitude nem responder da mesma forma...
O fortíssimo crescimento económico de Espanha nos últimos anos foi conseguido à custa do risco corrido pelos empresários espanhóis, mas também porque o governo soube praticar e promover políticas económicas que permitiram o desenvolvimento e consolidação dos vários sectores de actividade.
Em Espanha (pelo menos com Aznar) seria impossível a atribuição da distribuição de leite a uma empresa portuguesa, especialmente quando o próprio país dispõe de uma indústria forte nesse sector.
Sinceramente, não me parece nem que esta seja uma visão emocionada da economia, nem que os argumentos que aqui se enunciam sejam frágeis. O mercado selvagem apenas leva à lógica da cadeia alimentar, em que os maiores engolem facilmente os mais pequenos, o que num país como o nosso é preocupante. Aliás, não é por acaso que mesmo os partidos teoricamente mais liberais sob o ponto de vista económico (os de direita) são simultaneamente os maiores defensores de atitudes proteccionistas - é que todos sabem muito bem para onde é que as coisas caminham...
Quando li no Jornal da Ria o artigo a que me refiro no post anterior fiquei algo desiludido. Embora o texto publicado fosse exactamente o mesmo que eu tinha escrito, a verdade é que a leitura em papel exerce este estranho efeito de exigência acrescida... o que até me parecia razoável no ecrã do computador pareceu-me um pouco pífio na versão impressa. Enfim, não adianta chorar sobre o leite derramado e pelo menos aqueles que visitarem este blogue ficam a saber que eu também reparei nisso. E que gosto de escrever textos melhores que o do post anterior!
Aqui vai o texto do meu artigo de ontem no Jornal da Ria:
Emagrecer
O motivo pelo qual grande parte dos deputados municipais decidiu aprovar a adesão de Estarreja à Grande Área Metropolitana de Aveiro (GAMA) estava mais associado a um sentimento de impotência perante uma decisão tomada a nível central do que propriamente a uma convicção política forte. Nos dias que antecederam a última Assembleia Municipal era frequente ouvirem-se comentários do género "...já que temos que pertencer a uma área metropolitana, que seja à de Aveiro" ou "... depois de criada a GAMA, não podemos ficar de fora". Ou seja, esta decisão foi encarada pelos parlamentos municipais como uma imposição do governo ("estão aqui as áreas metropolitanas, comunidades urbanas, etc. – agora amanhem-se e distribuam-se como vos apetecer") e não como uma iniciativa nascida a partir do poder local.
Por seu lado, o governo tem nos últimos dias tentado lavar as mãos de todo o processo. No momento em que escrevo estas linhas acabei de ouvir na TSF Miguel Relvas, o Secretário de Estado da Administração Local, a afirmar que "esta é a verdadeira descentralização, pois é feita de baixo para cima e não nasce de uma imposição do Terreiro do Paço". Ou seja, para o governo a responsabilidade política deste processo é dos órgãos autárquicos locais ("os que têm a verdadeira legitimidade para decidir sobre esta matéria"), enquanto que estes se limitam a "encaixar" num enquadramento previamente definido. A culpa, mais uma vez, vai solteira...
A questão da legitimidade deste processo é também interessante: o mesmo argumento que serviu para se "chumbarem" as novas propostas em relação à lei do aborto (a existência de um referendo ganho pelo "Não") não serve para esta regionalização encapotada. Ou seja, os referendos parecem ter um prazo de validade definido casuisticamente e à medida das necessidades políticas...
Analisemos o caso da GAMA e de Estarreja. O distrito de Aveiro (até quando é que existirá?) viu os concelhos que o compõem serem distribuídos por três áreas metropolitanas (Aveiro, Porto e Coimbra), ao passo que a GAMA não "anexou" nenhum concelho que não pertencesse já ao distrito. Ou seja, a GAMA mais não é que um distrito de Aveiro emagrecido, que perdeu alguns dos seus concelhos mais atractivos para as áreas metropolitanas vizinhas. Veja-se o exemplo de Santa Maria da Feira (o concelho mais populoso e industrializado do distrito de Aveiro) e São João da Madeira (um dos concelhos portugueses em que a razão entre a produção de riqueza e o número de habitantes é superior), que foram anexados pela área metropolitana do Porto. Outros concelhos do nosso distrito que também se sentiam emocionalmente ligados ao Porto acabaram por ser diplomaticamente aconselhados a continuarem sob a alçada de Aveiro (como é o caso de Vale de Cambra), o que não deixa de ser curioso.
Em relação a Estarreja, o que poderíamos nós fazer? Imaginemos que os estarrejenses não queriam pertencer à GAMA – qual seria a alternativa? Será que nos aceitariam na área metropolitana do Porto ou de Coimbra? Obviamente que uma ligação deste género seria disparatada... Ou seja, a verdadeira escolha para o concelho de Estarreja era entre pertencer à GAMA ou não pertencer a nenhuma área metropolitana, com todos os custos de perda de influência (e fundos comunitários e estatais...) que inevitavelmente surgiriam. Por tudo isto, a última Assembleia Municipal serviu apenas para o nosso parlamento local "carimbar" uma decisão na qual não participou nem foi ouvido e para a qual foi empurrado sem qualquer hipótese de alternativa!
A confusão agora criada (Estarreja pertence à Beira Litoral, ao distrito de Aveiro, à GAMA, à NUT de Entre o Douro e o Vouga, à Associação de Municípios da Ria, à Comissão Coordenadora da Região Centro, à ARS do Centro, etc.) é absolutamente insustentável e vai inevitavelmente ter consequências no futuro. E, tal como qualquer criança que recebe um brinquedo novo, a tendência vai ser para se utilizar principalmente a classificação mais recente, ou seja, a GAMA. É natural e previsível que a organização do território nacional seja feita em torno das estruturas agora criadas, utilizando como argumento a "união política decidida pelos próprios municípios". Deste modo, é também provável e lógico que com o tempo alguém chegue à conclusão que não faz sentido existirem círculos eleitorais baseados nos distritos quando o país está principalmente dividido em áreas metropolitanas... ou seja, os deputados e fundos estatais deverão ser distribuídos tendo em conta as novas formas de associação intermunicipal. Ora, a GAMA é muito mais pequena e bem menos representativa que o "antigo" distrito de Aveiro, pelo que não terá como argumentar para manter quer o seu peso eleitoral, quer a sua capacidade reivindicativa junto do governo central... para bom entendedor, meia palavra basta: esta "descentralização feita de baixo para cima" é na realidade (e na prática) uma regionalização sob pseudónimo, que discretamente e sem o indispensável debate público alargado, cedeu aos interesses dos principais centros aglutinadores de influências. O poder com que algumas áreas metropolitanas saem deste processo é enorme e dificilmente será controlável pelo governo central, que assim acaba por ser responsável por um processo de desagregação do país feito de forma desordenada e à medida dos interesses instalados neste momento.
A anterior proposta de regionalização tinha pelo menos a virtude de ser frontal e conhecida pelas populações, embora tivesse vários aspectos susceptíveis de correcção. Esta descentralização em roda livre tem consequências previsíveis e graves (como algumas das que enuncio neste texto) e é um processo perigoso e bastante arriscado, pois abre caminho a todo o tipo de pressões egoístas e caciquismos locais. O país já dispunha de estruturas potencialmente descentralizadoras (províncias, distritos, concelhos), bem implementadas e aceites pelas populações, pelo que esta medida é apenas uma forma de ajustar o poder local a algumas conveniências.
Um dos argumentos que mais impacto teve no período de discussão do referendo da regionalização era a criação de tachos que supostamente estaria associada a este processo. Neste caso a situação deve ser diferente... pelo menos não faz sentido acenar com utensílios de cozinha a quem se tenta emagrecer!
Emagrecer
O motivo pelo qual grande parte dos deputados municipais decidiu aprovar a adesão de Estarreja à Grande Área Metropolitana de Aveiro (GAMA) estava mais associado a um sentimento de impotência perante uma decisão tomada a nível central do que propriamente a uma convicção política forte. Nos dias que antecederam a última Assembleia Municipal era frequente ouvirem-se comentários do género "...já que temos que pertencer a uma área metropolitana, que seja à de Aveiro" ou "... depois de criada a GAMA, não podemos ficar de fora". Ou seja, esta decisão foi encarada pelos parlamentos municipais como uma imposição do governo ("estão aqui as áreas metropolitanas, comunidades urbanas, etc. – agora amanhem-se e distribuam-se como vos apetecer") e não como uma iniciativa nascida a partir do poder local.
Por seu lado, o governo tem nos últimos dias tentado lavar as mãos de todo o processo. No momento em que escrevo estas linhas acabei de ouvir na TSF Miguel Relvas, o Secretário de Estado da Administração Local, a afirmar que "esta é a verdadeira descentralização, pois é feita de baixo para cima e não nasce de uma imposição do Terreiro do Paço". Ou seja, para o governo a responsabilidade política deste processo é dos órgãos autárquicos locais ("os que têm a verdadeira legitimidade para decidir sobre esta matéria"), enquanto que estes se limitam a "encaixar" num enquadramento previamente definido. A culpa, mais uma vez, vai solteira...
A questão da legitimidade deste processo é também interessante: o mesmo argumento que serviu para se "chumbarem" as novas propostas em relação à lei do aborto (a existência de um referendo ganho pelo "Não") não serve para esta regionalização encapotada. Ou seja, os referendos parecem ter um prazo de validade definido casuisticamente e à medida das necessidades políticas...
Analisemos o caso da GAMA e de Estarreja. O distrito de Aveiro (até quando é que existirá?) viu os concelhos que o compõem serem distribuídos por três áreas metropolitanas (Aveiro, Porto e Coimbra), ao passo que a GAMA não "anexou" nenhum concelho que não pertencesse já ao distrito. Ou seja, a GAMA mais não é que um distrito de Aveiro emagrecido, que perdeu alguns dos seus concelhos mais atractivos para as áreas metropolitanas vizinhas. Veja-se o exemplo de Santa Maria da Feira (o concelho mais populoso e industrializado do distrito de Aveiro) e São João da Madeira (um dos concelhos portugueses em que a razão entre a produção de riqueza e o número de habitantes é superior), que foram anexados pela área metropolitana do Porto. Outros concelhos do nosso distrito que também se sentiam emocionalmente ligados ao Porto acabaram por ser diplomaticamente aconselhados a continuarem sob a alçada de Aveiro (como é o caso de Vale de Cambra), o que não deixa de ser curioso.
Em relação a Estarreja, o que poderíamos nós fazer? Imaginemos que os estarrejenses não queriam pertencer à GAMA – qual seria a alternativa? Será que nos aceitariam na área metropolitana do Porto ou de Coimbra? Obviamente que uma ligação deste género seria disparatada... Ou seja, a verdadeira escolha para o concelho de Estarreja era entre pertencer à GAMA ou não pertencer a nenhuma área metropolitana, com todos os custos de perda de influência (e fundos comunitários e estatais...) que inevitavelmente surgiriam. Por tudo isto, a última Assembleia Municipal serviu apenas para o nosso parlamento local "carimbar" uma decisão na qual não participou nem foi ouvido e para a qual foi empurrado sem qualquer hipótese de alternativa!
A confusão agora criada (Estarreja pertence à Beira Litoral, ao distrito de Aveiro, à GAMA, à NUT de Entre o Douro e o Vouga, à Associação de Municípios da Ria, à Comissão Coordenadora da Região Centro, à ARS do Centro, etc.) é absolutamente insustentável e vai inevitavelmente ter consequências no futuro. E, tal como qualquer criança que recebe um brinquedo novo, a tendência vai ser para se utilizar principalmente a classificação mais recente, ou seja, a GAMA. É natural e previsível que a organização do território nacional seja feita em torno das estruturas agora criadas, utilizando como argumento a "união política decidida pelos próprios municípios". Deste modo, é também provável e lógico que com o tempo alguém chegue à conclusão que não faz sentido existirem círculos eleitorais baseados nos distritos quando o país está principalmente dividido em áreas metropolitanas... ou seja, os deputados e fundos estatais deverão ser distribuídos tendo em conta as novas formas de associação intermunicipal. Ora, a GAMA é muito mais pequena e bem menos representativa que o "antigo" distrito de Aveiro, pelo que não terá como argumentar para manter quer o seu peso eleitoral, quer a sua capacidade reivindicativa junto do governo central... para bom entendedor, meia palavra basta: esta "descentralização feita de baixo para cima" é na realidade (e na prática) uma regionalização sob pseudónimo, que discretamente e sem o indispensável debate público alargado, cedeu aos interesses dos principais centros aglutinadores de influências. O poder com que algumas áreas metropolitanas saem deste processo é enorme e dificilmente será controlável pelo governo central, que assim acaba por ser responsável por um processo de desagregação do país feito de forma desordenada e à medida dos interesses instalados neste momento.
A anterior proposta de regionalização tinha pelo menos a virtude de ser frontal e conhecida pelas populações, embora tivesse vários aspectos susceptíveis de correcção. Esta descentralização em roda livre tem consequências previsíveis e graves (como algumas das que enuncio neste texto) e é um processo perigoso e bastante arriscado, pois abre caminho a todo o tipo de pressões egoístas e caciquismos locais. O país já dispunha de estruturas potencialmente descentralizadoras (províncias, distritos, concelhos), bem implementadas e aceites pelas populações, pelo que esta medida é apenas uma forma de ajustar o poder local a algumas conveniências.
Um dos argumentos que mais impacto teve no período de discussão do referendo da regionalização era a criação de tachos que supostamente estaria associada a este processo. Neste caso a situação deve ser diferente... pelo menos não faz sentido acenar com utensílios de cozinha a quem se tenta emagrecer!
terça-feira, abril 06, 2004
Há coisas verdadeiramente inacreditáveis... Vejam esta notícia da Rádio Voz da Ria:
"Como é possivel que as Direcções Regionais de Educação tenham atribuído o fornecimento do leite escolar a empresas espanholas, quando existem grandes dificuldades de escoamento do leite da nossa região? A pertinente pergunta é da deputada europeia Ilda Figueiredo e foi feita após uma visita à Proleite em Oliveira de Azeméis. Após a realização de concursos internacionais a Direcção Regional de Educação do Norte e a de Lisboa, atribuíram o fornecimento do leite escolar a empresas do país vizinho. Tendo em conta esta realidade, a deputada comunista questionou a Comissão Europeia, sobre a possibilidade do Programa “Leite passa as Escolas” vir a utilizar preferencialmente a produção nacional, colaborando na defesa dos pequenos produtores de leite e da agricultura familiar, tudo tendo em conta a especificidade da agricultura portuguesa.
Data de Publicação: Terça-Feira, 6 Abril 2004"
... e digam lá se não somos todos uma cambada de pategos?
"Como é possivel que as Direcções Regionais de Educação tenham atribuído o fornecimento do leite escolar a empresas espanholas, quando existem grandes dificuldades de escoamento do leite da nossa região? A pertinente pergunta é da deputada europeia Ilda Figueiredo e foi feita após uma visita à Proleite em Oliveira de Azeméis. Após a realização de concursos internacionais a Direcção Regional de Educação do Norte e a de Lisboa, atribuíram o fornecimento do leite escolar a empresas do país vizinho. Tendo em conta esta realidade, a deputada comunista questionou a Comissão Europeia, sobre a possibilidade do Programa “Leite passa as Escolas” vir a utilizar preferencialmente a produção nacional, colaborando na defesa dos pequenos produtores de leite e da agricultura familiar, tudo tendo em conta a especificidade da agricultura portuguesa.
Data de Publicação: Terça-Feira, 6 Abril 2004"
... e digam lá se não somos todos uma cambada de pategos?
Depois de uma breve ausência, aqui fica a primeira de uma série de notas:
Infelizmente João Soares confirma-se como candidato à liderança do PS. Quando me lembro do seu comício de encerramento da última campanha para as legislativas, até sinto um fresquinho na espinha... para quem não se lembra, a campanha de JS acabou com os candidatos da coligação PS/PCP de braços dados a gritarem "25 de Abril, Sempre!" (estávamos em Dezembro!). Ora, os lisboetas responderam-lhes à letra... e o que é mais grave é que chegaram ao desespero de preferirem ter um Presidente da Câmara como Santana Lopes a um indivíduo como João Soares! O grito de "25 de Abril Sempre!" naquele momento é menos desesperado do que à partida se poderia pensar: é que a revolução de Abril é precisamente o único ponto de união entre PS e PCP. Se não falassem do 25 de Abril, de que é que poderiam falar? Mesmo em Dezembro e no fim de um mandato no qual deveria haver obras para elogiar e projectos para o futuro para animar o povo, o 25 de Abril teve que ser chamado como elemento de unificação de tão disparatada coligação, o que diz bem da natureza e solidez da mesma... o único cenário ainda mais ridículo seria uma inacreditável (e eleitoralmente imperdoável...) união do PS ao Bloco de Esquerda!
(O quê... o Jorge Coelho já falou nisto?! Ainda bem que estamos numa época de redenção como a páscoa... Valha-nos Deus!)
Infelizmente João Soares confirma-se como candidato à liderança do PS. Quando me lembro do seu comício de encerramento da última campanha para as legislativas, até sinto um fresquinho na espinha... para quem não se lembra, a campanha de JS acabou com os candidatos da coligação PS/PCP de braços dados a gritarem "25 de Abril, Sempre!" (estávamos em Dezembro!). Ora, os lisboetas responderam-lhes à letra... e o que é mais grave é que chegaram ao desespero de preferirem ter um Presidente da Câmara como Santana Lopes a um indivíduo como João Soares! O grito de "25 de Abril Sempre!" naquele momento é menos desesperado do que à partida se poderia pensar: é que a revolução de Abril é precisamente o único ponto de união entre PS e PCP. Se não falassem do 25 de Abril, de que é que poderiam falar? Mesmo em Dezembro e no fim de um mandato no qual deveria haver obras para elogiar e projectos para o futuro para animar o povo, o 25 de Abril teve que ser chamado como elemento de unificação de tão disparatada coligação, o que diz bem da natureza e solidez da mesma... o único cenário ainda mais ridículo seria uma inacreditável (e eleitoralmente imperdoável...) união do PS ao Bloco de Esquerda!
(O quê... o Jorge Coelho já falou nisto?! Ainda bem que estamos numa época de redenção como a páscoa... Valha-nos Deus!)